CPC 07 e as subvenções para custeio e investimento
18 de março de 2023, 15h19
O CPC 07 (R1) — Subvenção e Assistência Governamentais, norma juscontábil brasileira que trata sobre as subvenções, foi elaborada a partir do IAS 20 (Accounting for Government Grants and Disclosure of Government Assistance — Iasb).
Cabe destacar que a IAS 20 reconhece a existência de duas correntes contábeis em relação ao tratamento das subvenções governamentais, quais sejam: 1) capital da pessoa jurídica (capital approach), em que não há contabilização de receitas ou despesas vinculadas aos valores subvencionados; e 2) renda da pessoa jurídica (income approach), na qual se reconhece as receitas e as despesas em seus respectivos períodos.
Nesse sentido, com a publicação da Lei nº 11.638/07, que alterou a Lei nº 6.404/76 ao revogar o previsto na alínea "d" do parágrafo 2º do artigo 182 e incluiu o artigo 195-A, as "Doações e as Subvenções para Investimento" introduziram-se ao grupo de reservas de lucros no patrimônio líquido. Ou seja, por meio da alteração legislativa, referidos valores passaram a, obrigatoriamente, transitar pelas contas contábeis de resultado.
Esse mesmo tratamento foi mantido quando da publicação da Lei nº 11.941/09 e da Lei nº 12.973/14, e isso demonstra a opção do Brasil em adotar a corrente contábil que caracteriza a subvenção como uma receita (income approach).
Em termos contábeis, conforme dispõe o item 3 do CPC 07, a subvenção, lato sensu, é definida como:
"(…) uma assistência governamental geralmente na forma de contribuição de natureza pecuniária, mas não só restrita a ela, concedida a uma entidade normalmente em troca do cumprimento passado ou futuro de certas condições relacionadas às atividades operacionais da entidade. Não são subvenções governamentais aquelas que não podem ser razoavelmente quantificadas em dinheiro e as transações com o governo que não podem ser distinguidas das transações comerciais normais da entidade."
A partir dessa definição contábil, seria possível sustentar que os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais de ICMS tidos por "gerais", como por exemplo a redução da base de cálculo, o diferimento ou até mesmo o crédito presumido (benefícios estes que, atualmente, são os principais pontos de tensão nas discussões relacionadas à equiparação tributária ou não das subvenções para custeio às subvenções para investimento), não seriam, sob a perspectiva contábil, subvenção. Isso porque, conforme restará demonstrado nos cálculos apresentados na sequência, a razoável, ou até mesmo adequada, quantificação dos valores destes benefícios não é tão evidente como se faz querer crer aqueles que pretendem equiparar, do ponto de vista tributário, irrestritamente todos os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais de ICMS à uma subvenção para investimento.
De todo forma, temos ainda que o item 9 do CPC 07 esclarece que a forma como a subvenção é recebida pela empresa, em dinheiro ou como redução de passivo, por exemplo, não influencia o método de contabilização a ser adotado. E sobre os registros contábeis, cabe mencionar as previsões do item 29 do CPC 07, que estabelecem a necessidade de registro no resultado (adoção da corrente contábil do income approach):
"29. A subvenção é algumas vezes apresentada como crédito na demonstração do resultado, quer separadamente sob um título geral tal como 'outras receitas', quer, alternativamente, como dedução da despesa relacionada. A subvenção, seja por acréscimo de rendimento proporcionado ao empreendimento, ou por meio de redução de tributos ou outras despesas, deve ser registrada na demonstração do resultado no grupo de contas de acordo com a sua natureza."
Também, por analogia aos benefícios de ICMS, objetos da presente análise, se faz importante destacar os itens 38D e 38E do mencionado CPC 07, que trata sobre a redução ou isenção de tributo em área incentivada:
"38D. Certos empreendimentos gozam de incentivos tributários de imposto sobre a renda na forma de isenção ou redução do referido tributo, consoante prazos e condições estabelecidos em legislação específica. Esses incentivos atendem ao conceito de subvenção governamental.
38E. O reconhecimento contábil dessa redução ou isenção tributária como subvenção para investimento é efetuado registrando-se o imposto total no resultado como se devido fosse, em contrapartida à receita de subvenção equivalente, a serem demonstrados um deduzido do outro."
Verifica-se, portanto, nas hipóteses em que as subvenções governamentais tratarem de redução tributária, as normas contábeis brasileiras, as quais estão em convergência com o regramento internacional, estabelecem a necessidade de registro do tributo integralmente no resultado e, de maneira concomitante, a correspondente parcela da subvenção.
Nesse sentido, com o objetivo de ilustrar as tratativas contábeis, elenco na sequência três cenários, considerando: 1) o resultado sem qualquer benefício fiscal do ICMS; 2) o resultado com redução na base de cálculo do ICMS em 50%; e 3) o resultado com isenção tributária do ICMS de 100%, sem qualquer alteração, em todos os cenários, no valor antes do ICMS (referente, em regra, ao valor dos custos e despesas, somado à margem esperada). Vejamos:
1) resultado sem benefício (ICMS 12%) | Base de cálculo do ICMS ajustada LC nº 87/96
Descrição Valores em reais (R$)
(=) Valor antes do ICMS 1.000,00
(+) Valor Nota Fiscal de venda (receita) 1.136,36
(=) Base de Cálculo ICMS 1.136,36
(-) ICMS (12%) 136,36
(=) Resultado Tributável (IR/CS) 1.000,00
(-) Valor IR/CS (34%) 340,00
(=) Resultado líquido 660,00
Margem 66%
2) resultado com redução na base de cálculo de 50% (ICMS 12%) | Base de cálculo do ICMS ajustada LC nº 87/96
Descrição Valores em reais (R$)
(=) Valor antes do ICMS 1.000,00
(+) Valor Nota Fiscal de venda (receita) 1.063,83
(=) Base de Cálculo ICMS 531,91
(-) ICMS (12%) 63,83
(=) Resultado Tributável (IR/CS) 1.000,00
(-) Valor IR/CS (34%) 340,00
(=) Resultado líquido 660,00
Margem 66%
3) resultado considerando a isenção tributária de ICMS de 100% (ICMS 12%) | Base de cálculo do ICMS ajustada LC nº 87/96
Descrição Valores em reais (R$)
(=) Valor antes do ICMS 1.000,00
(+) Valor Nota Fiscal de venda (receita) 1.000,00
(=) Base de Cálculo ICMS 0,00
(-) ICMS (12%) 0,00
(=) Resultado Tributável (IR/CS) 1.000,00
(-) Valor IR/CS (34%) 340,00
(=) Resultado líquido 660,00
Margem 66%
No que se refere aos benefícios fiscais e financeiros-fiscais de ICMS, temos que os mesmos, por premissa, alteram o próprio valor da receita, não sendo necessário qualquer ajuste na determinação do lucro real para equalizar eventuais impactos na apuração do IRPJ e da CSLL, ainda que a contabilização não correspondesse ao previsto no CPC 07 (com as ressalvas quanto a possibilidade de aplicação dos itens 38D e 38E para os casos de ICMS, que tratam sobre áreas incentivadas), cujo impacto seria o mesmo, tendo em vista a inclusão de uma "receita de subvenção", seguida de uma "despesa integral" do tributo.
Esse efeito ocorre, pois, de acordo com as previsões da Lei Complementar nº 87/96 [1], o próprio imposto (ICMS) integrará a sua base de cálculo ("cálculo por dentro"). E é justamente por essa técnica de apuração que o "resultado líquido" e a "margem", apresentada nos exemplos acima é a mesma nos três cenários diferentes.
Ou seja, caso a empresa seja beneficiada por uma redução da base de cálculo do ICMS ou pelo diferimento do imposto, por exemplo, o valor da receita auferida será diferente, e por consequência, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL já estará ajustada. Quer dizer, nestes casos a "subvenção", se assim entendida, já operou seu impacto na apuração destes dois tributos federais, e a pretensa exclusão que se busca realizar na determinação do lucro real, oriunda da "equiparação" promovida pela Lei Complementar nº 160/17, representaria, na verdade, uma exclusão em duplicidade.
Para além dessa exclusão em duplicidade, o próprio valor a ser excluído seria apurado de uma forma temerária, isso porque, conforme destacado, a LC nº 87/96 dispõe que o próprio imposto integrará a sua base de cálculo. Quer dizer, para realizar o que chamei de exclusão em duplicidade, a empresa deveria fazer um cálculo apartado da sua operação, e em desconformidade com as previsões da LC nº 87/96, para apurar um pseudo tributo devido e na sequência excluir esse valor na determinação do lucro real.
Ora, a prática não encontra amparo nas regras contábeis, pois o item 3 do CPC 07 estabelece que não serão consideradas subvenções os valores que não puderem ser apurados de forma razoável, o que me parece ser o caso, bem como na própria lei complementar federal que trata do ICMS, que dispõe que, entre outros valores, o próprio imposto irá compor a base de cálculo do ICMS, sendo óbvio que esse imposto referenciado na lei é o imposto efetivamente devido na operação [2], e não um valor que não guarda qualquer tipo de relação com a transação.
Ainda, de maneira complementar, destaco separadamente a análise contábil das operações beneficiadas com o crédito presumido do ICMS. Isso porque, conforme assentado no EREsp nº 1.517.492/PR, a Primeira Seção do STJ firmou o entendimento de que não é possível tributar, via IRPJ e CSLL, o reflexo produzido no lucro da empresa oriundo da concessão de créditos presumidos pelo Estado, sob o principal argumento de que a referida tributação violaria o Pacto Federativo (alínea "a" do artigo 150 da CF88).
O precedente mencionado vem sendo utilizado como argumento para tentar afastar a tributação do IRPJ e da CSLL para todas as demais espécies de benefícios fiscais e financeiros-fiscais de ICMS. Porém, da mesma forma como ocorre com os outros benefícios, a exclusão do crédito presumido também representaria uma "exclusão em duplicidade".
Isso porque, de acordo com o já citado inc. I do parágrafo 1º do artigo 13 da LC nº 87/96, dispõe que o próprio imposto integrará a sua base de cálculo.
Desta forma, como já é de conhecimento do contribuinte o valor (ou a metodologia de cálculo) do crédito presumido quando da realização de suas operações sujeitas ao ICMS, a mensuração da base de cálculo deve levar esse fator em consideração, o que, por efeito, ajusta a base de cálculo da operação, conforme demonstrado no exemplo que segue:
1) resultado sem qualquer benefício (ICMS 12%) | Base de cálculo do ICMS ajustada LC nº 87/96
Descrição Valores em reais (R$)
(=) Valor antes do ICMS 1.000,00
(+) Valor Nota Fiscal de venda (receita) 1.136,36
(=) Base de Cálculo ICMS 1.136,36
(-) ICMS (12%) 136,36
(=) Resultado Tributável (IR/CS) 1.000,00
(-) Valor IR/CS (34%) 340,00
(=) Resultado líquido 660,00
Margem 66%
2) resultado considerando crédito presumido de ICMS na proporção de 50% do valor devido sobre as saídas (ICMS 12%) | Base de cálculo do ICMS ajustada LC nº 87/96
Descrição Valores em reais (R$)
(=) Valor antes do ICMS 1.000,00
(+) Valor Nota Fiscal de venda (receita) 1.063,83
(=) Base de Cálculo ICMS 1.063,83
(-) ICMS (12%) 127,66
(+) Crédito Presumido de ICMS 63,83
(=) Resultado Tributável (IR/CS) 1.000,00
(-) Valor IR/CS (34%) 340,00
(=) Resultado líquido 660,00
Margem 66%
Com a adequação na base de cálculo do ICMS nos termos da LC nº 87/96, é possível verificar que, mesmo tratando do crédito presumido, o contribuinte não é onerado em relação ao IRPJ e a CSLL, bem como, mantém a sua margem em relação ao valor de venda antes do ICMS. Do contrário, permitir a exclusão do crédito presumido acabaria por aumentar a margem, pois o benefício Estadual já operou seu impacto na apuração destes dois tributos federais.
Além disso, ressalto outra vez que a aplicação da contabilização prevista nos itens 38D e 38E CPC 07, que versam sobre área incentivada, pode ser questionada para os benefícios fiscais e financeiros fiscais de ICMS tidos como gerais ou não específicos.
Por efeito, ainda que se admita que a LC nº 160/17, por meio de uma ficção jurídica, tenha equiparado, para fins tributários, as subvenções para custeio às subvenções para investimento, o que entendo que de fato ocorreu, porém de uma forma que chamo de "condicionada" e não geral e irrestrita, a alínea "b" do item 2 do CPC 07 dispõe que o mesmo não abrange a contabilização de assistência governamental ou outra forma de benefício quando se determina o resultado tributável ou quando se determina o valor do tributo que não tenha caracterização como subvenção governamental, e cita como exemplo, entre outros, as isenções temporárias ou reduções do tributo sem a característica de subvenção governamental.
Desta forma, na minha leitura, entendo que o conteúdo do regramento contábil elencado no CPC 07, especialmente se aplicada a contabilização prevista em seus itens 38D e 38E, não impactará a apuração do IRPJ e da CSLL, e a própria determinação do lucro real.
De maneira complementar, cumpre mencionar que caso seja evidenciado a despesa do ICMS "integral" ou como se devido fosse, com base nos itens 38D e 38E do CPC 07, essa seria uma despesa necessária para fins de apuração do IRPJ e da CSLL? Me parece que não, isso porque, nos casos em que a operação é beneficiada por algum tipo de benefício e o mesmo não é repassado no preço, admitir a "despesa contábil" como uma despesa necessária para fins de apuração tributária, seria o mesmo que aceitar que a entidade se beneficiasse por aumentar sua margem e deduzisse uma despesa.
Por fim, convém mencionar que a presente análise contábil se deu sobre os benefícios fiscais de ICMS mais comuns. Desta forma, assim como se faz necessário observar cada tipo de legislação estadual para identificar o intuito do legislador estadual quando da concessão dos benefícios fiscais ou financeiros-fiscais de ICMS e sua equiparação tributária ou não à uma subvenção para investimento, eventual contabilização e reflexo na determinação do lucro real também devem ser feitos de forma particularizada.
[1] Artigo 13. A base de cálculo do imposto é:
(…)
§1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive nas hipóteses dos incisos V, IX e X do caput deste artigo:
I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
[2] De maneira exemplificativa, vide as manifestações realizadas pelos Estados de São Paulo e Paraná: Resposta à Consulta Tributária nº 25.200/2022, de 27 de maio de 2022. Conteúdo disponível em: <RC 25200/2022 (fazenda.sp.gov.br)>. Acesso em 10 mar. 2023, e Consulta Tributária nº 014/21, de 04 de fevereiro de 2021. Conteúdo disponível em: <Imprimindo — SETOR CONSULTIVO — Consultas — Web (sefanet.pr.gov.br)>. Acesso em 10 mar. 2023.
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