Licitações e Contratos

Licitação e ações afirmativas: Decreto Federal nº 11.430/2023

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

17 de março de 2023, 8h00

A Lei nº 14.133/2021 instituiu verdadeiras políticas públicas em matéria de contratação pública, as quais se encontram espalhadas nos mais diversos dispositivos legais.

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No intervalo de quase dois anos desde a promulgação da Nova Lei, algumas normativas já vêm sendo editadas, como, por exemplo, o recentíssimo Decreto Federal nº 11.430, publicado em 8 de março de 2023, que, regulamentando a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, dispõe sobre a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e sobre a utilização do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Desde o advento da Lei nº 8.666/1993, é plenamente possível assegurar que o processo licitatório tem, dentre suas finalidades, o atingimento de políticas públicas, sobretudo após a alteração promovida pela redação conferida pela Lei nº 12.349/2010, que, naquela quadra, inseriu como um dos objetivos da licitação a garantia do desenvolvimento nacional sustentável.

No contexto da Nova Lei, o desenvolvimento nacional sustentável aparece tanto como princípio relacionado ao processo de contratação pública (artigo 5º), como também sendo objetivo do processo licitatório (inciso IV do artigo 11). Ocorre que, ao contrário do que possa revelar, políticas públicas conexas às contratações públicas não se limitam ao enquadramento ambiental, avançando muito mais além.

De tal modo, o legislador foi demasiadamente auspicioso ao lançar tantas outras normas jurídicas pertinentes a políticas públicas de diferentes soslaios, como, a título de exemplo, as relacionadas ao tema tratado no Decreto Federal nº 11.430/2023, acima mencionado.

Necessário destacar, antes de tudo, que o referido decreto é federal, não sendo, portanto, de observância obrigatória pelos demais entes federativos, os quais, todavia, a teor do que dispõe o artigo 187 da Lei nº 14.133/2021, poderão aplicá-lo, ainda que parcialmente.

O Decreto nº 11.430/2023 é digno de aplausos porque contempla, a um só tempo, a concretização de diversas políticas públicas, notadamente as relacionadas ao amparo de pessoas já vitimizadas por uma ou mais situação que possa ter suprimido sua total capacidade laborativa, segundo, por exemplo, a violência doméstica, cujas mazelas (especialmente de caráter emocional) carecem de imediata remediação.

Há, por certo, um inquestionável estímulo às licitantes e contratadas em promoverem políticas equitativas, bem assim fomentar medidas que possam, paralelamente ao Estado, combater a disparidade existente no mercado de trabalho, sobretudo a desigualdade de gênero.

Não se trata, assim, de qualquer imposição, mas de incremento na concepção das finalidades outrora inerentes ao processo licitatório e de contratação pública. De tal sorte, a licitação não apenas deve ser mirada como o começo do contrato, uma vez que sua normatização deve se vincular durante todo o desenvolvimento e execução contratual, concretizando, pragmaticamente, o melhor negócio firmado pela administração pública contratante.

Digno de nota que o recém editado decreto elimina uma inquietante problematização jurisprudencial, relacionada ao atingimento do percentual mínimo estabelecido pela norma. Logo, muito embora o artigo 3º, do Decreto nº 11.430/2023, fixe tal percentual mínimo de 8% das vagas, em se tratando da contratação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, formado pelo emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, há algumas ressalvas em relação ao percentual aplicável.

A primeira delas está contida no § 1º do artigo 3º, segundo o qual o percentual de 8% somente é exigível em contratos com quantitativo mínimo de 25 colaboradores. Na mesma senda, o § 4º, que contempla o fato de que eventual indisponibilidade de mão de obra com qualificação necessária para o atingimento do objeto contratual não descaracteriza o descumprimento do percentual mínimo de 8% previsto.

Relevante igualmente notar que a percentagem mínima exigida no momento da apresentação da proposta seja mantida durante toda a execução contratual, salvo, por óbvio, se alguma circunstância autorizadora ocorra, tal como a diminuição da demanda administrativa, reduzindo o número de empregados da contratada, como, por igual, a indisponibilidade de mão de obra, fato este que deve, motivadamente, ser comprovado.

Além do percentual mínimo de vagas abordado no artigo 3º, o artigo 5º regulamenta, pormenorizadamente, as ações de equidade entre homens e mulheres a que se refere o inciso III do caput do artigo 60 da Lei nº 14.133/2021, estabelecendo, não exaustivamente, um séquito de medidas, com preponderância ordem preferencial.

Há de se considerar, ainda, as redações das normas dos artigos 6º e 7º do anunciado decreto, que tratam, respectivamente, de dois temas sensíveis: dever de manutenção do sigilo, nos termos preconizados na Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e vedação a qualquer tipo de tratamento discriminatório.

Nessa senda, percebe-se que, com a edição do Decreto nº 11.430/2023, o poder público federal proporciona que as licitações públicas não se limitem a meros instrumentos de políticas públicas, servindo de meio de controle de metas e de objetivos das políticas aplicadas.

Por fim, necessário, entretanto, apontar para a correta utilização do novel normativo, de modo que não haja uma má utilização dos objetivos pretendidos pelo legislador, não podendo, sob nenhum enfoque, a nova norma servir como um modelo que desvirtue a verdadeira e mais autêntica finalidade de toda e qualquer política pública, é dizer, a garantia dos direitos fundamentais.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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