Opinião

Analogia in malam partem da palavra "preso" aos adolescentes internados

Autor

  • Isadora Warken Collet

    é graduanda em Direito pela Universidade Cândido Mendes (Ucam) dditora da Revista Criminalis diretora de Eventos do Diretório Acadêmico Rui Barbosa ex-estagiária da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro atuante pela Vara da Infância e Juventude estagiária na área criminal pelo escritório Tavares Advocacia e Consultoria Jurídica associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e escritora de artigos no ramo do Direito Penal e Criminologia.

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17 de março de 2023, 21h24

O Direito da Criança e do Adolescente inicia sua trajetória no cenário jurídico brasileiro em 1830 com a edição do Código Criminal do Império, em que, isentava a responsabilização criminal de crianças com sete a 14 anos, no entanto, fornecia plenos poderes ao juiz para medir o "discernimento" daquele jovem no momento do fato; caso o magistrado entendesse positivamente pela plena capacidade daquela criança, responderia criminalmente como se adulto fosse. Em complemento, o Código de 1830 previa, em relação aos adolescentes  na faixa etária de 14 à 17 anos , a equiparação com os adultos, ou seja, seriam tratados da mesma maneira que um indivíduo em sua maioridade perante a justiça criminal.

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No ano de 1927, após inúmeras mudanças nos paradigmas sociais acerca dos direitos infanto-juvenis, observou-se a necessidade de retirar o poder punitivista que o Código Criminal de 1830 previa sobre as crianças e adolescentes em conflito com a lei, de modo que, passássemos à enxerga-los como seres que estão em processo de desenvolvimento. Para isso, foi alterada a concepção de que a Justiça seria para prender e punir o jovem criminoso, para o conceito de que a Justiça deve ser "pedagógica, tutelar e acolhedora", nesse perpasso, surgem as medidas socioeducativas para afastar a inserção desses indivíduos em ambientes carcerários, uma vez constatada a extrema prejudicialidade das previsões do Código Criminal Imperial para sua formação.

Posteriormente, em 1979, surge o Código de Menores em um cenário de crescente criminalidade urbana; com o aumento da urbanização das metrópoles brasileiras e o aumento do poder aquisitivo, os considerados "menores" passam ao protagonismo da resposta do sistema penal. Se em 1927, adquirimos um avanço em relação ao poder punitivo do Estado, em 1979 surge a necessidade de instalar uma contenção à essas evoluções de modo a retirar da sociedade aqueles que estivessem em conflito com a lei; ora, quem vive segregado, vive à margem de algo, portanto, constatamos o nascimento do conceito dos "marginais", amplamente utilizado pelo senso comum para referir-se aos infratores.   

Somente no ano de 1990, considerou-se as crianças e os adolescentes detentores de deveres, mas, principalmente, de direitos dentro da sociedade. Para tanto, promulga-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo que esses sujeitos não cometem crimes, mas, sim, atos infracionais análogos àquela conduta prevista como criminosa em nosso ordenamento jurídico; além disso, estabeleceu as diretrizes para aplicação das medidas socioeducativas cujo princípio norteador é o do desenvolvimento humano, considerando-os como alguém que está em constante processo de amadurecimento, devendo ser priorizadas as medidas que consigam reestabelecer os vínculos familiares e sociais.

Sob a égide desse escopo protecionista é que iniciamos nossa análise sobre a equiparação do conceito de "preso" aos adolescentes internados em unidades socioeducativas quando cometidos atos infracionais análogos aos crimes contra a Administração da Justiça. Em junho de 2022, o ministro Sebastião Reis Júnior, da Sexta Turma do STJ, entendeu, diante do julgamento do RHC 127982/DF, que a imputação de ato infracional análogo ao do crime de motim de presos  previsto no artigo 354 do Código Penal  é perfeitamente cabível aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação tendo em vista a natureza de reclusão que essa medida possui. O único sujeito ativo do referido crime é o preso, ou seja, aqueles indivíduos do sistema penal que estão respondendo à uma pena cominada em regime privativo de liberdade.

Além disso, o mencionado ministro, ao proferir decisão monocrática no julgamento do HC 545775, em 2020, publicou entendimento semelhante no que tange o crime de evasão mediante violência contra a pessoa  artigo 352 do Código Penal  em que, mais uma vez, somente prevê, como sujeito ativo, o preso e aquele submetido à medida de segurança. Nesse diapasão, constata-se que, apesar de todos os avanços sociais e jurídicos para tentar promover uma dissociação do direito da criança e do adolescente daqueles previstos no direito punitivo, esse instituto ainda é observado como uma ramificação do direito penal, havendo as Supremas Cortes do país realizado analogias de modo a punir os adolescentes que respondem por medidas de internação.

As medidas socioeducativas, em sua essência, possuem o escopo pedagógico de reeducar aquele indivíduo, priorizando seus laços familiares e sociais para sua recuperação. A analogia in malam partem, classificada como uma analogia feita pelo judiciário para prejudicar o acusado, é vedada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, um dos princípios primordiais do Código Penal é o da legalidade: ou está na lei dizendo expressamente os casos em que irá incidir, ou não cabe no caso em tela para punir o indivíduo.

O que observamos com as decisões do Ministro Sebastião Reis Júnior foram comentários e semânticas retrógradas que ferem os direitos das crianças e adolescentes como entes de direitos adquiridos após a promulgação do ECA em 1990, nesse cenário, não podemos buscar o punitivismo de 1830 para tratar os casos que ocorrem nos anos 2000. Precisamos dissociar o Direito Penal do Direito da Criança e do Adolescente uma vez que a finalidade de ambas é o oposto da outra, portanto, não cabe traçarmos um paralelo entre o direito infracional e suas consequências com o direito criminal e suas penalizações, isso seria, nada mais, que retroagir no tempo para encarcerar adolescentes responsabilizados com a internação sob um escopo, meramente, de marginalizá-los.

Os direitos infantojuvenis tendem a evoluir cada dia mais com as alterações sociais, no entanto, o judiciário deve observar essa evolução e acompanhar suas decisões de acordo. Não podemos admitir que haja uma equiparação no conceito de "preso" para fins de tipificação de uma conduta penalmente prevista, se, no tipo penal, não houver uma expressa menção sobre o sujeito ativo daquela conduta. Equiparar adolescentes internados à presos no sistema penitenciário é negar toda a evolução histórico-social que esses indivíduos conquistaram na sociedade.

Autores

  • é graduanda em Direito pela Universidade Cândido Mendes (Ucam), ex-estagiária da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro atuante pela Vara da Infância e Juventude, estagiária na área criminal pelo escritório Tavares Advocacia e Consultoria Jurídica, auxiliar de pesquisa no projeto de doutorado da advogada Kátia Rubstein Tavares, associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e escritora de artigos no ramo do Direito Penal e Criminologia.

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