Opinião

STF x TST: quem prevalece na análise de questões trabalhistas?

Autor

  • Cristian Luis Hruschka

    é advogado e professor de Direito do Trabalho no Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi) e sócio do escritório Ruediger e Hruschka Advogados Associados.

16 de março de 2023, 15h18

Em recente palestra proferida na abertura do ano letivo da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, mais especificamente no último dia 3 de março, o respeitado processualista civil Luiz Guilherme Marinoni, professor titular de Direito Processual Civil da UFPR (Universidade Federal do Paraná), levantou um tema de grande discussão na área trabalhista, qual seja, quem é competente para dar a última palavra a respeito da interpretação da norma trabalhista segundo a Constituição, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ou o Supremo Tribunal Federal (STF)?

A questão é espinhosa, visto que o STF tem cada vez mais se manifestado sobre legislação cuja interpretação, originariamente, compete ao TST.

Como é sabido, a Suprema Corte tem a função de prezar pelo respeito e aplicação da norma constitucional, da qual é guardiã conforme regra expressa no caput do artigo 102 da Carta Magna.

A Constituição também estabelece que são órgãos da Justiça do Trabalho os Juízes do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e o TST, competindo à essa Justiça Especializada julgar ações oriundas das relações de trabalho e emprego (artigo 114, CF).

Em nosso sistema jurídico, tanto um tribunal como um juiz do Trabalho pode declarar uma lei inconstitucional, visto que permitido pela Constituição de 1988 o controle difuso da constitucionalidade, ao passo que o controle concentrado compete apenas ao STF.

Assim, diante de determinado caso, o juiz/tribunal pode deixar de aplicar uma lei, porém, essa análise está restrita à sua constitucionalidade para cada caso decidido, ou seja, a lei permanece vigente e válida no ordenamento brasileiro, sendo considerada inconstitucional apenas naquela determinada situação.

Nesse sentido, podemos dizer que compete às cortes trabalhistas a análise da aplicação da lei para cada caso colocado em discussão, valendo lembrar que na Justiça do Trabalho a matéria fática é de extrema importância, sendo aplicada a lei ao caso concreto.

A interpretação do texto legal, inclusive, ganha relevância quando a matéria é colocada em discussão perante o TST, visto que a Súmula 126 dessa Corte impede a revisão da matéria de fato, contudo, permite a análise de recurso de revista quando houver decisão com violação literal de dispositivo de lei ou afronta direta e literal à texto constitucional (artigo 896, c, CLT).

Para Marinoni há uma "zona de penumbra" [1] entre a Corte Superior Trabalhista e o STF, visto que o Judiciário não pode dar interpretação extensiva à lei sob pena de atribuir ao texto legal uma regra que não foi elaborada pelo legislador.

Dentro desse contexto, temos que o STF vem conferindo em algumas oportunidades entendimento contrário à legislação atribuído pelas cortes trabalhistas, muitas vezes desprezando o que foi analisado por longos anos para ampliar a abrangência da norma.

O jurista e magistrado trabalhista Jorge Luiz Souto Maior, em artigo muito interessante, publicado antes da reforma trabalhista, já alertava para esse fato ao dizer que:

"O curioso é que ao adotar essa preocupação de reformar decisões da Justiça do Trabalho, o STF deixa de lado seu posto de ser o guardião da Constituição, composto pelos juristas de maior renome do país, aos quais se deveriam direcionar apenas as 'grandes questões de direito' com repercussão no interesse nacional, para se tornar mera instância recursal trabalhista, afinal o Direito do Trabalho está fixado, quase todo ele, como cláusula pétrea, na Constituição Federal". [2]

Temos, portanto, que as decisões do TST passam a estar em constante insegurança, posto que há evidente possibilidade de revisão pela Corte Constitucional e pior, o STF pode estender a aplicação da lei como ocorreu, por exemplo, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 48, responsável por negar a existência de vínculo de emprego entre transportadores autônomos e empresas de carga [3].

Segundo o ministro do TST, Luiz José Dezena da Silva, que participou da palestra do professor Marinoni na aula magna, "o STF não disse apenas que a Lei 11.442/2007 era inconstitucional. Ele foi além, a partir do momento em que passou a interpretar a lei se sobrepondo ao TST" [4].

O mesmo ocorreu por ocasião da recente decisão que considerou válida a "pejotização" na área médica, que confirmou a Tese 725 junto ao STF ao estabelecer que "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".

Com efeito, depois da entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.476/17), em 11 de novembro de 2017, a Corte Constitucional passou a adotar um posicionamento mais liberal quanto às relações laborais, sendo este o grande motivo para a revolta do Judiciário Trabalhista quanto as decisões proferidas pelo STF.

Nesse sentido, temas muito caros à Justiça do Trabalho foram afetados, como a prevalência do negociado sobre o legislado e o enfraquecimento dos sindicatos, questões que afrontam os postulados existentes que sustentam uma justiça protetiva ao trabalhador e preocupada com os direitos sociais.

Resulta disso a preocupação da magistratura trabalhista com a "intromissão" do STF nas questões de sua alçada, tanto que o desembargador Grijalbo Fernades Coutinho, do TRT da 10ª Região, por ocasião do Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), realizado em 2022, relatou que "estamos em um momento único de retrocessos no Supremo". "O que vemos no Brasil hoje não fazia parte da história do STF, que sempre foi conservador no geral, mas moderado em Direito do Trabalho. Houve uma guinada liberal e conservadora." [5]

Para Marinoni, "cabe ao TST se debruçar sobre as questões interpretativas, aos precedentes". "Já o Supremo é uma corte que deve se dedicar à tutela da Constituição. Apesar de óbvio, não se percebe isso com clareza." [6]

O tema aqui proposto, porém, não pretende questionar a amplitude ou consequências das decisões do STF na esfera trabalhista, contudo, busca incitar a reflexão sobre a possibilidade de modificação da regra pacificada no TST pela Corte Suprema.


[3] O TST possui inúmeras decisões reconhecendo o vínculo empregatício do chamado transportador autônomo de carga, contudo, em razão do julgamento da ADC 48, foi reconhecida a incompetência da Justiça do Trabalho para desconstituir a validade do contrato firmado com base na Lei 11.442/07, relegando a questão para julgamento pela Justiça Comum. A decisão do STF tem efeito vinculante e erga omnes.

[4] Vide nota 1.

[6] Vide nota 1.

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