Opinião

Quebra de cadeia de custódia? Não com a cultura da tecnologia

Autores

  • Renato Opice Blum

    é advogado economista chairman e sócio fundador do Opice Blum Bruno e Vainzof Advogados Associados patrono regente do curso de pós-graduação em Direito Digital e Proteção de Dados da Ebradi e professor coordenador na Faap.

  • Bruno Henrique Cordeiro

    é advogado no Opice Blum Bruno e Vainzof Advogados especialista em Direito Digital e Proteção de Dados pós-graduado em Direito Civil pela EPD com extensão universitária em Direito do Consumidor pela FGV-SP.

16 de março de 2023, 20h33

No final do ano de 2022, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou importante precedente sobre cadeia de custódia na prova digital. O caso chegou ao STJ como recurso em Habeas Corpus no qual o paciente é suspeito de fazer parte de uma quadrilha de hackers que desviava dinheiro da conta bancária de terceiros.

A princípio, a defesa trouxe como principal argumento uma grave violação ao contraditório e ampla defesa, uma vez que o crime de furto, pelo qual o paciente é acusado, teria sido investigado a partir da constituição de prova eletrônica com manifesta quebra na cadeia de custódia. Contudo, a decisão monocrática do ministro João Otávio de Noronha observou que, por se tratar de delito informático (complexo), demandaria dilação probatória, incompatível com HC, sendo este denegado.

Assim, a defesa também apresentou agravo regimental (AgRg no RHC nº 143.169) e viu o parâmetro mudar: o voto condutor do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas entendeu pela inadmissibilidade da prova digital, haja vista que ela estaria contaminada pela quebra da cadeia de custódia durante as fases de coleta, manutenção e manuseio dos dados, no âmbito da denominada operação "open doors".

Resultado: a defesa teve seus pedidos acolhidos, os ministros da 5ª Turma parabenizaram Ribeiro Dantas pelo voto, por maioria deram parcial provimento ao agravo regimental e proveram parcialmente recurso ordinário no HC.

Após essa contextualização do caso, é importante relembrarmos que, conforme aduz o próprio artigo 158-A, caput, do Código de Processo Penal, trazido pela Lei nº 13.964/2019: "a cadeia de custódia é considerada um conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".

Ou seja: é o exato procedimento de como deve ser feita a perícia.

Trazidos como direitos fundamentais pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Constituição de 1988, o contraditório e a ampla defesa têm um enorme reflexo nos processos do ordenamento jurídico brasileiro — seja ele civil ou criminal.

Não se pode falar de processo sem tratar das provas: o instrumento imperativo que garante aquilo que se argumenta perante o poder jurisdicional.

No processo civil, a obtenção de provas é relativamente mais simples, uma vez que, em regra, há igualdade de oportunidade entre as partes. Por outro lado, no processo penal, o Ministério Público tende a possuir mais instrumentos, como relatórios, inquérito policial com diligências e considerações de um delegado de polícia, investido de poder pelo Estado, enquanto o investigado acaba por lutar contra o tempo, com menos recursos, em disparidade de armas.

A observância das autoridades policiais e o respeito à forma "como, onde e por que" as provas são colhidas é condição essencial para reforçar a validade delas. A esse propósito, os artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal elucidam que elas devem ser preservadas de forma íntegra, desde sua coleta até o descarte.

O primeiro embaraço é justamente esse. Embora o Estado tenha o dever de observar o contraditório e a ampla defesa, já que a cadeia de custódia se mostra como a única forma de garantia da fidedignidade dos vestígios de prova coletados e examinados — agora, no digital, preservados e autenticados —, ainda há coleta de provas feita de forma amadora, como por print screen de telas, sem nenhum acompanhamento.

No caso da prova digital, é necessário sempre esclarecer que usualmente suas coletas utilizam a lógica binária, sendo isso, por si só, de grande fragilidade, uma vez que há considerável possibilidade de contaminação da cadeia de custódia. Sob a ótica da teoria dos frutos da árvore envenenada, os elementos excedentes serão contaminados, logo ilícitos. Para corroborar o argumento, é só considerar como golpes de engenhosidade social têm ganhado cada vez mais complexidade.

Isso nos leva a considerar que, enquanto a cultura de cuidar ao armazenar e manusear dispositivos eletrônicos não for prioridade, as autoridades policiais ficarão suscetíveis à violação na cadeia de custódia das provas. Um exemplo simples de ajuste dessa conduta seria adotar softwares que produzam criptografia de materiais eletrônicos.

Hoje o que temos como consolidado é a tecnologia em blockchain, porque ela realiza armazenamento distribuído baseado em blocos e confere identidade digital única, através de criptografia de cada bloco, o hash, que detém a capacidade de ocultar o conteúdo original, criando para tanto uma "nova identidade" até que haja um protocolo de consenso, que assegure a confiança do livro-razão, distribuído para a rede (com ou sem autoridade central).

Não há outro caminho senão aplicar tecnologias disruptivas como forma básica de garantir a guarda, veracidade e integridade da cadeia de custódia para provas digitais, enfrentar os problemas de mau armazenamento das provas digitais e empregar tudo o que temos à disposição para que o princípio do contraditório e o da ampla defesa sejam, como as provas, preservados.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!