Direito Eleitoral

A missão internacional de observação das eleições da Estônia

Autor

  • Marcelo Ramos Peregrino Ferreira

    é doutor em Direito (UFSC) membro fundador da Abradep (Associação Brasileira de Direito Eleitoral) presidente da Caoeste (Conferência Americana de Organismos Eleitorais Subnacionais) pela Transparência Eleitoral e integrante do Iasc (Instituto dos Advogados de Santa Catarina).

13 de março de 2023, 8h00

A Estônia tem cerca de um milhão de habitantes e quase 1.000 anos de existência, estando a cerca de 40 minutos de voo de Helsinque e a 200 quilômetros da Rússia, permanecendo ancorada no mar Báltico. O país é líder no e-gov e tem as eleições mais informatizadas do mundo, daí o interesse internacional em tempos de desconfiança dos sistemas eleitorais.

O programa de observadores internacionais da Autoridade Eleitoral da Estônia contou com 75 participantes das mais diversas nacionalidades, sendo a maior parte formada por autoridades eleitorais europeias [1]. O único grupo latino-americano nesta eleição foi organizado pela Conferência Americana dos Organismos Eleitorais Subnacionais/Transparência Eleitoral América Latina (Caoeste), em delegação composta por 15 integrantes, dentre advogados, professores, cientistas políticos e desembargadores.

As eleições parlamentares se deram sob o signo do medo e do tema da invasão da Ucrânia. Ao contrário da Ucrânia, a Estônia integra e Europa e é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Paradoxalmente, sua distância da Rússia lhe assegura mais proteção. O Riigikogu (parlamento) declarou Rússia um país terrorista e a Estônia passou inclusive a apoiar com recursos a resistência ucraniana. Segundo Annika Harris, há ainda três outros temas derivados: custo da energia, a necessidade de uma transição verde e maneira de lidar com a inflação.

Nas eleições parlamentares de 2019, houve uma participação de 58% dos eleitores 565.045, sendo o voto pela internet preferido por 247.232 eleitores.

A campanha eleitoral na Estônia é a menos regulada da Europa. Não há limite para gastos por candidato ou pelo partido, nem tampouco restrição à doação para campanha, exceção de dinheiro estrangeiro. Sobre a propaganda, vale a máxima: all that money can buy, ou seja, toda propaganda que o dinheiro possa comprar, aí se incluindo propaganda em equipamentos públicos e outdoors nas ruas. A propaganda política é permitida desde o período pré-eleitoral até o dia da eleição. A Estônia também conta com um i-voting fact check contra a desinformação.

Os partidos podem submeter 125 candidatos para os 12 distritos eleitorais. Os candidatos devem ter a idade de 21 anos e não podem ser membros das Forças Armadas ou estar cumprindo pena por crime, além da suspensão de direitos políticos por decisão judicial. Em 2023, foram 969 candidatos, dez candidaturas avulsas e dez partidos políticos, para as 101 vagas do Parlamento, em um percentual de 9,6 candidato por vaga, com uma cláusula de barreira de 5%. O sistema eleitoral adota a fórmula d'Hondt com listas fechadas de candidatos.

Os partidos buscaram evocar sentimentos patrióticos e as cores da bandeira do país são ressaltadas em quase todo o material de campanha desde o Let´s Save Estonia! do partido conservador (Ekre, de Martin Helme) perpassando o Estonia in firm hands do Reformierakond, grei da primeira-ministra, Kaja Kallas, do centro direita. O resultado das eleições favoreceu a primeira-ministra com o aumento da sua bancada em três parlamentares e cerca de 31,4% dos votos e o declínio da extrema direita do Ekre (16,1%) com a perda de duas cadeiras. Também em Tallin, há promessa da judicialização da eleição pelo Ekre, em torno do voto pela internet. A prevalência evidente de um bloco conservador, com valores liberais, foi a tônica do resultado das eleições.

O grande interesse do mundo pelas eleições da Estônia é seu avançado sistema de votação pela internet. Dotado de um dos governos mais informatizados do mundo, a eleição estoniana tornou-se modelo de estudo. Vota-se por meio do voto físico em cédula ou pela internet até um dia antes do dia da eleição. E é possível votar mais de uma vez, tendo validade apenas a última manifestação de vontade.

O voto pela internet, de acordo com Mikhel Solvak da Universidade de Tartu, tem crescido 4% a cada ano e não se pode mais identificar perfil desse voto que se espalha pelos critérios de idade, renda, educação, língua e gênero. Não há uma homogeneidade na difusão desse voto, o que é interessante, porque se poderia presumir que os mais jovens adeririam mais ao voto virtual. Aliás, quando mais velho o eleitor, mais rápido o seu voto, cuja média chega a 90 segundos. Um outro dado curioso é que o eleitor pela internet vota mais que aquele optante pelo voto impresso.

Esse desafio não é pequeno. Só no ano de 2022 houve 2.672 incidentes com algum impacto no sistema de internet relacionado à eleição, desde vazamento de dados, interrupção de serviços, tentativa de fraude e inoculação de vírus na rede. Longe de afastar a existência desses problemas, advindos da alta tecnologia, a Estônia busca prevenir, detectar e mitigar esses riscos. Curiosamente, os maiores ataques cibernéticos contra o sistema estoniano, entre 2021 e 2022, deram-se quando o Riigikogu declarou a Rússia um Estado terrorista e quando um símbolo russo, um tanque na cidade de Narva e outros monumentos foram retirados das praças públicas.

O país tem chamado tanta atenção porque a grande demanda dos organismos eleitorais e dos países, em geral, é encontrar meios para garantir que as eleições sejam livres e seguras e que reflitam exatamente a vontade dos eleitores.

Nos últimos anos, os organismos eleitorais e o sistema judiciário tem sido objeto de muitos ataques por atores da política partidária no mundo inteiro. Da reforma do Judiciário de Israel aos cortes orçamentários do Instituto Nacional Eleitoral do México (INE), o rumo certo da autocratização do poder político demanda o fim dos limites do poder político impostos pelo Poder Judiciário. A manipulação da confiança das pessoas nos seus processos eleitorais tem sido o cordeiro a ser mutilado no andar das necessidades das agremiações. A força derivada das conspiratórias ideias de fraude nas eleições perpassa esse universo trumpista e alcança Brasil, El Salvador, e, com muita repercussão social, o próprio Estado do México.

Assim, em um universo tão permeado pela desconfiança estratégica de setores da política partidária, natural o máximo interesse em conhecer um sistema que faz suas eleições pela internet. E, precisamente em 2023, o voto pela internet superou o voto impresso nas eleições da Estônia. Em síntese, enquanto o mundo navega pela dúvida, nutrida pelas campanhas virtuais de desinformação, a Estônia consolida um meio virtual de transformação da soberania em poder estatal, tanto pela escolha dos ocupantes de cargos e funções, como pela definição das políticas públicas futuras, tendo como marcos a liberdade de propaganda, raríssimas inelegibilidades e confiança nas autoridades eleitorais.

 


[1] As informações desse artigo foram extraídas das preleções no seminário do 2023 Parliamentary Elections International Visitors Program da Estônia e estão disponíveis no seguinte site: https://onlineexpo.com/en/elections2023/presentations/

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