Opinião

A destruição do clima organizacional no Poder Judiciário

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1 de março de 2023, 6h06

A pandemia reinventou o Poder Judiciário brasileiro. Forçado, é verdade, generalizou tecnologia e modernizou o atendimento ao cidadão da melhor forma possível para que o serviço público essencial não parasse.

Paralela a isso, a redução de custo e adequação do orçamento público se apresentaram de forma inédita. Para se ter uma ideia, somente o TRT da 2ª Região divulgou economia de mais de R$ 30 milhões entre ano de 2019 e 2020, na adoção ao trabalho remoto. Estima-se em torno de mais de bilhão de reais anuais de economia em todos tribunais do país.

Nessa nova realidade pós-pandemia, não se nega terem ocorrido problemas pontuais, com relatos de impossibilidade de atendimento por magistrados e serventias. Mas foram excepcionais.

A grande maioria louvou a iniciativa, que passou a incluir cidadãos distantes da jurisdição pelo simples acesso no celular ou a otimizar o tempo da advocacia em seus trabalhos e prazos, excluindo os deslocamentos para outra Comarca ou, no caso de grandes capitais, a perda de tempo no trânsito e na sala de espera das audiências.

Ainda como exemplo, o TRT da 2ª Região alcançou altos índices de produtividade durante o período de trabalho remoto, algo nunca visto anteriormente. O mesmo ocorreu no resto do país. Com efeito, o deslocamento em uma megalópole, a interação pessoal em secretaria e as preocupações normais do dia a dia fora trabalho, consomem precioso tempo de trabalho e de energia, além de dinheiro público. Os números de todos os Tribunais do país não mentem!

Diante desse maravilhoso resultado da modernização, da inclusão e otimização da vida de todas as pessoas, como tratar os problemas pontuais e as falhas que estavam ocorrendo nesse serviço público?

A resposta era simples: apurando-se os erros ou abusos, identificando-se os locais e pessoas que não estavam cumprindo seus deveres a contento, fiscalizando os resultados e, até mesmo, responsabilizando a quem de direito. Afinal, diante dessas inúmeras possibilidades de prestação do serviço público ao cidadão e à advocacia, com redução de custos e aumento de produtividade, não havia motivo de retroceder.

Mas como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) resolveu solucionar os problemas excepcionais? Fizeram a "coletânea dos piores horrores" para justificarem a destruição de um sistema de trabalho que estava dando certo para a grande maioria das pessoas e promoveram algo entendido como uma violação à atividade privativa do Supremo Tribunal Federal e do regime jurídico da magistratura afeto à Lei Complementar, estabeleceram frequência presencial obrigatória à magistratura.

A Resolução nº 481, de 22/11/2022, fez tudo que uma norma não pode fazer: tratou a exceção como regra. Legisla sobre processo ao definir quais audiências podem ser telepresenciais e impôs um tratamento da 5ª série à magistratura, ao determinar onde (o local mesmo!) o juiz deve estar em uma audiência virtual.

Para completar o cenário, o Conselho Nacional de Justiça também definiu, em julgamento colegiado, que o juiz deve ir ao fórum três dias da semana (em que pese não existir qualquer obrigatoriedade do gênero na Loman  LC 35/79).

A opção foi péssima, porque os cofres públicos voltarão a sangrar pelo alto custo do poder judiciário, diárias e deslocamento, bem como a produtividade perderá seus resultados impressionantes.

Talvez, popular prédios do Poder Judiciário, sob o argumento de que "os juízes não querem retornar ao trabalho presencial" seja uma forma de justificar o orçamento monstruoso, principalmente, dos Tribunais Superiores (com seus carros, assessores, copeiras, motoristas, lanches, entre outros, tudo pagos pela Administração Pública).

Uma coisa é certa: o cidadão quer seu processo resolvido mais rapidamente e com o menor incômodo. Ele não quer saber quem é e nem estar à frente do(a) juiz(a) presencialmente.

Para completar o cenário, vive-se a maior destruição do clima organizacional no Poder Judiciário brasileiro que se tem notícias.

A invasão na organização do trabalho do magistrado (fixação da modalidade da audiência, imposição de frequência), por meio ato administrativo, sem semelhante previsão na Loman, causa indignação na magistratura, que se movimenta para a contenção do dano, porque sentiu-se tratada como uma criança de 5ª série, ao ser retirada a independência de gestão necessária às peculiaridades locais de um país-continente.

O sentimento preponderante é de humilhação,  de desprezo e de tristeza. Pioraram o que sequer existia antes da pandemia.

De novo: não se pretende encobrir eventuais abusos causados em situações pontuais, mas impedir a destruição de um sistema que funciona na imensa maioria das situações.

Para concretizar os atos administrativos mencionados, nunca se viu tamanho empenho na Justiça do Trabalho. Diversos atos administrativos nacionais e regionais regulando a matéria e impondo procedimentos naquilo em que a lei não obriga; criou-se até um grupo de trabalho para fiscalizar o cumprimento desses atos.

De outra forma, nunca se viu tamanho empenho dos mesmos órgãos para a correta distribuição de recursos e pessoal para o 1º grau, para a limitação de convocações de juízes ao 2º grau, na forma da Resolução 219, de 26/04/2016 do CNJ; nem para utilização racional e compartilhada de carros oficiais segundo o interesse público, prevista na Resolução 83, de 10/06/2009, do CNJ, entre outros temas.

Dentro da magistratura, como afirmado, tal postura causou os mais diversos sentimentos: raiva, vergonha, indignação, náuseas, entre outros. No final, o que se pode dizer, é que destruíram qualquer clima organizacional sadio no Poder Judiciário.

O Conselho Nacional de Justiça, que outrora foi redentor aos abusos locais ocorridos em Tribunais, foi legitimado pelo Supremo Tribunal Federal a emitir normas de caráter primário (ADC 12) ao cuidar do nepotismo, mas se transformou em  um poder sem precedentes no país: fixam a paternidade e maternidade por ato administrativo (socioafetiva e por meios artificiais), sem lei que o faça; impedem a liberdade de expressão da magistratura por vontade do intérprete, em desvirtuamento do termo político-partidária constante da Constituição; e, agora, legisla sobre direito processual, determinando as modalidades de audiência e invade a independência funcional da magistratura, a qual conhece as peculiaridades locais e regionais melhor do que quem está somente em Brasília.

O Poder Judiciário está  apto para a noção moderna de serviço público: aquele que atende os cidadãos e seus representantes por todos os canais possíveis e da melhor forma possível, estejamos todos onde estivermos.

Dessa forma, espero que a magistratura e os servidores a não entrem nessa guerra da 5ª série e que permaneçam utilizando a tecnologia e meios capazes de melhor prestar o serviço público, com o menor custo e maior produtividade, para a maior autoridade desse país: os cidadãos brasileiros.

Como já se ouviu de colega: "o Poder Judiciário é um serviço, não um prédio!".

Respeitem a vontade do cidadão, que precisa ser ouvido! Respeito à magistratura!

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