A "revista vexatória", o Tema 998 no STF e a Resolução nº 28 do CNPCP
31 de maio de 2023, 18h25
O tema da "revista vexatória" voltou a ganhar a necessária atenção após o pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes no julgamento do ARE 959.620 com Repercussão Geral (Tema 998), que agora será julgado no plenário físico do STF (Supremo Tribunal Federal).
Até então se tinha o voto do ministro Edson Fachin — acompanhado pelos (as) ministros (as) Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia — que propunha fixar a seguinte tese: "É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos".
Havia também o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes — acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça — propondo a seguinte tese de repercussão geral: "A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita".
Após — e somente após — o reconhecimento da Repercussão Geral do Tema 998 pelo STF, e também após os votos proferidos pelos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, sobreveio em 06/10/2022 a Resolução nº 28 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), estabelecendo "diretrizes para a realização de revista pessoal em estabelecimentos prisionais e veda a utilização de práticas vexatórias para o controle de ingresso aos locais de privação de liberdade; revoga a Resolução nº 5, de 28 de agosto de 2014; e dá outras providências".
Referida Resolução repete a vedação contida na revogada Resolução nº 5, quanto à vedação da "revista vexatória" — proibição essa nunca observada no cotidiano das unidades prisionais — e nesta linha se coloca em consonância o voto apresentado ministro Edson Fachin, pois proíbe o desnudamento, toque ou introdução de objetos nas cavidades corporais, uso de cães ou animais farejadores, agachamento ou salto. Noutro giro se alinha em maior medida com o voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, ao estabelecer que, excepcionalmente, a revista íntima poderá ser realizada. A resolução se refere à hipótese de "fundada suspeita", ao passo que o voto do ministro Alexandre de Moraes se referia à necessidade de "devida motivação".
Pois bem, este é o ponto em que a resolução restou omissa e, acaso reste vencido o entendimento exarado no coto no ministro Edson Fachin quando for julgado o Tema 998 no plenário físico, deverá o STF se atentar com o fim de efetivamente banir esse "estupro institucionalizado" que é a revista vexatória e preservar, na maior medida possível, o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção constitucional ao direito à intimidade, honra e imagem: é necessário que se exija documentação formal acerca da "fundada suspeita" que, por óbvio, deve existir ex ante a revista; é necessário que se exija registro concreto da "devida motivação" acerca da necessidade de se realizar a revista íntima.
Importante tomar como referência a orientação que vem sendo firmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) acerca dos artigos 240 e 244 do CPP — em verdadeiro acerto de contas do processo penal brasileiro com a sua história — exigindo que se justifique previamente à medida a existência de situação fática concreta que enseje a revista íntima. E mais, que tal justificativa seja registrada, formalizada, documentada através de um sistema (seja via Seeu, ou Reds, ou PJE, etc.) que permita a fiscalidade do ato pelos órgãos da Execução Penal e não fique sob controle exclusivo da unidade prisional.
Isto é fundamental para acabar com a discricionariedade desmedida e, principalmente, com os abusos no emprego da revista íntima, sem se olvidar da necessária discussão acerca da inserção na Lei de Abuso de Autoridade de um tipo penal para a submissão abusiva de visitantes a "revistas vexatórias".
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