Desenvolvimento regional, o fazendeiro irlandês e o petróleo na Margem Equatorial
28 de maio de 2023, 6h30
Na tentativa de expor a lógica particular da economia dos recursos naturais não renováveis, como o petróleo, o gás natural e os minérios, o economista Rögnvaldur Hanesson, nascido na Islândia, formado na Suécia e com carreira acadêmica na Noruega, realizou uma ilustração analítica a partir da "fábula do fazendeiro irlandês", que se refere a um sujeito humilde e de parcos recursos que, certo dia, descobriu que sua propriedade tinha uma grande reserva de turfa, material de origem vegetal com bastante valor agregado à época por seu uso como combustível.
Preocupado com a sustentabilidade da exploração, acreditando ser aquela reserva de turfa garantidora da riqueza de sua família por várias gerações, o fazendeiro dividiu a propriedade para que a extração fosse realizada de forma gradual, sem esgotamento súbito por uma geração que impedisse as subsequentes de usufruir da renda.
Essa tradição teria sido mantida por seus sucessores, que, mesmo com as restrições na exploração, viviam de modo consideravelmente confortável, até que um dia a turfa simplesmente parou de ser extraída, não pelo seu esgotamento, e sim porque sua utilização como combustível havia sido substituída no mercado por alternativas melhores.
Ou seja, a antiga reserva de riqueza representada pela turfa continuou sendo uma "reserva", porque o recurso não foi esgotado, mas deixou de ser "riqueza", pois perdeu seu conteúdo econômico por não ter sido explorada no momento mais adequado, quando poderia ser convertida em dinheiro para investimento em fontes alternativas de receita ou, no mínimo, em bens que gerassem benefícios intergeracionais diversos.
Apesar de singela, essa "fábula" é, de fato, bastante ilustrativa das especiais circunstâncias a serem consideradas na exploração de recursos naturais esgotáveis, cuja otimização operacional depende não apenas da utilização gradual das reservas para garantir longevidade, mas principalmente da identificação do melhor momento de extração, quando o material tem boa demanda no mercado, com a diferença de que, se na fábula a exploração geraria benefícios apenas à família do fazendeiro, na regulação real atual, a extração desses recursos gera reflexos sociais pelos royalties.
Essa questão é mais um fator a ser considerado no debate envolvendo a possível exploração de petróleo e gás pela Petrobras na Margem Equatorial brasileira, região costeira que se estende por mais de 2.200 quilômetros, indo do Amapá até o Rio Grande do Norte, sobretudo por ser um dos blocos (FZA-M59) situado a 160 quilômetros do ponto mais próximo da costa, no Amapá, e a cerca de 500km da Foz do Rio Amazonas.
Embora a discussão não seja nova, vez que, antes de transferirem à Petrobras os direitos sobre blocos na bacia da Foz do Amazonas, a francesa TotalEnergies e a inglesa BP já tinham sem sucesso tentado operar na região, o assunto voltou à pauta pela recente negativa do Ibama em licenciar a realização de testes para confirmação da viabilidade da operação no Bloco FZA-M59, sob o argumento de que os estudos apresentados pela Petrobras seriam insuficientes para assegurar a viabilidade ambiental do empreendimento.
Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), as reservas de petróleo na Margem Equatorial são estimadas em cerca de 30 bilhões de barris, com 25% de fator de recuperação, o que elevaria a produção brasileira em 1,106 milhão de barris por dia (bpd) a partir de 2029.
Apesar de ser difícil antecipar o valor da participação em royalties dos estados e municípios brasileiros pela exploração da Margem Equatorial, servem como parâmetro, internamente, o Estado do Rio de Janeiro e os municípios fluminenses, que, em 2022, arrecadaram quase R$ 50 bilhões entre royalties e participações especiais, bem como, internacionalmente, a Guiana, que já extrai petróleo em seu trecho da Margem Equatorial e cujo PIB teve crescimento na ordem de 50% também em 2022.
Portanto, se confirmado o potencial exploratório da Margem Equatorial brasileira, a repercussão econômica será bilionária e pode ser transformadora da realidade de uma região historicamente paupérrima, a exemplo de municípios da Ilha do Marajó que há muito concentram alguns dos piores IDH do Brasil.
Ocorre que, se, de um lado, o potencial econômico é considerável, de outro, essa exploração tem levantado cautelas socioambientais diversas, o que, há de se convir, é compreensível, dado que se trata de uma atividade de risco que, naturalmente, deve ser controlada e licenciada para uma operação regular e segura.
É impossível avaliar neste curto texto todos esses anseios. Aliás, nem mesmo se conseguiria particularmente esgotar essa análise pela alta demanda técnica multidisciplinar para descrição das preocupações e dos riscos, bem como das explicações e das soluções possíveis, mas vale pontuar algumas.
Um primeiro elemento contestado é de que se trataria de exploração de petróleo na Amazônia. Para ser preciso, a extração é feita offshore, e não no continente, sendo que o bloco mais próximo da foz do rio Amazonas se situa a mais de 500km.
O cuidado principal, então, deve ser com a proteção oceânica, com a costa brasileira, com fauna e flora circundantes e com as comunidades próximas, sobretudo contra o risco de vazamentos, pelo que, fora um plano operacional que indique as medidas preventivas, é necessário um plano de contingenciamento a ser aplicado em caso de acidentes, que, por mais que sejam remotos na atividade, são possíveis e, por precaução, demanda antecipado planejamento e segurança, pois o potencial lesivo é considerável.
Tem sido arguido também que a região amazônica pode se desenvolver a partir de atividades alternativas, como serviços ecossistêmicos, associados a uma chamada "economia verde". Isso é verdadeiro e consideravelmente importante, mas, por ser desenvolvida na plataforma continental, fato é que é plenamente possível realizar a extração de petróleo sem que isso impeça ou mesmo afete a realização de serviços ambientais no continente.
Não é preciso escolher uma matriz econômica, é possível — e recomendável — ter as duas, além de diversas outras atividades também desenvolvidas na região, como o agronegócio, a atividade madeireira, a mineração, a geração de energia e a logística.
Na mesma linha, contesta-se a opção em ampliar a extração petrolífera em detrimento do investimento na mudança de matriz energética, em priorizar combustível fóssil em um mundo que cada vez mais clama pelo uso de fontes de energia alternativas.
Acontece que, também nesse particular, apesar de ser uma meta necessária, essa alteração da matriz é uma medida de transição que ainda levará muitos anos para ser implementada. Não só o Brasil, como o mundo, ainda é muito dependente do petróleo, demanda que não se resolve de imediato por voluntarismo, mas progressivamente com planejamento e adaptação graduais. Logo, os países naturalmente agraciados com esse recurso natural ainda têm — como continuarão a ter por alguns anos — riqueza e força para se posicionar internacionalmente, o que não pode ser desconsiderado.
E é nesse ponto que se resgata a fábula do fazendeiro para a associar com a exploração da Margem Equatorial brasileira: é possível, sim, que, em alguns anos, o petróleo perca valor, mas, hoje, ele ainda é muito demandado no mercado e prescindir da exploração de suas reservas é, por consequência, renunciar à riqueza que delas pode ser gerada, não apenas para as companhias, mas para o Estado brasileiro e para a sociedade.
É evidente que não se pode fazer essa exploração a qualquer custo. Aliás, o direito ambiental existe justamente para o estabelecimento dos parâmetros de controle que sirvam para minimizar os riscos na viabilização das atividades econômicos antes de sua liberação. Essa é a sua essência: a prevenção, a análise antecipada, e não as ferramentas repressivas. O direito ambiental não é um direito de negativa, e sim de compatibilização.
Logo, se o Ibama negou tecnicamente a licença para pesquisa por entender que os estudos da Petrobras demandavam esclarecimentos e complementações, então isso deve ser efetivado para justificar a submissão de um novo pedido ou a reconsideração do anterior negado, o que é juridicamente admissível e já foi até mesmo indicado como possível pela Presidência do Ibama, que ratificou a negativa, mas reconheceu que novos elementos podem ensejar uma nova avaliação, a fim de em definitivo decidir pela viabilidade ambiental ou não do projeto.
Mas que a análise seja breve. Não podem o Amapá, o Pará, o Maranhão, o Piauí, o Ceará e o Rio Grande do Norte e, por consequência, seu povo, continuar a ser relegados à sua histórica miséria sem que sequer tenham a chance de usufruir da chance de desenvolvimento que essa atividade pode lhes proporcionar, postergando as avaliações até que os investidores desistam ou que o mercado mundial se desinteresse.
Aliás, esse embarreiramento — muitas vezes por razões burocráticas — de projetos é uma lamentável e persistente realidade no Brasil em geral, mas também no Estado do Pará em especial, onde, sob o discurso da cautela e da defesa do meio ambiente e dos povos tradicionais, que na essência é justo, mas é muitas vezes usado apenas para frear o avanço de atividades econômicas em nome de um entesouramento impossível e ultrapassado, impede-se o desenvolvimento de sua infraestrutura, de sua logística, de seu potencial energético e de sua vocação minerária, às vezes à revelia das próprias comunidades próximas dos projetos, que os aceitam e aguardam na esperança de uma vida melhor, mas que acabam silenciadas por aqueles que dizem lhes proteger.
Contestam-se indefinidamente projetos que, licenciados e controlados, gerariam arrecadação e emprego, ao passo que, por exemplo, a exploração clandestina da floresta e o garimpo ilegal, essencialmente irregulares, mais difíceis de controlar e, certamente, sem qualquer preocupação com governança socioambiental, avançam cada vez mais. Sob o pretexto de pretensamente proteger, acaba-se por relegar a região à clandestinidade, ao atraso, aos conflitos sociais e à destruição ambiental.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado e a proteção social são preocupações muito relevantes e parte indispensável da equação do desenvolvimento sustentável, mas a precaução necessária no controle preventivo de projetos não pode servir à inércia. É plenamente possível compatibilizar esses interesses com a realização de atividades econômicas, dos pequenos aos grandes projetos, sendo essa, aliás, repisa-se, a essência do direito ambiental, a ação preventiva para harmonização desses interesses, de modo a gerar benefícios sociais, econômicos e ambientais.
Na questão socioambiental, a relação do Estado com empreendedor não deve ser de negação, de vilanização maniqueísta, mas sim de perfil colaborativo na identificação de soluções técnicas que viabilizem os projetos. Melhor uma exploração licenciada e regular do que o avanço da clandestinidade. Melhor a transformação do petróleo (assim como dos minérios) em royalties que sejam revertidos para a sociedade do que um entesouramento que continue a condenar os estados e municípios da Margem Equatorial a, em um paradoxo, continuar a ser naturalmente ricos, mas socialmente miseráveis.
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