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STJ vem aplicando critérios objetivos para julgar casos de Propriedade Intelectual

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27 de maio de 2023, 9h49

O Superior Tribunal de Justiça vem consolidando uma tendência em parametrizar casos da área de Propriedade Intelectual. Desde o último ano, a Corte tem se preocupado em adotar critérios, requisitos e métodos de julgamento mais objetivos quanto a esse ramo do Direito.

Carlos Felippe/STJ
Especialistas em Propriedade Intelectual destacam julgados do STJ em 2022Carlos Felippe/STJ

De acordo com o advogado Rodrigo de Assis Torres, sócio de contencioso do escritório Dannemann Siemsen — referência em Propriedade Intelectual no Brasil —, tal inclinação do STJ traz uma maior segurança às decisões que serão proferidas em casos semelhantes nas instâncias inferiores.

"Eu diria que a intenção é criar métodos mais transparentes, objetivos e seguros de julgar dentro da meta do tribunal, que é garantir estabilização da aplicação das leis e dos julgados", diz ele.

Tais métodos não estão previstos expressamente em lei, mas se baseiam em toda a legislação específica de Propriedade Intelectual e em "todo o arcabouço principiológico" do país.

O cenário é confirmado por Paulo Armando, sócio do Daniel Advogados, outra banca especializada no ramo: "De fato, há um ânimo do STJ em buscar critérios mais objetivos e específicos para resolver ações envolvendo Propriedade Intelectual".

Torres explica que, no Brasil, faltam métodos de julgamento. Enquanto isso, na área de Propriedade Intelectual, cada controvérsia ganha contornos diferentes. Assim, as decisões judiciais muitas vezes ficam presas às particularidades de cada caso concreto.

A adoção de certas práticas e técnicas auxiliam e norteiam os magistrados, especialmente em casos sofisticados, pois trazem bases mais objetivas sobre caminhos a serem seguidos de forma geral em determinados contextos.

Com isso, os julgadores, atentos às definições do STJ, têm uma maior segurança sobre como fundamentar suas decisões. Já as partes também ganham segurança nas suas expectativas quanto às decisões judiciais e conseguem até mesmo avaliar em quais situações devem evitar a judicialização de alguma questão de Propriedade Intelectual.

Teste 360º
Dentro dessa tendência do STJ, algumas decisões recentes foram paradigmáticas. A principal delas, proferida pela 3ª Turma, consolidou o teste 360º para verificação de colidência (semelhança) entre marcas.

O teste 360º foi concebido a partir de um estudo acadêmico, feito em 2014 por dois sócios do Dannemann Siemsen: Filipe Fonteles Cabral e Marcelo Mazzola. Ele propõe a sistematização de alguns critérios objetivos a serem avaliados para a resolução de uma disputa entre marcas.

Dentre os parâmetros da metodologia estão o grau de semelhança e distintividade entre as marcas, a fama do suposto infrator, a espécie dos produtos, a especialização do público-alvo, o tempo de convivência das marcas no mercado e a diluição — ou seja, a perda gradual da força distintiva da marca a partir do uso de sinais semelhantes por terceiros.

Paula Carrubba/Anuário da Justiça
Ministro Moura Ribeiro usou teste 360º para verificar colidência entre marcasPaula Carrubba/Anuário da Justiça

Baseada nesses critérios, a 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro, não constatou concorrência desleal entre marcas que adotaram as mesmas tendências no trade dress (conjunto de elementos que identificam uma marca) de seus produtos desde a década de 1970, sem desvio de clientela ou confusão entre os consumidores.

Segundo Torres, este é um dos primeiros casos de Propriedade Intelectual em que o STJ passa a mensagem de ter um método de julgamento para a situação em debate. Até então, a avaliação era subjetiva e dependia do caso concreto.

A advogada Patricia Porto, coordenadora acadêmica do Instituto Dannemann Siemsen (braço acadêmico do escritório), explica que os princípios e conceitos aplicados geralmente eram muito difusos. De acordo com ela, o Brasil não tinha uma tradição histórica de promover uma análise tão objetiva no caso de marcas.

"O teste 360º reuniu os requisitos principais a serem analisados e trouxe uma assertividade para a análise", assinala. "Não é o único teste, mas é um dos mais completos".

Para Torres, o teste é importante porque ajuda o magistrado a "sair do subjetivo". Há situações em que o juiz já conhece a marca em análise e sabe distingui-la de outra, mas o mesmo não vale para o consumidor em geral. "Às vezes, sem um método, o julgador não consegue olhar situações de colidência de uma forma totalmente independente", ressalta.

Embora os critérios não estejam previstos na legislação, Torres indica que o teste 360º "pode facilmente decorrer da nossa lei", pois leva em conta princípios constitucionais e "todo o espírito de proteção da Propriedade Industrial".

Por exemplo, o requisito da originalidade (distintividade) é um aspecto presente em normas como a Lei de Direitos Autorais e a Lei da Propriedade Industrial. Já o critério do tempo de convivência entre as marcas parte da boa-fé objetiva — uma "cláusula geral do nosso ordenamento jurídico-constitucional". Se a situação perdura por cerca de 50 anos, como no caso concreto analisado pelo STJ, o Judiciário pode constatar violação a esse princípio.

Desde seu uso pela 3ª Turma, o teste 360º "pegou": passou a ser "naturalmente incorporado pelos julgadores" e já foi aplicado em decisões de instâncias inferiores, até mesmo em casos que não são do Dannemann Siemsen.

Mais parâmetros
Armando destaca outro acórdão recente, anterior ao do teste 360º, no qual a 3ª Turma do STJ usou critérios diferentes, mas ainda objetivos, para verificar violação de trade dress, em um caso envolvendo peças de vestuário íntimo feminino. Na ocasião, a relatora, ministra Nancy Andrighi, resgatou fundamentos de um precedente de 2017 (REsp 1.677.787).

Dentre os pressupostos apresentados pela magistrada para a análise está a funcionalidade. Segundo ela, as características gráficas e visuais de um produto ou de uma embalagem "não podem guardar relação com exigências inerentes à técnica ou à funcionalidade precípua do produto" — ou seja, não podem ter outra função ou propósito que não seja especificamente a sua diferenciação no mercado.

Um elemento também imprescindível para que o titular possa contestar o trade dress de outra marca é a possibilidade de confusão ou de associação indevida entre os produtos. Por fim, para a proteção da marca contra outra, é preciso levar em conta sua distintividade frente aos concorrentes (ou seja, sua originalidade, critério também usado no teste 360º, mais tarde adotado pelo colegiado).

Reprodução/TV
STJ analisou paródia do cantor Roberto Carlos feita pelo deputado Tiririca (PL-SP)Reprodução/TV

Paródias
Também no último ano, a 2ª Seção do STJ propôs condições objetivas para o reconhecimento da licitude de paródias. No acórdão, o colegiado considerou que a finalidade político-eleitoral é irrelevante para a caracterização de uma paródia lícita.

Conforme o voto vencedor, proferido pelo ministro Luis Felipe Salomão, o uso de paródia musical em uma propaganda eleitoral não depende de autorização prévia do autor da obra original, desde que cumpra alguns requisitos. A paródia precisa, por exemplo, de um certo grau de criatividade — ou seja, não pode ser uma verdadeira reprodução da obra original.

A paródia em propaganda eleitoral também não pode ter um "efeito desabonador" da música original — ou seja, não pode depreciá-la. Também é exigido o respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros.

Para Patricia, dentre os requisitos elencados pela Corte, o principal é a ausência de intuito comercial. Ela indica que é necessária a prévia autorização do autor da obra original se houver um "uso precípuo comercial, principalmente publicitário". Este critério foi acrescentado posteriormente à decisão, a partir de um voto-vista do ministro Raul Araújo.

A Lei de Direitos Autorais já prevê o uso livre de paródias "que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito". Mas Patricia explica que ainda havia "uma divergência quanto ao uso político-eleitoral", agora uniformizada pelo STJ a partir de critérios mais específicos.

Repetitivos
O uso de métodos de julgamento para Propriedade Intelectual ainda é incidental. Os colegiados do STJ vêm adotando tais testes como referência, mas a parametrização não é oficial, nem obrigatória para as instâncias inferiores.

Uma definição vinculante só poderia ocorrer por meio de recursos repetitivos. Mas Torres explica que isso exige uma recorrência muito grande dos assuntos, o que não costuma ocorrer com casos de Propriedade Intelectual, pois nem tantos recursos do ramo sobem para o STJ.

Mesmo assim, os precedentes citados não deixam de representar, na visão do advogado, "uma boa parametrização". A partir do momento em que o STJ aplica um método de julgamento, a tendência é que os juízes e desembargadores sigam o mesmo caminho. Atualmente, o Dannemann Siemsen já se baseia em tais métodos e testes para orientar seus clientes e nortear os casos.

"A concretização dessa tendência e ânimo do STJ certamente contribuirá para uniformizar a jurisprudência, ou seja, as posições vinculantes da Corte Especial, tornando-a, assim, estável, íntegra e coerente, como é vontade do legislador", conclui Armando.

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