Prática Trabalhista

Aplicabilidade do piso salarial da enfermagem nos setores público e privado

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

25 de maio de 2023, 8h00

Comemora-se mundialmente na data de 12 de maio o Dia da Enfermagem e o Dia do Enfermeiro. No Brasil, o Decreto nº 2.956, de 10 de agosto de 1938 [1], instituiu o Dia do Enfermeiro, sendo que entre os dias 12 e 20 de maio comemora-se a Semana da Enfermagem [2]. E justamente nesta semana comemorativa o Supremo Tribunal Federal (STF) debruçou-se sobre a polêmica envolvendo a temática do piso salarial nacional de enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteira.

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Segundo os dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, analisados entre 2012 e 2021, houve um aumento nos casos de acidentes de trabalho na enfermagem [3]. Aliás, a categoria se encontra no topo da lista das profissões mais vulneráveis a acidentes de trabalho [4].

De acordo com uma impactante pesquisa, no período da pandemia até 2021, cerca de 4.500 profissionais de saúde morreram no país, sendo que 70% desses mortos eram técnicos e auxiliares de enfermagem, ao passo que 24% eram enfermeiros [5]. Já no ano de 2022, o Brasil registrou 612.900 notificações de acidentes de trabalho, sendo o maior índice no atendimento hospitalar, tendo como maiores acidentados os técnicos de enfermagem [6].

Frise-se, oportunamente, que a luta da categoria pela valorização profissional é histórica, de modo que, indubitavelmente, existe uma precarização das relações de trabalho. À vista disso, não é raro nos depararmos com profissionais desta área que enfrentam uma dupla jornada ou longas horas de trabalho para obter melhores remunerações.

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Por certo, a matéria continuará sendo objeto de inúmeros questionamentos e controvérsias, de sorte que nos últimos dias ganhou destaque no cenário nacional, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur[7], razão pela qual agradecemos o contato.

Do ponto de vista normativa, a Lei nº 14.434, de 4 de agosto de 2022 [8], que alterou a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, instituiu o piso nacional dos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e da parteira. Após a promulgação da referida lei, a Confederação Nacional de Saúde propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.222 questionando a matéria, por entender que tal regulamentação não foi objeto de um necessário debate com as entidades ligadas à saúde, e, ainda, que a competência para o aumento da remuneração seria privativa do chefe do Poder Executivo [9].

Quando do ajuizamento da ADI 7.222, o relator, ministro Luiz Roberto Barroso, referendou a medida cautelar, com vistas a suspender os efeitos da Lei 14.434/2022 até que fossem esclarecidos os seguintes impactos sobre: (1) a situação financeira de estados e municípios, em razão dos riscos para a sua solvabilidade; (2) a empregabilidade, tendo em vista as alegações plausíveis de demissões em massa; e (3) a qualidade dos serviços de saúde, pelo suscitado risco de fechamento de leitos e da redução nos quadros de enfermeiros e técnicos [10].

Dito isso, vale lembrar que o assunto sempre foi alvo de discussões e controvérsias, conforme nos ensina o professor José Maurício Conti [11]:

"Há bastante tempo a controvérsia sobre os limites da atuação dos Poderes tem estado em debate, especialmente em razão de decisões judiciais que tem interferido em atos e decisões de outros Poderes, notadamente o Poder Executivo.

(…). O caso mais recente e que mais chamou a atenção refere-se à discussão sobre o 'piso da enfermagem', em que a questão controvertida se deu em torno da Lei 14.434/2022, que instituiu o piso salarial nacional do enfermeiro e outros profissionais da área, respaldada na Emenda Constitucional 124/2022.

As normas tiveram sua constitucionalidade submetida a julgamento na ADI 7.222, ainda em curso, tendo sido concedida a liminar pelo ministro Luís Roberto Barroso, referendada por maioria de votos.

A Lei 14.434, de 4.8.2022, fixou o piso salarial nacional de categorias profissionais na área da enfermagem, aplicáveis desde logo aos contratados pelo regime da CLT e pelo regime dos servidores públicos, cumprindo determinação do art. 198, §§ 12 e 13 da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 124, de 14.7.2022.

A imposição de despesa em caráter imediato ao setor privado e às pessoas jurídicas de direito público gera efetivamente dificuldades em relação ao seu cumprimento, uma vez que os orçamentos das administrações públicas já estão aprovados e em plena execução. Para o setor privado que mantém contratos com o setor público, o que é bastante frequente na área da saúde, impõe uma despesa extra imprevista e altera o equilíbrio econômico-financeiro do contrato celebrado, o que pode vir a impactar também no setor público, em razão de eventual e possível revisão".

Nesse sentido, quando do julgamento da ADI 7.222 [12], em decisão monocrática, o ministro Luís Roberto Barroso restabeleceu o piso salarial nacional instituído pela Lei 14.434/22, porém com ressalvas. Aliás, a decisão, por sua importância, foi encaminhada a referendo ao Plenário Virtual do STF, de modo que, até o momento, a Suprema Corte ainda não havia se pronunciado.

Sob esta perspectiva, o relator destacou que, para o setor público, os valores deveriam ser pagos por estados, municípios e autarquias nos limites dos recursos repassados pela União, em observância aos termos da Portaria nº 597 do Ministério da Saúde [13]. Eis os termos do seu artigo 1º: "Esta Portaria trata dos critérios, parâmetros e distribuição para a assistência financeira complementar da União destinada ao cumprimento dos pisos salariais nacionais de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras no exercício de 2023".

De um lado, para os servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, o comando decisório determinou que deve ser implementado o piso salarial nacional, nos termos da Lei nº 14.434/22 e da Portaria nº 597 do Ministério da Saúde.

Lado outro, igual procedimento ocorrerá em relação aos servidores públicos dos estados, Distrito Federal, municípios e de suas autarquias e fundações, bem como aos profissionais contratados por entidades privadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS [14], sendo que a implementação da diferença resultante do piso salarial nacional deve se dar em toda a extensão coberta pelos recursos provenientes da assistência financeira da União.

Noutro giro, em se tratando de profissionais da iniciativa privada, o piso salarial nacional passará a viger a partir de 1º/7/2023, salvo no caso de negociação coletiva em que seja convencionado de forma diferente.

Nesse desiderato, ao determinar a aplicabilidade do piso salarial nacional, como regra, para os profissionais celetistas, o relator destacou que "o diferimento dos efeitos da lei em relação ao setor privado se destina a garantir o tempo para a adoção das ações e acordos necessários para que a medida cautelar deferida nestes autos cumpra integralmente o seu propósito, de evitar uma crise no setor de saúde, com repercussão indesejada sobre a manutenção de postos de trabalho e a qualidade do atendimento de saúde de toda a população".

Não há dúvidas das dificuldades enfrentadas por esses profissionais da área da saúde que, além das situações precárias e de desvalorização, ainda permanecem expostos desgastes físicos e emocionais ao extremo.

Em arremate, é forçoso lembrar que a ausência de um piso salarial respeitável aos profissionais da saúde não só afronta diretamente os seus direitos fundamentais, como também compromete a segurança de todos os pacientes em razão das longas e exaustivas jornadas de trabalho. Por isso, é imprescindível que este assunto seja analisado com cautela, a fim de garantir a tais profissionais um ambiente laboral seguro e saudável, assim como piso salarial justo e digno, sem, contudo, inviabilizar o próprio funcionamento das entidades ligadas à prestação de serviços de saúde em nosso país.

 


[7] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

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  • Brave

    é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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