Opinião

O que é o "risco free rider" e como enfrentá-lo

Autor

  • Luciana Grillo

    é auditora fiscal da Receita Estadual de São Paulo e apoio técnico do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp).

22 de maio de 2023, 6h32

A necessidade de uma reforma tributária estruturante é uma demanda brasileira histórica. O atual sistema de tributação sobre o consumo, além de disfuncional e anacrônico, penaliza abusivamente a indústria nacional, fomentando a litigiosidade, comprometendo o ambiente de negócios, influindo em decisões sobre investimentos, e onerando custos de cumprimento de obrigações fiscais.

Ainda assim, a aprovação de um modelo consensual revela-se um desafio permanente, haja vista as especulações setoriais, econômicas e políticas que permeiam o debate, sempre repleto de elucubrações sobre potenciais prejuízos. Muitas ilações mostram-se distorcidas da realidade e é preciso enfrentá-las, para que a cognição debele o medo e o processo de amadurecimento possa sempre avançar.

A tradução literal de free rider é "caroneiro", ou seja, aquele que não se move por esforço próprio, mas mediante recursos de terceiros. O aluno que se gradua colando da prova dos colegas é um free rider; o ciclista que se agarra ao para-choques de um caminhão é um free rider.

Mas por que esse termo tem sido abordado no âmbito das discussões sobre a aprovação da reforma tributária sobre o consumo no Brasil? Bem, a explicação para isso está justamente no equilíbrio de forças políticas que buscam um cenário favorável à tramitação das propostas de emendas constitucionais no Congresso.

Conquanto as pautas comuns da PEC 45 e da PEC 110 preveem a unificação dos impostos sobre o consumo, reunindo as bases tributárias dos impostos incidentes sobre bens e serviços, e fixando a tributação no destino, existe, por parte de estados e municípios, uma inquietação natural em face das mudanças, seja diante do risco de perda arrecadatória, seja diante da incerteza sobre a autonomia da gestão tributária.

A efervescência dos bastidores políticos, que opera em desfavor da tramitação, fez com que o governo federal acenasse a estados e municípios com a proposta de garantia de arrecadação real pelo período de 20 anos, e foi nesse cenário que surgiu a expressão "risco free rider", que poderia ser entendida como a possibilidade de que estados e municípios, em função da garantia de arrecadação real, sintam-se confortáveis em se acomodar na gestão tributária, deixando de efetuar investimentos em tecnologia e capital humano e, dessa forma, comprometendo a prestação de serviços a contribuintes e a sociedade.

Assim, existem argumentos de que uma reforma tributária "sem riscos" para os entes federados poderia servir de estopim para um colapso fiscal futuro, especialmente se, diante da apatia do esforço fiscal, se verificasse um descolamento entre os níveis esperados de desenvolvimento econômico e os níveis de arrecadação tributária. De outro lado, a percepção social da ineficiência arrecadatória contribuiria para a informalidade e para a concorrência desleal.

Afinal, da mesma forma que aquele aluno que se graduou colando enfrentará o mercado de trabalho e o ciclista terá que subir a ladeira com suas próprias pedaladas, também estados e municípios deverão, ao final da transição, garantir suas arrecadações. Portanto, um hiato no esforço fiscal poderia ser fulminante aos impactos positivos esperados pela reforma.

Contudo, uma vez mapeados os riscos, não cumpre recuar dos objetivos centrais do projeto de reforma, que intentam maior simplificação e competitividade, mas esboçar soluções espelhadas em boas práticas internacionais, que garantam a efetividade das medidas adotadas.

O Conselho Federativo, que efetuará a gestão da arrecadação do IBS, deterá autoridade para estabelecer com estados e municípios contratos para desenvolvimento de ações de administração tributária, mediante os quais se compensaria o esforço fiscal empreendido pelos entes federados, com base em resultados de gestão.

De outro lado, levar a efeito a previsão constitucional de vinculação de receitas para a realização de atividades de administração tributária, como expressamente dispõe o inciso IV do artigo 167 da Magna Carta, afiançaria a autonomia financeira e orçamentária das administrações tributárias, assegurando permanente investimento na prestação de serviços eficientes e alinhados com o desenvolvimento e as necessidades operacionais.

Finalmente, uma Lei Orgânica das Administrações Tributárias, para além de prever autonomia técnica e administrativa, constituiria diploma legal de interesse social, com vistas à delimitação de poderes e atribuições, convergindo para uma atuação transparente, isonômica, regrada e segura, tanto para a própria administração, quanto para contribuintes e usuários.

A aprovação de uma reforma tributária simples e justa perpassa o comprometimento de políticos, cidadãos, setores econômicos e administração pública, para que dela se revele um marco do desenvolvimento econômico e social brasileiro.

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    é auditora fiscal da Receita Estadual de São Paulo e apoio técnico do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp).

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