Invisíveis

Desigualdades marcam a rotina de adolescentes privadas de liberdade, aponta estudo

Autor

21 de maio de 2023, 13h45

Desigualdades econômicas, de gênero e de raça, elementos enraizados em nossa sociedade refletidos no Sistema de Justiça, consistem na realidade de adolescentes grávidas privadas de liberdade.

Reprodução
Estudo com presas constatou que Marco Legal da Primeira Infância não é cumprido
Reprodução

A análise consta na pesquisa de campo "Relatos da invisibilidade: representações de atores públicos sobre a aplicação do marco legal da primeira infância no cenário penal e socioeducativo feminino", desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que analisa qualitativamente o universo de adolescentes que estão em regime de internação.

O levantamento também inclui jovens mães de crianças de até 6 anos de idade do diagnóstico nacional da primeira infância.

Ao todo, 180 interlocutores participaram das entrevistas, com 62 profissionais do Poder Executivo municipal ou estadual; 40 do Poder Judiciário; 32 da sociedade civil; 23 do Ministério Público; e 23 da Defensoria Pública. Foram ouvidas as comarcas de Santarém, Ananindeua e Marabá (PA); Parnamirim, Ceará Mirim e Natal (RN); Aracaju e Nossa Senhora do Socorro (SE); Maceió (AL); Porto Alegre, Pelotas e Torres (RS); Campinas, Guariba e Tupi Paulista (SP); Campo Grande e Ponta Porã (MS); e Cuiabá (MT).

Marco legal
A invisibilidade das adolescentes, incluindo as que pertencem a povos tradicionais (quilombolas e indígenas), é agravada pelo descumprimento do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016). A normativa, entre outros fatores, indica que o poder público deve garantir às adolescentes mães em privação de liberdade convivência com os filhos e as filhas na primeira infância.

"O desafio principal é reconhecer as adolescentes, em especial aquelas que são gestantes e mães, não somente como autoras de atos infracionais, mas como pessoas que têm direitos a serem zelados", ressalta a publicação.

De acordo com a pesquisa, produzida no âmbito do Diagnóstico da Situação de Atenção à Primeira Infância no Sistema de Justiça, caso a convivência com a criança não seja autorizada ou restrita a curto período, muitas vezes, ocorre a destituição do poder familiar e a permanente ruptura do vínculo materno-filial.

Capacidade de ressocialização
A relação materno-infantil, conforme análise das pesquisadoras Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti, citada no relatório, é tratada como mecanismo adicional de punição. Ou seja, a "hipermaternidade, seguida da brusca hipomaternidade, se somaria à pena de prisão, gerando e aguçando o sofrimento".

Na prática, hipermaternidade e hipomaternidade se caracterizam pela convivência excessiva seguida da ausência de convivência.

À essa visão punitiva somam-se os chamados obstáculos culturais, que são apontados pela pesquisa de campo como um fenômeno que se relaciona com o "conservadorismo social".

A tendência desse conservadorismo é cobrar maior punição aos indivíduos "considerados desviantes, como mulheres e adolescentes que, respectivamente, tenham cometido crime e ato infracional". O que seria um comportamento facilmente identificado na sociedade, de modo geral, também é percebido no sistema de Justiça.

Outro aspecto que chama atenção a respeito da detenção de jovens grávidas é a possibilidade da concessão de liberdade assistida. A medida restringe direitos, mas não impõe o afastamento total da adolescente de sua família e de sua comunidade. De acordo com a pesquisa, na avaliação de integrantes do Ministério Público, adolescentes envolvidas em roubos ou homicídios, atos graves, entretanto, não terão direito à liberdade assistida.

Os magistrados se dividem, quanto ao assunto, já que muitos fundamentam as decisões, segundo a pesquisa, no ato infracional que envolve violência contra pessoas. De acordo com a experiência de defensores entrevistados se o delito envolver uma arma, os magistrados tendem a fundamentar com base na violência objetiva e na periculosidade da adolescente. A possibilidade de reiterar outras práticas infracionais também é avaliada pelos juízes.

No entanto, outros magistrados entendem a infância como prioridade absoluta e decidem pela liberdade assistida mesmo nos casos de atos infracionais considerados graves. A pesquisa destaca que para esse grupo específico de magistrados o direito à convivência com a mãe se sobrepõe à gravidade do ato.

Dispositivo legal
Criado em 2019 pelo CNJ, por meio de articulação com órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo, o Pacto pela Primeira Infância prevê uma série de ações destinadas à melhoria das condições necessárias para a proteção integral do melhor interesse da criança, sobretudo, nos primeiros 6 anos de vida.

O período, que inclui a gestação, é considerado fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!