Opinião

Valorização de fundo de investimento e credor que penhorou suas quotas

17 de maio de 2023, 7h02

No último dia 13 de março, foi publicado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) o resultado final do julgamento do Recurso Especial nº 1.885.119, proveniente do estado do Rio de Janeiro e relatado pelo ministro Marco Antonio Belizze, pelo qual a 3ª Turma entendeu que "um credor não pode se beneficiar da valorização das quotas de fundo de investimento, por força de simples penhora".

O interessante debate, para que seja mais bem entendido pelo leitor, exige uma breve contextualização.

Na lei brasileira, mais propriamente em matéria de execução, vigem, dentre outros, dois basilares princípios interpretativos e norteadores: o princípio da responsabilidade patrimonial e o da efetividade da execução.

Pelo primeiro, entende-se que aqueles que devem serão responsabilizados com seus próprios patrimônios, em prol dos credores. O segundo, investe o Poder Judiciário — e, nessa seara, mais propriamente o juiz da causa — na "missão" de mover o aparato judicial para viabilizar ao credor a possibilidade de satisfazer seu crédito com a maior efetividade possível, isto é, propiciando mecanismos ágeis e seguros para a recuperação do crédito.

Da conjunção de ambos, advém o fato de que, em regra, o credor pode requerer ao Poder Judiciário a penhora de praticamente qualquer bem, móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, de propriedade do devedor. Há exceções, cujo aprofundamento foge ao cerne do julgado ora comentado.

Após as formalidades legais, o bem penhorado é submetido a leilão público, hipótese na qual o produto da arrematação será entregue ao credor, até o limite do valor em execução. É possível, ainda, a chamada adjudicação, pela qual o credor adquire a propriedade do bem penhorado.

Delineados os contornos, voltemos à discussão lançada ao STJ: penhoradas as cotas de um fundo de investimento, o credor poderá ser beneficiado por eventual valorização futura, ocorrida na vigência da penhora?

Para a 3ª Turma da Corte Superior, não
No caso concreto, julgou-se o imbróglio havido entre um fundo de pensão e um hospital. O fundo de pensão, devedor do hospital em uma execução judicial, era proprietário de cotas de um fundo de investimento, penhoradas pelo hospital credor.

Na vigência da penhora (isto é, desde a efetiva penhora até a expropriação, entendida como a ocasião em que o credor efetivamente obtém o produto da venda ou se investe na condição de proprietário, neste caso, das cotas), o fundo de investimento acabou por se valorizar em 25,4%.

Assim, decidiu-se que a valorização das cotas não poderá beneficiar o credor — assim como eventual decréscimo também não poderia onerá-lo. Em suma, vigente a execução judicial, o direito do hospital cinge-se ao efetivo crédito que detém em face do fundo de pensão. No caso das quotas, entendeu o STJ que o hospital, ao penhorá-las, não se submeteu ao risco do investimento, mas apenas e tão somente visou salvaguardar seu direito ao recebimento do valor devido pelo estabelecimento de saúde.

Dois pontos abarcados pela decisão, bem resumem o raciocínio aplicado pelo relator e chancelado pela Turma:

"(…) 3. Incidente a penhora sobre cotas de fundo de investimento  espécie de valores mobiliários descritos no rol legal de preferência de penhora (artigo 835, III, do CPC/2015), nos termos do artigo 2º, V, da Lei nº 6.385/1976 , a propriedade desses bens mantém-se com o devedor investidor até o resgate ou a expropriação final, revelando-se indevida a transferência ao exequente da álea inerente a esse tipo de negócio jurídico (que vincula apenas os cotistas contratantes), não se podendo obrigar-se pelos ônus nem beneficiar-se dos bônus, notadamente diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato.
4. Nesse contexto, havendo a valorização das cotas penhoradas, deve ser decotado o excesso superveniente da execução no momento em que se proceder à satisfação do crédito exequendo, consoante o art. 917, § 2º, I e II, do CPC/2015, da mesma forma como a desvalorização desses bens antes do resgate ou da expropriação final também conferiria direito ao credor de exigir o reforço da penhora, na linha do disposto no art. 850 do CPC/2015. (…)."

Em síntese, distinguiu o colegiado a natureza jurídica das posições ostentadas pelo hospital (credor) e pelo fundo de pensão (devedor e cotista do fundo de investimento). Ao passo que o primeiro apenas persegue seu direito ao recebimento do crédito, o segundo ostenta também a posição de contratante da álea (risco) referente ao investimento no fundo que acabou por valorizar.

As duas posições ostentadas pelo hospital, nesse diapasão, coexistem durante o processo de execução, sendo que mesmo ao figurar como devedor, poderá ele usufruir da valorização concreta de suas cotas. O mesmo poderia se falar, em sentido oposto, se as cotas tivessem oscilado negativamente.  

Outro recorte
É importante que se note, ainda, a possibilidade da ocorrência de uma circunstância excepcional, distinta daquela abarcada pelo julgado, pela qual a valorização do valor das quotas pode sim beneficiar o credor. Isso poderia ocorrer na hipótese em que o valor do crédito fosse maior do que o valor das quotas no momento da penhora e que, após a respectiva constrição das quotas, sobreviesse valorização no fundo de investimento.

Imagine o leitor o hipotético cenário de que o débito em execução correspondesse a R$ 100 mil e as quotas do fundo de investimento fossem avaliadas, à ocasião da penhora, em R$ 60 mil. Posteriormente, no momento da expropriação (leilão ou adjudicação), as quotas podem valer, por exemplo, R$ 75 mil, diante de eventual sucesso do fundo.

Nessa circunstância, o ágio de R$ 15 mil, a princípio, pode sim beneficiar o credor, visto que não implicaria no chamado "excesso de execução". Isso porque, ao se considerar que o crédito mantido pelo credor é de R$ 100 mil, conforme visto acima, ainda faltariam R$ 25 mil para o integral pagamento da dívida.

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