Punição insuficiente

Não cabe acordo de não persecução penal para crime de injúria racial, diz TJ-SP

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9 de maio de 2023, 11h23

O alcance material do acordo de não persecução penal (ANPP) não deve abarcar os crimes raciais. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de um homem denunciado por injúria racial para que a Procuradoria-Geral de Justiça ofertasse a suspensão condicional do processo ou ANPP.

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Matteoguedia/FreepikO acordo de não persecução penal não deve abarcar os crimes raciais, decide TJ-SP

Conforme os autos, o Ministério Público não ofertou ANPP ou sursis diante da ausência de confissão formal e pela insuficiência das medidas para caracterizar o delito de injúria racial. A defesa, então, questionou o ato por meio de Habeas Corpus, que foi rejeitado, por unanimidade, pelo Órgão Especial.

"O Ministério Público, titular do exercício da ação penal pública, possui o poder-dever de propor acordo de não persecução penal, desde que atendidos no caso concreto determinados pressupostos objetivos e cumulativos, quais sejam, a confissão da prática da infração penal pelo investigado e que o delito não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça e tenha pena mínima inferior a quatro anos", observou o relator, desembargador Xavier de Aquino.

No caso dos autos, segundo o magistrado, não houve confissão formal e circunstanciada do delito. "Ainda que considerado, com esteio nas alegações da defesa, as condições pessoais do agente ('não foi beneficiado por acordo antes, não é reincidente, possui boa conduta social'), ante a ausência da necessária confissão formal e circunstanciada do fato delituoso, não se afigura possível a aplicação do caput do artigo 28-A do CPP, inviabilizando o oferecimento do acordo."

Além disso, o relator disse que a negativa do ANPP também encontra respaldo na natureza do crime imputado ao paciente, que, embora possua pena mínima inferior a quatro anos e não tenha sido praticado mediante emprego de violência ou grave ameaça, "constitui em conduta que atenta contra valores excelsos ao Estado Democrático de Direito".

"Nos termos do artigo 3º, inciso IV, da Carta Magna, constitui como objetivo fundamental da República 'promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação', devendo o racismo (e, por consequência lógica, a injúria racial, conforme reconhecido pela Suprema Corte no HC 154.248) ser amplamente combatido pelo Estado, de maneira que o acordo não seria, em obediência ao caput do artigo 28-A do CPP, 'necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime', cuja premissa se aplica ao sursis processual do artigo 77 do CP", completou.

Aquino citou julgamento recente em que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (Recurso Ordinário em Habeas Corpus 222.599) afastou expressamente a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal em crimes raciais, incluindo injúria racial, por entender que o alcance material do ANPP não abarca esse tipo de delito.

"Por fim, consigne-se que não cabe ao Judiciário impor ao Ministério Público a celebração do ANPP ou a desconsideração de argumentos que fundamentaram a sua negativa, visto que o artigo 129, inciso I, da Carta Magna atribui privativamente ao Órgão Ministerial a titularidade da ação penal pública, cabendo unicamente a este a análise fundamentada da propositura ou não do acordo de não persecução penal, consoante disposição expressa do caput do artigo 28-A do CPP", concluiu. 

Processo 2132076-85.2022.8.26.0000

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