Opinião

Será que teremos uma reforma tributária? Um resumo das propostas

Autores

  • Renata Elaine Ricetti Marques

    é sócia-fundadora do Ricetti Oliveira Advogados pós-doutora pela Universidade São Paulo (USP) doutora e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) coordenadora e professora do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário da Escola Paulista de Direito (EPD) presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial (IADTE) e membro da Comissão de Direito Constitucional e Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil — Subseção de Pinheiros.

  • Ilmara Oliveira

    é sócia- fundadora do Ricetti Oliveira Advogados mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília ex-vice-presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB-SE membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-BA professora de graduação e autora de artigos científicos em matéria tributária.

5 de maio de 2023, 6h47

O assunto "reforma tributária" está há décadas em pauta; ganhou novo capítulo em 2019 com duas propostas de emenda à Constituição apresentadas, uma pelo Senado e outra pela Câmara, e por ter sido promessa de campanha política; e, em 2023, vem fomentando os debates no campo jurídico e político.

Na trilha argumentativa de simplificar o sistema tributário, as propostas não se limitam a prefixar uma mera reforma e sim a um novel sistema de tributação que impacta em mudanças de ordem constitucional, técnica e arrecadatória em todos os âmbitos da federação.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, de relatoria do deputado João Roma, possui como pretensão promover "uma ampla reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços, através da substituição de cinco tributos atuais por um único imposto sobre bens e serviços" [1].

No que tange à PEC nº 110/2019, que resgata a redação em sua integralidade do texto de reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados em 2008 (Comissão Especial da PEC nº 293/2004, de relatoria do deputado Luiz Carlos Hauly), apresenta como justificativa que "a ideia é simplificar o atual sistema, permitindo a unificação de tributos sobre o consumo e, ao mesmo tempo, reduzindo o impacto sobre os mais pobres. Aumenta-se (sic) gradativamente os impostos sobre a renda e sobre o patrimônio e melhora-se a eficácia da arrecadação, com menos burocracia" [2].

Ambas as PECs propõem, notadamente, inserções significativas no modelo atual do sistema tributário nacional, de modo que os impostos que incidem sobre a produção, comercialização de produtos e prestação de serviços sejam unificados.

O foco central é a substituição do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), da Contribuição para o Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ou Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional, modelo que vem sendo adotado em mais de 170 países.

Além disso, propõem ainda, a criação de um Imposto Seletivo (IS) sobre alguns bens e serviços específicos, com finalidade extrafiscal.

Ambos os modelos preveem a possibilidade de devolução de imposto cobrado sobre o consumo da população de baixa renda em formato de crédito, chamado de "cashback tributário".

Embora o objetivo seja comum, a PEC nº 45/2019, da Câmara dos Deputados, e a PEC nº 110/2019, do Senado, trazem algumas diferenças de alterações constitucionais, as quais resumidamente são:

  • Impostos que serão extintos e substituídos pelo IBS

PEC nº 110

IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-educação, Cide-combustíveis, ICMS e ISS

 

PEC nº 45

 

IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins.

  • Competência dos Entes Federativos na criação do IBS

 

PEC nº 110

A competência para a criação do imposto será estadual, mas por intermédio do Congresso Nacional (representantes dos estados e dos municípios). A PEC propõe que, para evitar perdas de arrecadação para alguns entes federados, devem ser criados dois fundos, que vão compensar diferenças hipotéticas da receita per capita entre estados e municípios.

PEC nº 45

A competência para instituir o referido tributo é da União sendo regulada exclusivamente por lei complementar e, após instituído, a competência legislativa dos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) será restrita à fixação das alíquotas.

  • Fixação das alíquotas do IBS

PEC nº 110

As alíquotas serão fixadas por lei complementar e serão uniformes em todo o território nacional, possuindo regulamentação única

PEC nº 45

Cada ente federativo irá fixar uma parcela da alíquota mediante previsão em suas leis ordinárias específicas (lei federal, lei estadual, lei distrital e lei municipal). Para os contribuintes, a alíquota aplicável a cada operação será formada pela soma das alíquotas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios previstas em suas leis específicas.

A alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços de cada ente federativo será formada pela soma de um conjunto de subalíquotas — denominadas alíquotas singulares — correspondentes às atuais destinações constitucionais dos tributos substituídos pelo IBS. As alíquotas singulares poderão ser fixadas individualmente, observado que as alíquotas singulares correspondentes à destinação de recursos a outros entes federativos e à saúde e à educação não poderão ser reduzidas

No caso de operações interestaduais e intermunicipais será aplicada a alíquota do estado e do município de destino, sendo a distribuição da receita feita de forma correspondente ao ente do destino que a parcela pertencer.

No ente federativo que não tiver legislação fixando a alíquota do imposto, vigorará a respectiva alíquota de referência (federal, estadual, distrital ou municipal), que é aquela que repõe a arrecadação dos tributos substituídos pelo IBS.

Ou seja, a alíquota de referência será para a União, a que repõe a receita dos impostos federais que serão substituídos pelo IBS; para os estados, a que repõe a receita de ICMS do conjunto dos estados; para o Distrito Federal, a soma das alíquotas de referência estadual e municipal; e, por fim, para os municípios, a que repõe a receita de ISS do conjunto dos municípios.

  • Concessão de benefícios fiscais – IBS

PEC nº 110

Será concedido benefício fiscal mediante lei complementar em relação às operações com os seguintes produtos ou serviços: alimentos, inclusive os destinados ao consumo animal, medicamentos, transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano, bens do ativo imobilizado, saneamento básico, e educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional.

PEC nº 45

Não prevê a concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros.

  • Período de transição para a distribuição da receita do IBS

PEC nº 110

Prevê o período de quinze anos para a transição total, contados da criação dos novos impostos, sendo o produto da arrecadação entregue integralmente a cada ente correspondente.

PEC nº 45

Pela proposta, esta transição se dará em cinquenta anos, contados do início da redução das alíquotas do ICMS e do ISS.

Nos primeiros quarenta e nove anos, a parcela da receita do IBS destinada a cada estado e município será definida pela soma de três parcelas: 1) reposição da perda de receita própria decorrente da redução das alíquotas do ICMS e do ISS, corrigida monetariamente (integral nos primeiros 20 anos e decrescente ao longo dos vinte e nove anos seguintes); 2) aumento ou redução da receita de IBS decorrente da fixação da alíquota do Imposto pelo estado ou pelo município acima ou abaixo da respectiva alíquota de referência; e 3) distribuição da diferença entre a receita total do imposto atribuível aos estados e municípios e o valor correspondente às demais parcelas, a qual será feita com base no princípio do destino, com base nas alíquotas de referência do imposto. A partir do quinquagésimo ano, a receita do IBS será distribuída integralmente pelo princípio do destino.

  • Sobre o Imposto Seletivo que tem natureza extrafiscal

PEC nº 110

O Imposto Seletivo incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações. Especifica-se que os serviços de telecomunicação passíveis dessa taxação são apenas aqueles regulados pela União.

Lei complementar definirá quais os produtos e serviços estarão incluídos no Imposto Seletivo.

PEC nº 45

Prevê que a União poderá, com base na competência residual, criar impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos, por exemplo, consumo de álcool ou de tabaco.

No contexto das propostas não se encontra a resposta a uma autêntica indagação: a criação de um IBS/IVA substituindo alguns (não todos) tributos dará espaço para uma carga tributária simples e reduzida?

Distante do objetivo principal, uma leitura nos permite ver que não há nada de simples na nova forma de tributação, tanto é verdade que podemos ter até 50 anos de transição completa de um sistema para o outro, conforme consta na literalidade da PEC nº 45/2019.

O argumento de uma tributação mais justa com a adoção do "cashback tributário" pode ser sanado no atual sistema, que possui mecanismos e possibilidades de diminuição da carga tributária para as famílias de baixa renda (vide caso de Rio Grande do Sul com o "Devolve ICMS" desde 2021 e a experiência de países como Canadá, Uruguai e Colômbia), basta apenas vontade política para tal medida social.

O novo sistema tributário proposto pelas PECs nº 45 e nº 110 impacta muitos setores da economia e a forma de arrecadação dos entes da federação. O que se percebe é que muito diálogo ainda precisa ser promovido antes de qualquer aprovação.

 


[1] Disponível em: https://bit.ly/3AzjNhj. Acesso em: 25 abr. 2023.

[2] Disponível em: https://bit.ly/3AqlnST. Acesso em: 25 abr. 2023.

Autores

  • é sócia-fundadora do Ricetti Oliveira Advogados, pós-doutora pela Universidade São Paulo (USP), doutora e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), coordenadora e professora do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário da Escola Paulista de Direito (EPD), presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial (IADTE) e membro da Comissão de Direito Constitucional e Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil — Subseção de Pinheiros.

  • é sócia- fundadora do Ricetti Oliveira Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília, ex-vice-presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB-SE, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-BA, professora de graduação e autora de artigos científicos em matéria tributária.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!