No julgamento de Plenário Virtual que ocorreu em outubro de 2019, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da controvérsia referente à inclusão das contribuições do PIS/Cofins em suas próprias bases de cálculo (Tema 1.067), Recurso Extraordinário nº 1.233.096.
No núcleo da repercussão geral está o alcance da definição receita bruta cujo conceito foi delimitado pelo plenário do STF em 15/3/2017. Naquela oportunidade, foi dado provimento ao Recurso Extraordinário n° 574.706/PR (Tema 69) para consolidar a tese que "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins".
Ratificou-se, portanto, a jurisprudência firmada anteriormente nos autos do RE nº 240.785/MG, no sentido de que o ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, tampouco se inclui na definição de faturamento ou receita e, assim, deveria ser retirado o imposto do campo de incidência das contribuições sociais.
No Tema 1.067 de Repercussão Geral, por sua vez, o que está em jogo é a inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases de cálculo, gerando ao contribuinte uma tributação incidente sobre uma base equivocada, dado que o artigo 195, I, "b", da CF, dispõe que as contribuições sociais recairão sobre a receita ou faturamento, cuja grandeza econômica advém exclusivamente do produto da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.
Mais uma vez é o conceito de faturamento em debate.
Não se desconhece que o termo "receita bruta" ou "faturamento" é um conceito aberto e fluido, o que possibilita incluir outras grandezas econômicas em seu núcleo. No entanto, embora seja um conceito aberto, este pode vir a se fechar a partir de uma situação casuística que lhe retire a fluidez e lhe dê caráter de definitividade.
Firme nessa orientação, nos parece que o julgamento do Tema 69 de Repercussão Geral fechou de vez essa porta hermenêutica, tanto para os seus efeitos no passado, quanto para os efeitos trazidos no artigo 2º da Lei nº 12.973/2014, que alterou o conceito de receita bruta contido no § 5º, do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, para incluir os tributos incidentes sobre a própria receita auferida pelo contribuinte.
Nunca é demais lembrar que a definição de "faturamento" do artigo 195 da Constituição foi discutida pelo STF antes mesmo da promulgação da EC nº 20/98. Como exemplo, ao analisar as discussões travadas no RE 170.555, se verifica que o tribunal já adotava o conceito de receita bruta nos termos do Decreto-Lei nº 2.397/87.
A alínea "b", do inciso I, do artigo 195, foi inserida na Constituição por meio da Emenda Constitucional nº 20/1998 no contexto da reforma da Previdência, que tinha o propósito de redesenhar um novo modelo previdenciário, atuarialmente viável e justo do ponto de vista social.
Na realidade, a alteração legislativa constitucional apenas acomodou as fontes de custeio em incisos específicos, em nada modificando a diretriz da arrecadação que já estava performada no texto anterior. Logo, a grandeza numérica "faturamento" é conceito ab integro desde a publicação da "Lei das S.A.".
Fato é que em diversas oportunidades o STF foi provocado a examinar a amplitude do conceito de faturamento para fins de tributação das contribuições sociais após a EC 20/98, mas o desfecho da questão somente veio a lume no julgamento do RE nº 346.084 e definiu que (1) faturamento e receita bruta são termos sinônimos; (2) o conceito de receita bruta é proveniente da Lei Comercial; e por fim, (3) a receita bruta é o resultado obtido com a venda de mercadorias, prestação de serviços e serviços com mercadoria.
E assim, ultrapassada a delimitação do conceito de faturamento, restava saber, ainda, se tributos ingressariam ou não nessa materialidade.
Foi nesse contexto que o STF foi provocado mais uma vez a se pronunciar sobre o conceito de faturamento e foi a partir do RE nº 240.785, decidido em sede de controle difuso, que ficou decidido que "a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento".
O desfecho foi dado no já citado julgamento do Tema 69, decidido sob o pálio da repercussão geral, onde ficou entendido que "o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins", ancorado, sobretudo, no argumento de que o ICMS não se inclui na "definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal".
A expressão "definição de faturamento aproveitado pelo STF" sugere que as discussões do tribunal foram tão aprofundadas e conclusivas que não há espaço para novas interpretações.
É bem verdade que o conceito constitucional de receita/faturamento era tido como amplo e permitia a inclusão de outras grandezas, mas também é verdadeiro que foi a partir do julgamento do Tema 69 de Repercussão Geral que o STF encerrou a questão para não se permitir a entrada de valores que não sejam aqueles correspondentes à venda de mercadorias ou da prestação de serviços, sob pena de afronta direta ao artigo 195, I, "b", CF.
Da nossa análise, extraímos que não houve uma declaração de inconstitucionalidade de norma propriamente dita, mas sim, a determinação jurisdicional de que nenhum tipo de tributo (in casu, ICMS) poderia interferir no conceito constitucional de receita ou faturamento.
Interessante notar, que a Lei nº 9.718/98 alterada pela Lei nº 12.973/2014, foi utilizada no bojo da argumentação e em linha de entendimento, mas o resultado do julgamento não foi alterado.
De fato, na ocasião do julgamento do Tema 69, o ponto relevante levantado pelo ministro Dias Toffoli no aditamento do seu voto, diz respeito à alteração da definição, do conteúdo e alcance do conceito de receita bruta definido pelo STF. Esse ponto restou vencido.
Em outro ponto, o ministro chama a atenção para as atuais leis que regem a cobrança do PIS/Cofins e expressamente afirmam que as bases de cálculo dessas contribuições compreendem a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598/77 (atualmente, com a redação dada pela Lei nº 12.973/14), cujo parágrafo quinto explicitamente afirma que se incluem na receita bruta os tributos sobre ela incidentes. Novamente ficou vencido o ministro nesse ponto.
Em nossa opinião, como o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais (artigo 941, §3º, CPC), e, em conformidade às questões suscitadas pelo próprio voto vencido, interpretamos que o STF já fez a análise das alterações do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 com a nova roupagem normativa promovida pela Lei nº 12.973/14, e cujo resultado foi a manutenção do voto vencedor da lavra da ministra Carmem Lúcia, no sentido de que nenhum tributo poderia interferir no conceito constitucional de receita ou faturamento.
Concluímos, assim, que o Supremo analisou a tese da incidência do ICMS na base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, e também analisou analogicamente a possibilidade da incidência de tributos sob a ótica da Lei nº 12.970/2014, exteriorizada, segundo pensamos, pelo aditamento do voto do ministro Toffoli. Em todos os pontos foi afastada a incidência de tributos sobre a base das contribuições.
Isso equivale dizer que, ainda que a Lei nº 12.973/2014 tenha alterado o conceito de receita do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 para inclusão do parágrafo quinto (§ 5º), cujo efeito irradia alterações nas legislações do Pis e da Cofins, essa alteração não teve o condão de alterar o conceito constitucional já definido pelo STF e adotado para o artigo 195, I, "b", CF, sendo, portanto, inconstitucional a inclusão dos tributos sobre a própria base.
Isso posto, para o bem do sistema jurídico e em respeito ao sistema de precedentes, o STF deverá julgar inconstitucional a Lei nº 12.974/2014 que alterou o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, inserindo no parágrafo quinto (§ 5º) a inclusão dos tributos na receita bruta, sob pena de contrariar a sua própria jurisprudência.
A palavra final estará com o Supremo , mas os Contribuintes podem continuar aguardando um possível final feliz no julgamento do Tema 1.067 de Repercussão Geral.