Advocacia-Geral da União: Gilmar Mendes passou por aqui
27 de junho de 2023, 6h08
*trecho do livro "Gilmar Mendes, 20 anos de STF: o acadêmico, o gestor, o juiz"
No início da década de 1990, representando o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), participei de reunião no Ministério da Agricultura para discutir a regulamentação do artigo 243 da Constituição, que tratava da expropriação (sem indenização) de glebas onde fossem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Um dos participantes dessa reunião, representando a Presidência da República, era Gilmar Ferreira Mendes. Ali nos conhecemos.
Voltamos a nos encontrar por duas vezes para tratar de outro relevantíssimo assunto, que afligia o governo desde a vigência da Constituição de 1988 — a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária — que sofrera profundas alterações.
Na segunda reunião sobre esse tema eu já era consultora da República, sob a chefia do digno Célio Silva, à época consultor-geral da República, com a admirável parceria de Thereza Helena Souza de Miranda Lima (consultora da República) e de Ruy de Barros Monteiros (secretário-geral da CGR). Essa parceria possibilitou o aviamento e aprovação das leis da reforma agrária.
Nessas poucas oportunidades estabeleceu-se forte interação que mais tarde nos reuniria, sem planejamento prévio, em torno da construção da Advocacia-Geral da União (AGU).
No último trimestre de 1992 adveio o impedimento do presidente Fernando Collor de Melo, e a consequente assunção da Presidência da República pelo vice-presidente Itamar Franco. Com isso, Gilmar Mendes deixou a Consultoria Jurídica da Presidência da República.
Dois anos depois Fernando Henrique Cardoso assumia a Presidência da República e, em 1996, Gilmar Mendes voltava à assessoria jurídica da Presidência, agora como subchefe para Assuntos Jurídicos.
Por esse tempo já funcionava a Advocacia-Geral da União, sob o comando de Geraldo Magela da Cruz Quintão.
A partir daí a convivência com Gilmar Mendes foi ficando cada vez mais frequente e construtiva.
No início do ano 2000, aconteceu que o advogado-geral da União, Geraldo Quintão, assumiu o Ministério da Defesa, deixando vago o cargo de chefe da AGU. Ali ficara mais de seis anos e meio e não era previsível o fim do seu mandato antes do termino do Governo. Mas o Presidente Fernando Henrique Cardoso viu em Geraldo Quintão o perfil que o Ministério da Defesa necessitava para resolver problemas momentâneos daquela pasta.

Ligeiras especulações sobre quem seria o novo advogado-geral foram rapidamente afastadas pelo anúncio da escolha para o cargo do subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.
Aos 31 de janeiro do ano 2000 era nomeado advogado-geral da União o procurador da República Gilmar Ferreira Mendes.
A criação, implantação e o equipamento da advocacia-geral da União se desdobram em vários capítulos, ou períodos. Aqui será focalizado o período correspondente à gestão de Gilmar Mendes — 31 de janeiro de 2000 a 19 de junho de 2002 — pouco mais de dois anos e quatro meses.
Antes da existência da AGU, Gilmar Mendes, como subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, exercia certa coordenação das consultorias jurídicas dos Ministérios e dos órgãos jurídicos das autarquias e fundações.
Além disso, como titular do cargo de procurador da República, tivera atuação privilegiada perante o Supremo Tribunal Federal no exercício da representação judicial da União, ao lado de Sepúlveda Pertence (procurador-geral da República) e de Anadyr Mendonça (subprocuradora-geral da República).
As experiências acumuladas da área consultiva do Poder Executivo na Presidência da República e da representação judicial da União perante o STF seriam bastante para credenciar Gilmar Mendes ao exercício do cargo de advogado-geral da União.
Mas sua bagagem era maior. Trazia o prestígio construído pelo destacado aluno da UnB (Universidade de Brasília), o doutorado conquistado na Alemanha, o magistério que até hoje exerce, a admiração e a confiança do presidente da República e de todo o seu ministério, dos membros do Judiciário e do Parlamento brasileiro. Trazia o prestígio do doutrinador, com obras jurídicas publicadas. Trazia o nome feito do jurista constitucionalista. Trazia a ousadia e a vontade de fazer acontecer.
Na AGU encontrou a equipe deixada por Geraldo Quintão — o advogado-geral que fez a AGU funcionar com a pequena equipe de que dispunha — e a ela acrescentou alguns assessores.
As dificuldades mais prementes da implantação da AGU estavam superadas. À disposição do novo advogado-geral havia o acréscimo de mais de mil advogados aprovados nos concursos realizados para as três carreiras da AGU: advogado da União, assistente jurídico e procurador da Fazenda Nacional. A chegada dos novos advogados possibilitou muitas realizações. Começou ali um novo período para a AGU.
Gilmar Mendes foi o primeiro advogado-geral da União a fazer sustentações orais perante o STF nos casos de maior relevância, considerados os valores econômicos e sociais envolvidos e o efeito multiplicador dos temas.
A sua gestão na AGU possibilitou muitas realizações, entre as quais se destacam:
- A implantação do Núcleo de Acompanhamento de Feitos perante o Supremo Tribunal Federal, para coordenar e aperfeiçoar a defesa judicial da União, suas autarquias e fundações. O Núcleo foi o embrião da Secretaria-Geral de Contencioso;
- Consultoria-Geral da União, que estava sem consultor-geral desde julho de 1993;
- Núcleos de Assessoramento Jurídico nas capitais dos estados, para racionalizar as atividades de assessoramento jurídico, propiciar orientação uniforme para temas comuns de interesse da administração direta. Esses núcleos hoje constituem as consultorias da União nos estados;
- Centro de Estudos Victor Nunes Leal, destinado ao aperfeiçoamento técnico e profissional dos seus integrantes. Hoje o Centro de Estudos é a Escola da AGU;
- Sistema de Controle das Ações da União — Sicau, para acompanhar a atuação dos órgãos do contencioso e identificar as ações consideradas relevantes, que exijam acompanhamento especial;
- Setor de Cálculos e Perícias, que vem desenvolvendo trabalho da maior relevância para o Tesouro, no sentido de reduzir a sangria dos cofres públicos;
- Criação da Carreira de Procurador Federal, com o intuito de melhor organizar e tornar mais eficiente a defesa das autarquias e fundações federais, e realizar o primeiro concurso público para provimento de 663 cargos da Carreira;
- Assunção, temporária, da representação judicial de uma centena de autarquias e fundações a maioria pequenas entidades espalhadas pelo interior do País, e de outras, de grande porte, que passavam por crises de variadas ordens;
- Expedição de dezesseis súmulas administrativas, em decorrência de reiterada jurisprudência dos Tribunais, com o intuito de reduzir o número de feitos judiciais;
- Envio ao Congresso Nacional do projeto de lei (atual Lei n° 10.480, de 2002) do quadro de servidores em exercício na AGU, medida que atendeu antiga aspiração dos servidores e que contribuiu para a estabilidade dos serviços e a fixação da memória da AGU;
- Envio ao Congresso do projeto de lei (atual Lei n° 10.480, de 2002) de criação da Procuradoria-Geral Federal, objetivando maior racionalidade e eficiência à defesa dos interesses e do patrimônio de autarquias e fundações, em juízo e fora dele;
- Edição de medidas legislativas, principalmente de caráter processual, objetivando aperfeiçoar os instrumentos de defesa do patrimônio público. Muitas dessas medidas estão contidas na Medida Provisória n° 2.180-35, de 2001;
- Instalação da AGU em prédio próprio para reunir os órgãos da AGU de Brasília no mesmo espaço físico (no prédio da Imprensa Nacional).
A passagem de Gilmar Mendes deixou na AGU a marca do sucesso, do bom sucesso.
Para mim, foi benfazeja a parceria estabelecida com o Ministro Gilmar Mendes. Rara sintonia de ideias e propósitos nos favoreceu e possibilitou realizações edificantes, úteis e necessárias à sociedade.
** "Gilmar Mendes, 20 anos de STF: o acadêmico, o gestor, o juiz" será lançado nesta semana em Lisboa, e em agosto no Brasil
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