Constitucionalista alemão rejeita ideia de que controle judicial é ato político
26 de junho de 2023, 18h37
O objeto e os efeitos do controle judicial são sempre políticos, mas o processo de decidir casos judiciais segue regras legais específicas. Por isso, não pode ser considerado uma operação política, mas, sim, jurídica. Dessa maneira, não é possível assumir que os juízes decidem sempre com base em questões políticas ou interesses pessoais.

Foi o que defendeu o jurista alemão Dieter Grimm, ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, nesta segunda-feira (26/6), no XI Fórum Jurídico de Lisboa.
Grimm fez apontamentos em contraposição à corrente que ele chama de hiper-realista — que presume tal atuação política dos magistrados. O alemão reconheceu que esse fenômeno ocorre em alguns países, mas afirmou que "em democracias constitucionais funcionais, com controle judicial, podemos esperar juízes que buscam seriamente interpretar e aplicar a lei com base no melhor do seu conhecimento jurídico".
Para ele, o mesmo raciocínio se aplica à suposição de que todos os sistemas com controle judicial submetem suas cortes constitucionais ao Executivo, para lhe conferir uma legitimidade adicional.
"A Constituição não se faz cumprir si mesma; ela depende de ser assegurada e implementada", afirmou o jurista. "Porém, a Constituição pode antecipar certos problemas e fornecer remédios".
Ainda segundo o alemão, "se uma lei ordinária é violada pelo povo, o governo faz cumpri-la — se necessário, usando força física. Se o governo viola a Constituição, não há alguma força superior". Na sua visão, "a Constituição pode mitigar a situação, mas não resolver totalmente o problema, porque os juízes também dependem do seu cumprimento por parte dos órgãos superiores do Estado".
Democracia em declínio
A mesa da qual o alemão participou foi moderada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e contou com o advogado Miguel Nogueira de Brito, professor auxiliar da Universidade de Lisboa.
Gilmar citou brevemente dados de um relatório do Instituto V-Dem, publicado neste ano, que mostrou um número maior de autocracias do que democracias liberais no mundo: "72% da população mundial (5,7 bilhões de pessoas) coloca-se atualmente sob a tutela de algum regime antidemocrático". Conforme outro relatório recente, da organização Freedom House, "o mundo experimenta o seu 19º ano consecutivo de declínio da governança democrática".
Já Miguel Brito ficou responsável por apresentar Grimm. Ele disse que o alemão pode ser considerado "o decano dos constitucionalistas europeus" e destacou algumas de suas principais ideias.
Segundo o português, Grimm tem uma visão equilibrada "da relação entre a democracia e justiça social" e também entre "a importância da Justiça constitucional e, por outro lado, a ideia do constitucionalismo como um fenômeno político". Outra ideia bastante propagada por ele é a de que as democracias funcionam apenas no plano dos Estados-nações, essenciais para a vida constitucional de um povo.
Brito explicou que certos críticos da ideia de controle judicial "tentam tirar a Constituição dos tribunais e entregá-la ao processo deliberativo". Já a doutrina de Grimm sustenta que "a jurisdição constitucional é uma forma de salvaguardar a democracia", bem como "uma arma contra o populismo" — o professor citou o Brasil como exemplo dessa tendência nos últimos anos.
O evento
Esta edição do Fórum Jurídico de Lisboa tem como mote principal "Governança e Constitucionalismo Digital". O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (ICJP) e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ/FGV)
Ao longo de três dias, a programação conta com 12 painéis e 22 mesas de discussão sobre temas da maior relevância para os estudos atuais do Direito — entre eles debates sobre mudanças climáticas, desafios da inteligência artificial, eficácia da recuperação judicial no Brasil e meios alternativos de resolução de conflitos.
Confira aqui a programação completa
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