Liberdade de expressão

ONG leva ao Supremo debate sobre campanha contra crueldade com animais

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10 de junho de 2023, 9h45

Uma ONG de proteção de direitos dos animais levou ao Supremo Tribunal Federal a discussão sobre os limites da liberdade de expressão nas campanhas que denunciam crueldade e maus tratos contra animais.

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FreepikAssociação denunciou que empresa usava ovos procedentes de granjas com sistema que impõe sofrimento às galinhas 

Sob relatoria da ministra Rosa Weber, o Recurso Extraordinário com Agravo 1.408.649 foi apresentado pela organização Mercy For Animals contra uma decisão da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que a proibiu de fazer uma campanha em que mencionava a marca Sodiê Doces pelo uso de ovos de granja com sistema de confinamento, um método que, segundo especialistas, impõe sofrimento às galinhas.

A MFA foi condenada ao pagamento de R$ 50 mil por dano moral à empresa. Na prática, representantes da organização temem que, caso seja mantida a decisão, abra-se um precedente de censura à liberdade de expressão nas campanhas das organizações de causa.

A disputa entre a organização e a confeitaria começou em 2018, quando a Mercy For Animals publicou uma campanha (com site e vídeos) contra a prática da empresa. O texto principal da ação era:

"Você consome ovos de galinha que passam quase a vida inteira confinada em gaiolas minúsculas? Se você frequenta a Sodiê é provável que a resposta seja sim. Enquanto outras líderes de mercado como Amor aos Pedaços, Ofner,  Brunella, Starbucks e diversas outras empresas já se comprometeram publicamente a eliminar as gaiolas de suas cadeias de suprimentos, a Sodiê ainda não o fez. Essa prática é uma das piores causas de sofrimento animal e algo que nenhuma empresa deveria permitir."

Em maio de 2021, a 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entendeu que houve lesão à reputação da confeitaria. "O fato é que o vídeo vinculava a marca da autora com a prática de confinamento de aves, maus tratos e negligência, confundindo o público, o que maculou sua imagem comercial perante seus consumidores, e por outro lado beneficia comercialmente concorrentes, que segundo veicula a requerida, assumiram o compromisso na linha de sua visão institucional", disse o então relator do caso, desembargador Alcides Leopoldo.

A defesa da Mercy For Animals, feita pelo escritório Furriela Advogados, acionou então o Supremo. Entre os argumentos, sustentaram que a decisão fere as garantias de liberdade de associação e manifestação de pensamento, além da proteção ao consumidor e ao meio ambiente.

A ministra Rosa Weber recebeu o recurso e, em novembro de 2022, o negou. Na ocasião, seguiu o que está firmado na Súmula 279 do STF, ela compreendeu que "para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem, seria necessário reexaminar os fatos e as provas dos autos, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário". A MFA recorreu novamente com agravo de instrumento. Não há previsão para o julgamento da ação, que segue com a presidente do Supremo.

Afronta à Constituição
A organização destaca um parecer do jurista e professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento. À revista eletrônica Consultor Jurídico, ele defendeu que o julgamento do recurso deve ser iminente. "É uma questão de princípio, proteger a liberdade de expressão, inclusive para criticar práticas comerciais. Além disso, o tema da crueldade com animais tem grande importância ética, e merece apreciação pelo Supremo."

Para Sarmento, o exercício da liberdade de expressão quando voltado a fazer campanha contra o sofrimento animal não pode ser considerado abusivo. "A liberdade de expressão engloba o direito de fazer críticas contundentes relacionadas a temas de interesse social, ainda que elas abalem a reputação ou causem prejuízo a quem for criticado. Não há dúvida de que o sofrimento animal é tema de grande interesse público, inclusive porque sua proibição foi expressamente determinada pela Constituição de 88, no artigo 225, inciso VII."

Segundo ele, a decisão do TJ-SP impôs censura judicial à Mercy For Animals. "O acórdão objeto do recurso extraordinário ofendeu clara e gravemente a Constituição Federal."

Sarmento diz que o acórdão violou a liberdade de expressão e o direito à informação, que é especialmente protegido quando envolve consumidores. "A decisão busca impedir o acesso do consumidor à informação relevante, referente ao fato de os alimentos da Sodiê terem sido produzidos a partir de ovos obtidos com grande sofrimento animal", concluiu.

Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP
Clique aqui para ler a decisão da ministra Rosa Weber
ARE 1.408.649

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