Opinião

No caso de reforma tributária, indispensável previsão que impeça majoração

Autor

  • João Paulo Fanucchi de Almeida Melo

    é advogado tributarista sócio fundador da Almeida Melo Sociedade de Advogados professor da pós-graduação e graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) como Adjunto I doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mestre em Direito Público pela PUC Minas pós-Graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt).

9 de junho de 2023, 17h19

Se é para ter reforma constitucional tributária, entende-se como indispensável e legítimo que o princípio da vedação ao confisco seja revisitado, de modo que seja garantido expressamente que o contribuinte não suportará majoração da carga tributária.

Pois bem.

Em mais de uma oportunidade, defendeu-se, nas salas de aula e em palestras [1], que a reforma tributária constitucional pode ser problemática, de modo que o atual cenário, que é ruim, possa incrível e surpreendentemente piorar. Longe de trazer todos os fundamentos para defender esse ponto de vista, pode-se elencar alguns, sem exauri-los:

a) seria necessário definir, primeira e democraticamente, o “tamanho do Estado” para, após, discutir reforma constitucional tributária. A reforma administrativa deveria vir à frente;

b) a praticidade tributária independe de reforma constitucional, bastando que seja infraconstitucional, racionalizando o sistema;

c) a experiência com a unificação de tributos não dá conforto. O SIMPLES Federal e, após, Nacional, foi/é grande ideia, mas, curiosamente, está complexo. A unificação de tributos, pelo histórico, não é solução tributária no Brasil;

d) é indispensável garantir a autonomia financeira dos entes federados, em total respeito ao pacto federativo. Não há espaço para mais centralização;

e) após mais de 30 trinta anos da Constituição, a jurisprudência constitucional ainda tenta consolidar conceitos, tais como, renda, receita, circulação de mercadorias, faturamento etc. A modificação de tributos vai conduzir ao novo contencioso para discutir novos conceitos;

f) a ausência de lei complementar regulamentadora, que seria deixada “para depois”, gera imprevisibilidade;

g) período de transição, ainda mais a médio ou a longo prazo, é um golpe ao discurso político apresentado de que seria necessário simplificar o sistema tributário.

Enfim, sendo vencida a ideia de que é desnecessária a reforma constitucional, bastando a infraconstitucional, o que se propõe, nesta rápida reflexão, é que seja dada garantia aos contribuintes de que eles não arcarão com majoração da carga tributária, no caso de mudança. Para tanto, o princípio da vedação ao confisco, atualmente positivado, poderia ser refletido e melhor definido. Assim, se é para discutir reforma constitucional tributária, o primeiro artigo em qualquer proposta de emenda constitucional (PEC) deveria prever que o contribuinte não sofrerá com majoração da carga tributária. A partir daí que seria possível, legitimamente, discutir o que constitucionalmente modificar no sistema tributário nacional.

O que preocupa, na verdade, é que, sob o discurso político de justiça, de racionalidade, de simplificação etc., haja, na verdade, majoração à atual alta carga tributária brasileira, que é desproporcional às contrapartidas oferecidas ao povo. Ou seja, é dito em alto bom tom que a reforma seria para simplificar e implementar justiça, mas, no fundo e talvez com espécie de reserva mental, pretenda-se majorar a arrecadação, até mesmo para fazer frente às recentes ações que desencadeiam no aumento de despesas públicas.

Alguns estudos sérios foram feitos, considerando as propostas em andamento, e o cenário é preocupante quando se visualiza a possibilidade de majoração da carga tributária.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), por um lado, afirma que a reforma tributária pretendida pelo Governo trará tanto impacto negativo que ela só será viável se vier acompanhada da desoneração da folha [2]. Por outro lado, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) estima que a reforma causará disparada do preço dos alimentos no varejo [3]. Ainda, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, prevê que a reforma poderá ocasionar em aumento de 22,7% no preço da cesta básica [4].

Tratam-se, claro, de estimativas, mas que refletem perfeitamente o cenário de insegurança do contribuinte frente à reforma.

Assim, entende-se que proposta de reforma constitucional tributária legítima e séria deveria trazer, para segurança do contribuinte, artigo, preferencialmente o primeiro, que garanta a não majoração tributária.

Para tanto, sugere-se que o princípio da vedação ao confisco, que se encontra no artigo 150, IV da Constituição, venha a receber maior concretude. Isso porque quando a Constituição prevê que é vedado aos entes federados "utilizar tributo com efeito de confisco", acaba deixando abstrato o conteúdo do referido princípio.

Em trabalhos anteriores [5], foi possível trazer reflexão sobre o que seria vedação ao confisco em matéria tributária, obviamente levando em conta a abstração do atual texto constitucional. Agora, neste ensaio, a proposta é diferente. Afinal, se é para ter reforma constitucional tributária, por que não dar maior concretude à vedação ao confisco? Por que não prever, nas propostas, que a carga tributária não será majorada?

A resposta aos questionamentos pode ser mais simples do que inicialmente se imagina. Basta revisitar a história e, assim, buscar boa solução.

Se hoje o princípio da vedação ao confisco é abstrato e depende de interpretação de juristas, constituições anteriores deram maior concretude ao referido princípio.

A Constituição de 1946, no seu artigo 19, V, § 6º [6], impôs que o imposto de exportação não poderia ultrapassar a importância de 10% ad valorem.

No entanto, mais precisa foi a Constituição de 1934, que pode servir de inspiração, posto que, em seu artigo 185, previa que o imposto não poderia ser elevado além de 20% do seu próprio valor: "Nenhum imposto poderá ser elevado além de vinte por cento do seu valor ao tempo do aumento" [7].

Sugere-se que o disposto na Constituição de 1934 venha a ser utilizado como referência. Ora, que tal previsão constitucional, a partir de uma das PECs, de que a carga tributária não poderá ser elevada ao tempo da aprovação da reforma tributária? E mais, traga um segundo dispositivo no sentido de que, após a implementação da reforma constitucional tributária, nenhum tributo possa ser elevado além de dez por cento do seu valor ao tempo do aumento?

Enfim, se é para ter reforma constitucional tributária, que seja garantido ao contribuinte não ter que experimentar majoração da carga tributária, especialmente de forma imediata e a médio prazo.

 


[2] REFORMA tributária deve ser aprovada com desoneração da folha. Abrasel [2023]. Disponível em: https://abrasel.com.br/noticias/entrevistas/paulo-solmucci-para-o-setor-de-servicos-a-reforma-tributaria-so-pode-ser-aprovada-com-desoneracao-da-folha-junto/. Aceso em 30 mai 2023.

[3] SUPERMERCADOS: reforma com imposto único aumentará preço dos alimentos. Abras [2023]. Disponível em: https://www.abras.com.br/clipping/noticias-abras/113573/supermercados-reforma-com-imposto-unico-aumentara-preco-dos-alimentos. Acesso em 30 mai 2023.

[4] SEM alíquotas diferenciadas, CNA prevê aumento da cesta básica, da inflação e da carga tributária do Agro. CNA Brasil [2023]. Disponível em: https://cnabrasil.org.br/noticias/sem-aliquotas-diferenciadas-cna-preve-aumento-da-cesta-basica-da-inflacao-e-da-carga-tributaria-do-agro. Acesso em 30 mai 2023.

[5] MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Princípio da capacidade contributiva: a sua aplicação nos casos concretos. 01. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. v. 01. 272p.

MELO, João Paulo Fanucchi de Almeida. Direito Tributário Constitucional: princípios, regras, competências e imunidades. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2022. v. 1. 294p

[6] BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, publicado em 19 set. 1946, republicado em 25 set. 1946 e 15 out. 1946.

[7] BRASIL. [Constituição (1934)]. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934.

Autores

  • é advogado tributarista, sócio fundador da Almeida Melo Sociedade de Advogados, professor da pós-graduação e graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), como Adjunto I, doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Direito Público pela PUC Minas, pós-Graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt).

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