Opinião

A relação entre a corrupção e o Direito Público (parte 3)

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

9 de junho de 2023, 15h18

Em continuidade aos comentários sobre o livro do professor argentino Héctor A. Maíral As Raízes Legais da Corrupção [1], na terceira parte do livro o autor trata dos fatores que incidem diretamente na corrupção no âmbito da administração pública.

Para o autor, um conjunto de fatores influencia de forma direta na propagação da corrupção, sendo eles a existência de normas irreais ou excessivamente ambiciosas, o excesso na outorga de faculdades discricionárias e as travas jurídicas perante o exercício abusivo das referidas faculdades discricionárias.

O primeiro fator, qual seja, a existência de normas irreais ou excessivamente ambiciosas, está relacionado à inviabilidade econômica de se cumprir as regras. Para o autor, é necessária a realização de uma análise "realista" da viabilidade da norma antes de sua edição, de modo a evitar a publicação de normas impraticáveis.

Nesse sentido, Héctor A. Maíral defende que é muito difícil o cumprimento das normas pelos cidadãos, a exemplo das normas referentes à expedição de alvarás, normas que transferem aos particulares o custo do desenvolvimento social, entre outras.

Para tentar ultrapassar essas questões, o autor sugere que se busque objetivos mais modestos que sejam possíveis de ser efetivamente cumpridos ou, optando por regras mais complexas, que possuam sistemas de controle permanentes e eficientes.

A esse excesso de normas se alia o costume da população de ignorá-las, de modo que os administrados se contentam com a edição de normas e não sua efetiva e fiel execução, o que traz prejuízos para a coletividade e possui como fatores determinantes a corrupção na administração inferior e a ineficiência dos processos disciplinares e, no lato escalão, evitar o desgaste político.

Para o autor a imposição, pela classe política, de muitas normas, aliados à manutenção de um funcionalismo público mal remunerado, mal controlado e sobrecarregado, é a combinação perfeita para a proliferação da corrupção.

O excesso na outorga de faculdades discricionárias é, segundo o autor, um outro fator que influencia de forma direta na propagação da corrupção, configurando-se como seus fatores genéricos a discricionariedade no controle e repressão da violação das normas, a concessão ou revogação das autorizações ou outros benefícios previstos pelas regras, o atraso nas respostas aos administrados e a imposição, segundo o autor, desnecessária, da precariedade das concessões e licenças.

Nesse sentido, para Héctor A. Maíral, a questão da discricionariedade na seleção dos controlados pode ser dirimida pela adoção de critérios técnicos e pela inadmissibilidade da defesa baseada na natureza discriminatória do controle, razão pela qual o referido autor chega à conclusão de que as pessoas que observam às normas postas são mais resistentes ao pagamento de propina [2]. Já a multiplicidade das licenças especiais concedidas também enseja a corrupção.

Na mesma linha de raciocínio, a demora em resolver as questões administrativas, especialmente por meio do silêncio administrativo, é analisado de forma equivocada no Direito argentino, pois pressupõe a negativa, o que somente deveria ocorrer em casos específicos.

Dentro desse contexto, o autor defende que nos casos em que seja necessária alguma intervenção prévia do Estado, a referida intervenção poderia ser substituída por outras alternativas, de modo a evitar a prática de corrupção, tendo em vista que se trata de um ambiente fértil para tanto, sugerindo que haja a comunicação do ato por parte da pessoa interessada e a estipulação de consequências em caso do silêncio que ultrapasse um prazo previamente estipulado.

No intuito de buscar alternativas amenizar esse problema, o autor sugere a inversão do ônus da prova a partir do atraso de um período previamente determinação para a decisão e ainda uma atitude inquisitiva em face da negativa de aprovação, por meio de comparação com decisões tomadas em casos similares, além da criação de mecanismos de trâmite urgentes com maiores taxas.

Por fim, Héctor A. Maíral traz como um fator que influencia de forma direta na contenção da propagação da corrupção é a existência de elementos de correção jurídica perante o exercício abusivo das faculdades discricionárias, a exemplo do controle prévio, da participação dos cidadãos, a transparência das decisões públicas, o aprofundamento do controle judicial e implantação de certificações privadas.

 


[2].Maíral, Héctor A. "A corrupção pode explicar esta anomalia, os melhores cumpridores de lei são os mais relutantes em pagar propinas, enquanto os que menos cumprem são os mais dados a essa modalidade" (p. 1.333)

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em função social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em políticas públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJ-DF, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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