Senso Incomum

O analfabetismo funcional e o direito: o que é um texto?

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8 de junho de 2023, 8h00

Existem pessoas que, apesar de saberem ler e escrever formalmente, não conseguem redigir um texto de forma correta nem uma pequena mensagem. E não conseguem interpretar. Talvez por isso o ChatGPT faça tanto sucesso. Ele escreve no lugar de quem não sabe redigir. Bizarro.

Spacca
Informações do Inaf (índice nacional de analfabetismo funcional) dão conta de que 38% dos universitários — sim, dos universitários brasileiros — são analfabetos funcionais. Bom, parece alto o índice. De todo modo, fosse 20% já seria demasiado.

Vejamos o tamanho do buraco. E mais: quantos analfabetos funcionais estão em cargos públicos?

Assim, em tese, um em cada três brasileiros (aproximadamente) não consegue entender o conteúdo dos textos — inclusive desta coluna. Isso explica alguns comentários. E explica o que circula nas redes sociais. Eles são muitos. Vencerão.

E muitos se tornam influencers. No Direito, coachings.

Outro dia escrevi aqui na ConJur sobre os obstáculos epistemológicos. Quanta ingenuidade de minha parte. Na verdade, deveria escrever sobre os obstáculos analbetísticos. Há uma barreira do senso comum que impede a compreensão mínima. É como se não tivesse a "barra", a metáfora entre significante e significado. Por isso o público "cola o relé".

O analfabeto funcional é um psicopata epistemológico, por assim dizer. Dá para entender por que a TV tem uma linguagem que liga diretamente a coisa à palavra, como na notícia "o trigo sobe de preço"… e o repórter está pisando… num trigal. Já escrevi muito sobre essa temática: TV e rádio em tempos néscios e Antes de Adnet, mostrei esgotamento de um "modelo".

No direito a coisa chegou com os resumos, resumos de resumos, mastigados, seja f…, simplificados e desenhados. E agora com a dita inteligência artificial vem repaginada como visual law e quejandices.

Não surpreende que, no nosso sistema de justiça, um tribunal confunda "no mesmo prazo" com "simultaneamente" (aqui).

Quem lê petições? Quem lê tanta notícia? Por que TikTtok faz tanto sucesso? Viva o império do simples. Do fácil.

As palavras estão morrendo. Em 1726 Jonathan Swift já denunciava isso, com seu sarcasmo e as vezes nem tão sutil ironia. Um cientista de Lagado descobriu que as palavras podiam ser extintas. Bastava carregar em seu lugar as coisas. Mostrar. Apontar com dedo. Não diga "balde"; apenas mostre o objeto…

Swift também foi o primeiro a denunciar os emojis. Em Viagens, outro cientista, para eliminar frases, propõe monossílabos e onomatopeias. A literatura sempre chega antes.

Com Swift (e falo apenas dele) dá aprender "direito" melhor do que nas faculdades. Com Machado também. Mas não com machado. A passagem sobre a condenação de Gulliver à pena de morte por ter salvado a rainha do incêndio é impagável… e atual! Comparece-se o Ministério Público das Viagens de Gulliver com o que se vê hoje na cotidianidade das práticas. E o que dizer da crítica filosófica aos empiristas, quando "descreve" o conteúdo dos bolsos de Gulliver? Ah, os fatos brutos…   

Bom, esforçamo-nos e parece que chegamos lá. E vamos para a terra dos Houyhnhnms. Com a certeza de que 38% dos brasileiros (universitários) — e mais um percentual dos já formados — não entenderão esta Coluna.

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