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Leonardo Scopel: O que esperar da contribuição ao Fundeinfra

1 de junho de 2023, 17h27

Por Leonardo Scopel Macchione de Paula

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Ao que parece, tornou-se comum a criação de fundos estaduais no âmbito do agronegócio. Diga-se que se tornou comum, pois, vários são os estados que possuem respectivos fundos, a exemplo de Goiás (Fundeinfra), Mato Grosso (Fethab), Mato Grosso do Sul (Fundersul) e Tocantins (FET). Fundos estes que possuem similitude em sua estrutura normativa, qual seja: exigência de uma contribuição intitulada como sendo facultativa, no âmbito do ICMS, e incidente sobre alguns produtos oriundos da atividade rural, para o fim de o contribuinte se valer de determinados incentivos fiscais.

A criação mais recente destes fundos foi em Goiás. A justificativa para sua criação foi a queda na arrecadação de receitas estaduais, em decorrência da limitação da alíquota do ICMS nos combustíveis [1], que se deu com a aprovação da Lei Complementar n° 194/2022, da qual impediu os estados de fixaram alíquotas superiores ao das operações em gerais.

O Fundeinfra foi criado pela Lei Estadual n° 21.670/2022. Já as possibilidades de cobrança da contribuição a ele destinada foram criadas pela Lei n° 21.671/2022, e regulamentadas pelo Decreto n° 10.187/2022.

De forma bem resumida, três são as situações das quais a contribuição ao Fundeinfra pode ser exigida. E são elas: 1) como condição para assegurar o direito a imunidade do ICMS na exportação de determinadas mercadorias; 2) como condição para manutenção da sistemática de substituição tributária por parte da empresa adquirente (revenda e/ou agroindústria) e 3) como condição para fruição do incentivo fiscal de isenção do ICMS, em determinadas operações.

Com a publicação no Diário Oficial, várias foram as ações propostas a fim de questionar a cobrança dessa contribuição, inclusive ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF, a exemplo da ADI n° 7363, ajuizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), cuja relatoria é do ministro Dias Toffoli, onde foi concedida a liminar para suspender sua cobrança. Porém, não foi referendada pelo plenário.

O objetivo deste artigo, sem esgotar o tema, evidente, é apresentar o possível cenário após a judicialização do tema, em especial, o que esperar do julgamento da ADI n° 7363.

Da alegada facultatividade
De início, importante apresentar aos leitores não tão sintonizados ao tema, de forma objetiva, o que seria essa contribuição, bem como o porque ela é intitulada, para alguns, como sendo facultativa.

O fundo foi criado, segundo o próprio artigo 1° da Lei 21.670/2022, para executar, no âmbito estadual, políticas e ações administrativas para o desenvolvimento da infraestrutura de rodovias, como, por exemplo, recuperação, manutenção, conservação, pavimentação e etc.

A fonte de suas receitas, dentre outras, é uma contribuição, a ser exigida no âmbito do ICMS e sobre determinadas operações de compra e venda de commodities agrícolas, para o fim de o contribuinte se valer de incentivos fiscais. A alíquota varia de 0,5% a 1,65% sobre o valor bruto da operação.

Aqueles que defendem sua facultatividade, assim o fazem, pois, segundo eles, o contribuinte somente recolhe a contribuição acaso queira se valer de alguns incentivos fiscais. Se não quiser recolher, não é obrigado, porém, não terá direito a respectivos incentivos. Mas com respeito àqueles que assim pensam, pela leitura de seus dispositivos, fica claro que de facultativo nada tem.

Como dito, três são as situações das quais a contribuição ao fundo pode ser exigida. As premissas para o recolhimento dessa contribuição são muito simples: quer se valer de determinados incentivos fiscais? Recolha a contribuição! Quer se valer da imunidade do ICMS na exportação (aquela mesma, prevista no 155, §2°, inciso X, alínea "a" da CF/88)? Pague a contribuição! Ou ainda, quer beneficiar a empresa adquirente para que ela possa pagar o ICMS por ela retido, no momento da aquisição da mercadoria, apenas na operação subsequente? Pague a contribuição.

Sem querer entrar no mérito de todas essas premissas, pois fugiria do ponto principal do presente artigo, além de torná-lo extremamente extenso, fica claro, em uma leitura muito rasa, que não existe facultatividade.

Na verdade, o que se entende por facultatividade?

Partindo dos ensinamentos do já saudoso Hugo de Brito Machado, a distinção entre facultativo e compulsório se dá no momento do nascimento da obrigação, pois, no momento do pagamento, todas as prestações são obrigatórias, inclusive as obrigações voluntárias [2].

Assim, se no momento do nascimento da obrigação não existe o elemento volitivo da parte envolvida, a obrigação é compulsória, como a prestação também o será. Porém, se há vontade no surgimento da obrigação (como um contrato, por exemplo), levando em consideração seu nascimento, então ela não é compulsória. Dito isso, pergunta-se: existe o caráter volitivo do contribuinte, quando da formação da contribuição ao Fundeinfra? Evidente que não, portanto, de facultativo nada tem.

E vários são outros argumentos para contrapor a alegada facultatividade. Ora, no caso da exigência do ICMS na exportação (além de ser manifestamente inconstitucional), pergunta-se: entre pagar uma alíquota de 18% (regra geral do ICMS) e pagar a contribuição ao fundo, qual será a "opção" do contribuinte?

Evidente que pagar a contribuição ao fundo, pois, sua maior alíquota é de 1,65%. Entretanto, ele não paga por "mera liberalidade". Ele é obrigado, por razões financeiras, a pagar! Na verdade, é bom que se diga que, na prática, sequer é dado ao contribuinte a opção de pagamento (seja qual for a operação da qual a contribuição ao fundo pode ser exigida), o que é mais um argumento contra a alegada facultatividade.

Isso porque as empresas adquirentes, sejam elas revendas, agroindústrias ou exportadoras, quando da operação que lhes autorizam a reter a contribuição ao fundo, irão fazê-lo, independente da escolha do contribuinte. Em outras palavras: as empresas adquirentes retêm a contribuição ao fundo, repassando o valor da negociação ao vendedor (produtor rural), já com o desconto do percentual relativo a contribuição, sem qualquer chance de o produtor questionar A, B ou C.

O motivo? Deve ser o receio de responsabilizar-se solidariamente pelo pagamento da obrigação (artigo 128 do CTN). Enfim, em que pese tratar-se de algo casuístico, tal fato deve ser levado em consideração.

De todo modo, reitera-se: não há facultatividade! Facultativo seria se o contribuinte, por livre e espontânea vontade, optasse em recolher a contribuição (como se fosse doação mesmo). Porém, se não quiser, nenhuma consequência teria  fato este que não acontece no caso Fundeinfra, pois, se não houver o recolhimento (em que pese, como dito, sequer ser dado a opção ao contribuinte entre recolher ou não), o mesmo sofrerá consequências financeiras de maiores ordens (maior carga tributária).

Da judicialização do tema: O que esperar?
O tema foi, de fato, judicializado. Não só pela ADI ajuizada pela CNI, como também várias outras ações. Citamos, como exemplo, a ADI n° 7.366, ajuizada pela Aprosoja, a ação coletiva n° 5088366-42, também impetrada pela associação no âmbito do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás), além de várias outras ações, sejam elas de caráter coletivo ou individual [3].

O ponto principal dessas ações é: trata-se de contribuição voluntária ou compulsória? Sendo compulsória, tal qual é um tributo e, portanto, inconstitucional.

Como dito anteriormente, na ADI n° 7.363 ajuizada pela CNI, o relator, ministro Dias Toffoli, concedeu a liminar a fim de suspender sua cobrança. Entretanto, o colegiado não referendou a liminar (placar ficou 7 a 3), motivo pelo qual a contribuição voltou a ser cobrada.

Diante deste cenário, muitas dúvidas surgiram, principalmente se o tema Fundeinfra está superado, ou seja, se nada mais pode ser feito. E a resposta é não.

Isso porque, além das ações ainda estarem em andamento (o que implica dizer que o tema ainda está em discussão), o produtor, em especial, deve se ater a alguns pontos, a fim de não sofrer maiores prejuízos, como, por exemplo, nas negociações realizadas em que há a retenção da contribuição, pois estamos acompanhando inúmeras situações das quais a adquirente a retém, porém, de forma indevida, eis que não autorizado por lei.

Além disso (e tantos outros pontos a serem levados em consideração), existe uma questão, ao menos para ser refletida. Trata-se da possibilidade de modulação de efeitos, acaso a ADI ajuizada pela CNI, ou pela Aprosoja, ou outra, seja procedente, porém, com modulação de efeitos. Isso significa que, mesmo o STF entendendo pela inconstitucionalidade da contribuição, tal qual pode modular os efeitos para o futuro. Em outras palavras: apenas a partir da data futura a contribuição não pode ser mais exigida. E o que foi pago, foi, não tendo direito a restituição, salvo aqueles que já propuseram a medida judicial. Esse "salvo" é algo deve ser levando em consideração, ou, ao menos, para reflexão.

Enfim, fato é que a discussão ainda está totalmente aberta e a nossa esperança é que o final seja de um final feliz, com a declaração de inconstitucionalidade da denominada contribuição ao Fundeinfra, que, reitera-se, de facultativo nada tem!

 


[1] "Segundo a Goinfra, o fundo em pauta representa uma alternativa ao déficit de arrecadação decorrente da alteração das alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) dos combustíveis. Nesse contexto, a instituição do Fundeinfra decorre sobretudo da redução das receitas estaduais, o que tem dificultado a manutenção dos projetos pensados para área em que a autarquia atua. Consequentemente, a necessidade de prosseguimento e evolução das políticas públicas para a circulação dos cidadãos, dos bens e dos serviços, inclusive para a produção agrícola, pecuária e mineral, motivam a busca de recursos ora proposta". Essa justificativa está presente na mensagem enviada pelo governador do Estado de Goiás em conjunto com o PL enviado para a Alego. Disponível em: https://saba.al.go.leg.br/v1/merged/view/sgpd/public/Ej3Vh0Kk-wvR8Ip3GpDoWu9o0Sul0i7K0Br8p3Eqz0usUgupi7xUZUYXnNn2eF2-Lyh6NmrjA9YkSqI7Vc_sLseSr2XEJ_YgnjDcXW8jlRiMLPMOIPLDsy5BM4k9A7626P9qWYaFmldPtnyHGK8GTz4OkxUm8WPKnQZObCZkG8Ya8HxYJoTCyk4blAc1_4XRwy1WIAL1CeA-0R8ZRXbSjvOV9S3ZsRX70G-7tQ1F4To=/pdf/2022010803. Acesso em: 20/05/2023.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 35ªed, pág. 57-57.

[3] 1) 5102344-86.2023.8.09.0051; 2) 5099732-78.2023.8.09.0051; 3) 5101913- 52.2023.8.09.0051; 4) 5082240-73.2023.8.09.0051; 5) 5098122-46.2023.8.09.0093; 6) 5107896-32.2023.8.09.0051; 7) 5131372-02.2023.8.09.0051; 8) 5112230-24.2023.8.09.0144; 9) 5112114-18.2023.8.09.0144; 10) 5099732-78.2023.8.09.0051; 11) 5020133-23.2023.8.09.0138; 12) 5181097-57.2023.8.09.0051, todas no âmbito do TJGO, além de tantas outras.