Opinião

Governo zera até 2026 tributos sobre painéis solares e anuncia "pacote verde"

Autores

  • Claudia Abrosio

    é sócia no escritório Ayres Ribeiro Advogados mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

  • Giancarla Coelho Naccarati Marcon

    é advogada doutora e mestre em Direito Tributário e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP.

1 de junho de 2023, 13h20

Muito se tem debatido sobre os aspectos ligados ao desenvolvimento sustentável e os possíveis estímulos para uma econômica circular mais verde.

No entanto, ao contrário do que muitos pensam, o caminho para o desenvolvimento sustentável foi traçado anos atrás pela Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade de Estocolmo (Suécia) em 1972. Nesse momento, o meio ambiente era compreendido como fonte de energia e os recursos inesgotáveis.

Convém aqui abrir um rápido parêntese. Tendo em vista a utilização desenfreada dos recursos ambientais — na contramão do desenvolvimento socioeconômico  vivemos em um cenário completamente diferente do que naquela época.

Entre retrocessos e poucos avanços, em setembro de 2015, ocorreu em Nova York, na sede da ONU, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. O propósito foi ratificar a pobreza como o soberano desafio global da atualidade e a sua extinção como condição essencial para o alcance do pleno desenvolvimento sustentável. Nessa ocasião, os 193 Estados-Membros da ONU adotaram formalmente a Agenda 2030 [1] para o Desenvolvimento Sustentável, composta pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), fomentando condutas e interesses na promoção do desenvolvimento, sem que qualquer das nações seja desprotegida quanto aos critérios estabelecidos.

Resumidos em 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), os compromissos em comum entre os países possuem metas claras na promoção de estratégicas que motivem verdadeiramente a transformação social.

Nesse contexto, cabe trazer destaque para o objetivo 12, que se dedica ao consumo e à produção sustentáveis. A finalidade é de, até 2030, alcançar o crescimento econômico pela aplicação eficiente dos recursos naturais, no intuito de "assegurar padrões de produção e consumo responsáveis", para então alcançar o progresso na efetiva utilização de recursos naturais, criar uma infraestrutura sustentável de serviços, favorecer o acesso à informação e responsabilizar os agentes consumidores desses recursos.

Em síntese, esse objetivo fomenta a implementação de incentivos e planos urgentes em nível mundial direcionados as empresas, principalmente as grandes e transnacionais, no intuito de adotarem práticas sustentáveis e integrarem informações de sustentabilidade no seu ciclo. Por conseguinte, o ODS 12 se torna uma medida séria e de caráter imediato, em benefício direto ao meio ambiente e aos seres que dele dependem de maneira vital.

Fato é que as nações devem desenvolver-se de forma sustentável, direcionando os progressos econômico, cultural e social associados a um meio ambiente saudável. 

No mais, o próprio artigo 225 da CF/88 estabelece que todos os indivíduos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, transmitindo o dever de defesa ambiental, tanto por parte da sociedade (preservação e conservação), quanto por parte do poder público (implementação de políticas públicas).

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Nesse viés, percebemos que as ações devem acompanhar as necessidades do mercado globalizado e as suas inovações, na busca por mecanismos que contribuam verdadeiramente com a evolução de práticas sustentáveis, trazendo condições e opções ecológicas.

De fato, o desenvolvimento nacional também é um dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º, II, da CF/88) e advém, entre outros, da promoção e incentivo, pelo Estado, do desenvolvimento científico, pela pesquisa, pela capacitação científica e tecnológica e pela inovação (artigo 218 da CF/88).

É nesse contexto de desenvolvimento econômico-social sustentável, com o estímulo à ciência e à tecnologia, de mãos dadas com a proteção ao meio ambiente, que a tributação surge como uma ferramenta auxiliar, com a implantação de políticas públicas que fomentem essas áreas. Nessa função extrafiscal, a tributação deixa de ser voltada à mera arrecadação e abastecimento dos cofres públicos para direcionar toda a sua força a tais objetivos constitucionais que devem ser assegurados.

A CF/88 apontou como instrumentos a efetivar a consumação dessa função tão importante da tributação, entre outros, os subsídios, as isenções, as reduções de bases de cálculo, as concessões de créditos presumidos, as anistias e as remissões.

Tais tratamentos tributários especiais são legítimos ao serem acompanhados de estudo do impacto no orçamento público, dando oportunidade de as empresas desenvolverem-se até mesmo no aspecto ambiental do ESG (Environmental, Social and Governance), tornando-se mais fortes e resilientes no mercado.

É importante observar que os estímulos fiscais devem ser inseridos no ordenamento com a devida motivação e razoabilidade, por um determinado período, até que a conduta desejada seja efetivamente concretizada. Isso ocorre, porque o uso extrafiscal não é permanente, na medida em que todos devem contribuir para a manutenção do Estado.

Nesse cenário percebemos que o setor de energia assume cada vez mais o protagonismo nas políticas públicas, uma das mais dinâmicas atualmente [2].

Pois bem. Neste setor, entre outros, tivemos o Programa de Mobilização Energética (PME) [3], o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) [4], o Programa Nacional da Racionalização do Uso de Derivados do Petróleo e do Gás Natural (Conpet) [5], a Política Energética Nacional (PEN) [6], até que no ano de 2001 foi editada a Lei n. 10.295/2001, que trouxe a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia [7] com o compromisso de responsabilização, pelo Poder Executivo, quanto a promoção de mecanismos voltados a  eficiência energética de máquinas e equipamentos fabricados e comercializados e das edificações construídas no país.

Posteriormente, em janeiro de 2007, o Chefe do Poder Executivo adotou a Medida Provisória nº 352, convertida na Lei nº 11.484 do mesmo ano (alterada pela Lei nº 14.302/2022, que dispôs sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital (PATVD), entre outros.

Em síntese, o Padis constitui uma política pública industrial e de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e é voltado às pessoas jurídicas que realizem investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) nos setores de semicondutores e displays (mostradores de informação).

Avançando com a questão até os dias de hoje, o Decreto nº 10.615/2021 que dispôs sobre o Padis sofreu alterações recentes com a entrada em vigor do Decreto nº 11.456/2023. A primeira alteração (artigo 5º) se refere ao cálculo do crédito financeiro a que faz jus a pessoa jurídica beneficiária do Padis, que passou a ter duas sistemáticas de cálculo no tempo: a primeira, até 31 de dezembro de 2024, em que será multiplicado por 2,62, limitado a 13,10% da base de cálculo do valor dos investimentos; e a segunda, de 1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2026, por 2,46, limitado a 12,30% da base de cálculo do valor de investimento.

No mais, dois artigos foram incluídos (artigos 9-A e 11, III), sendo que o primeiro preceitua que os projetos aprovados e os respectivos atos de habilitação concedidos pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (SRFB) até 10 de janeiro de 2022 permanecem vigentes, independentemente de qualquer ato administrativo específico, devendo ser observados três prazos de duração da concessão dos benefícios fiscais, contados a partir da data de aprovação do projeto, e diferenciados de acordo com as atividades que alcancem: 16 anos, 12 anos ou 14 anos.

Já o segundo, ampliou a possibilidade de habilitação de pessoas jurídicas como beneficiárias do Padis dentre aquelas que atuem com insumos e equipamentos dedicados e destinados à fabricação de componentes ou dispositivos eletrônicos semicondutores, relacionados em ato do Poder Executivo Federal e fabricados conforme processo produtivo básico estabelecido em ato conjunto dos ministros de Estado do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e da Ciência, Tecnologia e Inovação, arrolando vários outros produtos, dentre esses diversos relacionados à manufatura ou uso em módulos solares fotovoltaicos e células solares.

Assim, foi inserido no Padis, em boa hora, o setor de painéis fotovoltaicos dirigidos à produção de energia renovável, fazendo com que as pessoas jurídicas que realizem investimento em PD&I possam apresentar os seus projetos e se habilitar no programa, beneficiando-se da tributação diferenciada concedida aos demais setores, com o consequente desenvolvimento do segmento, a redução de custos para a indústria e o consumidor final, a expansão das pesquisas e inovações tecnológicas, treinamento e capacitação de profissionais para atender o mercado, e maior competitividade nos planos nacional e internacional, bem como a tão almejada proteção ambiental e, consequentemente, o atendimento das metas estipuladas nos acordos climáticos.

A produção de energia fotovoltaica, sem sombra de dúvida, é aliada no combate da degradação ambiental e da crise energética decorrente da escassez hídrica que enfrentamos. Assim, a tributação deve contribuir no estímulo ao desenvolvimento e implantação de energia limpa.

No caso de venda no mercado interno ou de importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, para incorporação ao ativo imobilizado da pessoa jurídica adquirente no mercado interno ou importadora, destinados às atividades específicas arroladas, haverá a redução de alíquota a zero até 31 de dezembro de 2026, dos seguintes tributos:

a) PIS/Cofins incidentes sobre a receita da pessoa jurídica vendedora quando a aquisição for efetuada por pessoa jurídica beneficiária;

b) PIS-Importação e Cofins-Importação quando a importação for efetuada por pessoa jurídica beneficiária;

c) IPI incidente na importação ou na saída do estabelecimento industrial ou equiparado quando a importação ou a aquisição no mercado interno for efetuada por pessoa jurídica beneficiária.

Ainda, haverá a redução de alíquota a zero da Cide destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação (artigo 2º da Lei nº 10.168/2000), nas remessas destinadas ao exterior para pagamento de contratos relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica, quando efetuadas por pessoa jurídica beneficiária e vinculadas às atividades mencionadas [8].

A pessoa jurídica beneficiária também poderá fazer jus à isenção do imposto de renda e adicional incidente sobre o lucro da exploração, nas vendas dos dispositivos especificados, bem como sobre as receitas decorrentes da venda de projeto (design). Nesses casos, deverá demonstrar na sua contabilidade, com clareza e exatidão, os elementos que compõem as receitas, custos, despesas e resultados do período de apuração, referentes a tais vendas, em apartado das demais atividades. O valor que deixar de ser pago não poderá ser distribuído aos sócios e constituirá reserva de capital da pessoa jurídica que somente poderá ser utilizada para absorção de prejuízos ou aumento do capital social.

No caso destes últimos dois tributos, as reduções de alíquotas se darão conforme o artigo 65 da Lei em voga, ou seja, por 16 ou 12 anos, ambos contados da data de aprovação do projeto, de acordo com as atividades a que se referem.

Espera-se que estes incentivos fiscais presentes no Padis deem ensejo a benefícios econômicos, tecnológicos e ambientais expressivos para o país. Tais medidas tributárias voltadas ao desenvolvimento do setor de energia renovável são louváveis, mas devemos lembrar que essas ações devem ser expandidas a diferentes setores no Brasil, realizando o tão esperado desenvolvimento sustentável.

Por fim, em abril deste ano, o Ministério da Fazenda anunciou que irá lançar o "pacote verde" para impulsionar a economia com ações sustentáveis, incluindo incentivos para o mercado de crédito de carbono, produção de painéis solares e ampliação da participação de produtos da floresta nas exportações. "A questão energética está na ordem do dia em todo o mundo e o Brasil tem condições de criar produtos verdes e condições de trazer investimentos de longo prazo dada a premência da questão climática do planeta" [9].  

Nesse contexto, o novo Governo já sustentou a importância da criação de uma rota de crescimento sustentável no âmbito da reforma tributária. Os desafios são grandes.

Em síntese, entendemos que, com atitudes responsáveis, a tomada de decisão política alcança objetivos coletivos de melhora em longo prazo, estruturando uma sociedade de maneira produtiva e de maiores escolhas sustentáveis.

Fato é que os estímulos tributários podem e devem auxiliar no alcance do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando um futuro mais sustentável, até mesmo para as próximas gerações. No entanto, é indispensável uma atuação em todas as frentes para que esse objetivo seja alcançado, não apenas no âmbito tributário.

Entendemos que o caminho do Brasil ainda é longo quando comparado com a experiência internacional, no entanto, esse trajeto é verdadeiramente possível.

 


[1] AGENDA 2030. Disponível em: https://sdgs.un.org/2030agenda. Acesso em: 20 mai. 2023.

[2] No setor de energia solar fotovoltaica Minas Gerais é o estado brasileiro que está liderando a marca de geração deste tipo de energia. Dentre as atuações governamentais está o Projeto Sol de Minas, voltado a ações efetivas, como a facilitação da expedição de licenciamento ambiental para empreendimentos no setor e a promoção de incentivos ficais para a cadeia produtiva. Disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-e-o-primeiro-estado-do-brasil-a-superar-marca-de-5-gw-de-geracao-de-energia-solar-fotovoltaica. Acesso em 25. mai. 2023.

[3] Trata de um conjunto de ações dirigidas à conservação de energia e à substituição dos derivados de petróleo.

[4] O programa era voltado ao incentivo do uso eficiente de energia elétrica.

[5] O Programa tem a finalidade de desenvolver e integrar as ações que visem a racionalização do uso dos derivados de petróleo e do gás natural.

[6] O PEN foi direcionado ao aproveitamento racional das fontes de energia, visando a conservação energética e a preservação do meio ambiente.

[7] A Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia visa a alocação eficiente de recursos energéticos e a preservação do meio ambiente.

[8] Vide o artigo 2º da Lei nº 11.484/2007.

Autores

  • é sócia no escritório Ayres Ribeiro Advogados, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP e especialista em Direito Tributário pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários).

  • é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP.

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