Desmilitarização de escola e experimentalismo na gestão da educação básica
21 de julho de 2023, 15h24
O Sesi (Serviço Social da Indústria) é a maior rede de educação básica não estatal do Brasil, com mais de 450 escolas próprias. Aproximadamente um terço de suas matrículas é destinada ao atendimento gratuito. A qualidade do sistema de ensino dessa rede é atestada pelos bons indicadores de suas escolas, especialmente em comparação com estaduais e municipais.
Em levantamento recente sobre as experiências de contratualização da educação básica, identifiquei uma iniciativa aparentemente inédita de parceria entre um município (Alto Horizonte) e o Sesi. O contrato, porém, tem por objeto a gestão pedagógica e administrativa de uma escola municipal de ensino fundamental. Não se trata, portanto, da oferta de serviços por meio de unidade própria do Sesi para alunos da rede pública. É uma situação incomum diante do modelo definido pela Constituição e pelas normas de organização e financiamento da educação básica no Brasil. O aspecto mais curioso da experiência da cidade goiana, no entanto, é que a contratação do Sesi foi a solução adotada após uma curta experiência de militarização da mesma unidade escolar.
O que ocorreu? No final de 2018, o município instituiu uma lei que transformava a Escola Municipal Professor Divino Bernardo Gomes em "Colégio Municipal Militarizado". O modelo previa que o "comando" da escola seria desempenhado por militares da ativa ou da reserva sob a circunscrição da Secretaria Municipal de Educação (artigo 2º da lei municipal 709/18). Diante dessa previsão, foram criadas "funções comissionadas de administração militar e/ou civil" para a escola e áreas como o "Comando e Direção Militar" e a "Divisão Disciplinar Militar" do colégio.
A função de "comandante e diretor", conforme a lei, deveria ser preenchida por um militar (da ativa ou da reserva) da Polícia Militar de Goiás, "preferencialmente" com formação em educação ou "área equivalente", ou ensino superior na área de ciências humanas. Entre as competências do "comandante" estava a de "designar oficiais, praças e servidores civis para as diversas funções" de administração escolar (artigo 7º, XXII, da mesma lei municipal).
Porém, já no final de 2021 — e ainda sob o mesmo governo municipal — a lei que transformava a escola em "Colégio Militarizado" foi revogada. Na época foi celebrado o contrato com o Sesi, que iniciou a gestão da escola a partir de 2022.
O caso de Alto Horizonte indica ao menos três questões relevantes.
A primeira envolve o arranjo denominado "militarização" de uma escola municipal. A lei que criou o colégio militarizado atribuía a administração da escola a pessoas que não necessariamente seriam profissionais da educação básica, nos termos exigidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
E note-se que nem mesmo a proposta de militarização — que já não teria fundamento — se mostrava autêntica naquilo que seria seu núcleo fundamental. Isto porque a escola seria dirigida, em verdade, por agentes militares, mas não supervisionada pela corporação militar e, de modo específico, por setores da polícia habilitados para uma gestão pedagógica de ensino.
Tratava-se, enfim, de um vínculo entre agentes militares e a prefeitura, e não de uma cooperação com a PM, que de fato mantém colégios militares no estado de Goiás. Ou seja, a denominação do projeto, como suposta "militarização", pode ter induzido à percepção social equivocada sobre o experimento que seria desenvolvido. E vale destacar que o frágil modelo adotado por Alto Horizonte não destoava, na essência, do que veio a ser a fórmula do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado por decreto federal em 2019, e que será descontinuado diante de diversas irregularidades, conforme anunciado pelos representantes do Ministério da Educação.
A segunda questão envolve o papel do Sesi na gestão da rede pública de ensino. A gestão integral (pedagógica e administrativa) de escolas de educação básica de ensino fundamental mediante contrato de gestão com entes não estatais é uma solução juridicamente controversa e de difícil implementação na maior parte dos municípios brasileiros, tendo em vista, entre outros fatores, os limites estabelecidos pelas normas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Ainda assim, no caso de Alto Horizonte, aparenta ser um modelo bem mais promissor do que o experimento de militarização municipal. A conferir os seus desdobramentos.
A terceira e última questão envolve, afinal, os limites do experimentalismo na gestão pública da educação básica — aqui, avaliada apenas sob o ângulo estritamente jurídico, sem considerar eventuais implicações éticas. A opção da Constituição é por um modelo de administração predominantemente estatal e de gestão civil das redes públicas de educação básica. Seus contornos e requisitos, incluindo o perfil dos servidores públicos, são definidos pela legislação, com destaque, em âmbito nacional, para a LDB, o Plano Nacional de Educação e as normas do Fundeb. Não há qualquer previsão de gestão militar para as redes de ensino regular.
É oportuno lembrar que os verdadeiros colégios militares, vinculados diretamente às Forças Armadas (no plano federal) ou às Polícias Militares (em âmbito estadual), regidos por normas específicas, cumprem um papel de formação dentro do sistema de defesa e de segurança, dissociado das redes estaduais e municipais regulares de ensino. A ideia de militarizar escolas da rede pública causou, portanto, entre outros prejuízos, uma indesejável confusão conceitual na opinião pública — e que, aparentemente, começa agora a ser desfeita.
Aliás, a operação de escolas estaduais e municipais inseridas em programas desse tipo deverá ser criteriosamente avaliada pelos Tribunais de Contas, podendo resultar em problemas para os gestores públicos. Isto porque os recursos da educação básica devem ser aplicados em ações de manutenção e desenvolvimento de ensino, nos termos da legislação. Gastos que destoam dos critérios legais não serão aceitos e podem gerar diversos questionamentos.
Por fim, as parcerias. Algumas alternativas de contratação com o setor privado são compatíveis com o sistema público de educação básica, de modo excepcional ou transitório, para a oferta complementar de vagas. Também são viáveis contratações destinadas à dimensão infraestrutural e administrativa das escolas. Mas a regra geral é que a gestão pedagógica das escolas de educação básica, especialmente no ensino fundamental e médio, seja conduzida por professores civis da rede pública.
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