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“O Plenário Virtual, esse outro desconhecido”, de Camila de Souza

16 de julho de 2023, 8h00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

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"O Supremo Tribunal Federal, esse desconhecido", de Aliomar Baleeiro, parece-me publicado pela primeira vez em 1968. Uma época de crise nas relações entre Judiciário e Executivo, mais uma, muito bem estudada em livro essencial de Felipe Rocondo, "Tanques e Togas, o STF e a Ditadura Militar".

Como mote no título do livro de Baleeiro, a pesquisadora Camila Nascimento de Souza publicou pela Lumen Juris um alentado estudo sobre o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, com o título "O Plenarío Virtual, esse outro desconhecido". Um jogo de palavras inteligente e para iniciados. E é um assunto para se levar muito a sério, e Camila o fez. Ao que consta, 90% dos julgamentos colegiados na Corte Suprema são processados nessa modalidade.

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Na origem, a pesquisa é uma dissertação de mestrado, com orientação e inspiração em Patrícia Perrone Campos Mello, constitucionalista brasileira muito prestigiada e preparada, que assina o prefácio, que faz referência a Leda Boechat Rodrigues, a sempre relembrada historiadora da Corte Suprema.

Leda foi casada com o historiador José Honório Rodrigues, que foi diretor do Arquivo Nacional, com quem esteve em Washington, onde impressionou-se com a Suprema Corte americana. Leda, inclusive, deixou-nos uma obra básica sobre o constitucionalismo norte-americano. Leda Boechat, Patrícia Perrone e Camila de Souza formam, nessa lógica historiográfica, um olhar privilegiado sobre o ambiente das grandes decisões constitucionais.

Camila explica a construção conceitual do Plenário Virtual a partir do instituto da repercussão geral. O Plenário, nessa leitura, significa, segundo a autora, uma solução para a repercussão geral e para a administração do acervo dos recursos extraordinários. É a crise do extraordinário, preocupação recorrente em magistrados como Moreira Alves, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes. Conceitualmente, a autora insiste que o Plenário Virtual deu fim à ausência como anuência, com forte referência na Emenda Regimental 50/2020.

O pano de fundo do livro consiste na concepção realista de que a desmaterialização dos segmentos da vida, com a extensão do ambiente digital tem, também e inexoravelmente, uma inflexão nos ambientes de julgamento. Nesse caso, o Plenário Virtual significa continuidade e permanência, dada sua imaterialidade. A autora ilustra esse argumento com a lamentável invasão de 8 de janeiro de 2023. No dia seguinte, registra Camila, a ministra Rosa Weber (na presidência) "convocou um tipo de sessão virtual sem precedentes: a sessão virtual extraordinária permanente".

Para Camila, o Plenário Virtual é uma realidade. É indício da concepção de uma quase transformação de julgamentos em tecnologia, argumento que Camila sustenta com base em Richard Susskind, autor canônico nesse tipo de pesquisa.

O tema da digitalização do direito, no sentido procedimental, é também explorado por Leonardo Peter da Silva ("Justiça Digital Sustentável", livro cuja resenha publicarei em breve) e, quanto a tema específico de direito público, o direito fiscal, por Paulo Mendes de Oliveira (em artigo que publicou com Andréa Mussnich Barreto, sobre os julgamentos virtuais do STF e o direito tributário).

O capítulo 4 do livro me pareceu o mais instigante. A autora analisa o novo desenho institucional do Supremo a partir da ampliação de competências do Plenário Virtual. Apresenta ao leitor um conjunto de diagnósticos e visões para o futuro. Camila lembra-nos que o ambiente é novo, mas que persistem problemas antigos, o que alimenta alguma incompreensão da comunidade jurídica.

Ainda que resultado de pesquisa acadêmica o livro é prático e destinado também ao uso de quem operamos na Suprema Corte. Há fluxogramas, tabelas de evolução normativa e, principalmente, um passo a passo de muita utilidade, apresentado com base em informação e desenho do próprio Supremo. Um livro para ser lido com outro recentemente publicado em homenagem a Roberto Rosas, pioneiro no estudo do direito sumular, obra coletiva coordenada por Gilmar Mendes e Victor Pinheiro, que também resenharei ao terminar essa importante leitura.

Penso que Camila Nascimento de Souza apresenta-nos um livro prático, talvez confirmando que a história das instituições jurídicas é também prioritariamente a narrativa dos tempos presentes.