Opinião

Aprofundar sim, retroceder jamais — um viva (com cautela) à reforma tributária!

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15 de julho de 2023, 9h13

Está aprovado o texto-base da reforma tributária pela Câmara dos Deputados!

Sim, é histórico, era uma demanda antiga da sociedade, uma necessidade para que o Brasil se coloque em pé de igualdade com os chamados países desenvolvidos, contribuindo ainda mais para seu ingresso no seleto grupo de países que integram a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Longe de ser um texto perfeito, há motivos de sobra para celebrar, como o fim do perverso efeito cumulativo da tributação sobre o consumo, o fim do chamado "cálculo por dentro" do ICMS, garantindo maior transparência e, principalmente, permitindo que a sociedade, como um todo, consiga enxergar quanto se paga de imposto desde a compra de uma garrafa de água até uma operação combinada de compra de aparelho celular com a assinatura de um pacote de dados.

Não param por aí os motivos para comemorar o caminho que a reforma tributária vem pavimentar. A unificação da legislação sobre tributação do consumo de 27 estados e mais de 5.500 municípios é ferramenta essencial na busca da simplificação do sistema tributário brasileiro, tido como um dos mais complexos e onerosos do mundo, não exatamente por sua carga tributária em si (diga-se, elevada), mas pelo custo de conformidade tributária.

Sim, haverá um (longo) período de transição e certamente dificuldades irão aparecer.

Implementar uma reforma tributária tão abrangente é um processo complexo que requer coordenação entre diversos órgãos governamentais e partes interessadas. Pode levar tempo para que as alterações sejam totalmente implementadas, e desafios podem surgir ao longo do caminho, incluindo resistência de determinados setores e a necessidade de ajustes com base nos resultados verificados, na prática, no mundo real. O compromisso do governo em monitorar e enfrentar esses desafios será crucial para garantir o sucesso da reforma.

É preciso, contudo, algumas cautelas. A análise cuidadosa do texto-base aprovado revela um universo de temas e situações de extrema relevância que ainda dependem de regulamentação, que poderá, infelizmente, não ser conhecida antes do desfecho da votação no Senado.

Tão importante quanto o passo dado pela Câmara dos Deputados torna-se imprescindível acompanhar e ter uma discussão ampla na sociedade no que diz respeito às regulamentações que obrigatoriamente virão via lei complementar (LC), resolução do Senado ou via decreto.

Exemplos não faltam.

A começar pelo Simples. À já não tão simples LC 123/06 uma nova lei complementar deverá ser incorporada para regulamentar como fica o tratamento diferenciado dispensado às micro e pequenas empresas considerando os dois novos tributos criados pela Reforma Tributária: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Para os contribuintes do Simples — maior grupo de contribuintes no país —, deverá, ainda, a Lei Complementar, regrar situações como a possibilidade desses contribuintes recolherem de forma separada o IBS e a CBS e, nesses casos, a apropriação de créditos tributários em operações anteriores. Não é pouca coisa.

Por falar no IBS e na CBS, dada a nova competência que será outorgada pelo legislador constituinte fruto dessa reforma tributária, será uma (ou mais de uma) lei complementar que irá instituir esses novos tributos. É nesses normativos que saberemos, em melhores e maiores detalhes, como de fato se dará a nova tributação.

A definição dos fatos geradores do IBS deverá levar em conta os controvertidos conceitos do que é um bem ou serviço, o que são bens materiais ou imateriais, ou mesmo o que é um direito — atualmente, há centenas de discussões que giram em torno desses conceitos, desde situações simples de locação com ou sem mão de obra, até operações mais complexas que envolvem, por exemplo, o licenciamento de um software de forma não isolada.

A própria mecânica de como se dará a cobrança sobre o somatório das alíquotas do estado e do município de destino da operação, que deverá observar os princípios da neutralidade e da não cumulatividade, são temas que igualmente ficarão a cargo do legislador complementar.

Ainda sobre o IBS, a lei complementar poderá definir como sujeito passivo do imposto, ou seja, quem será obrigado a pagar ou assumir o ônus do imposto, a pessoa que concorrer para a realização, a execução ou o pagamento da operação, ainda que residente ou domiciliada no exterior.

Mas talvez o fator mais relevante e que ainda pende de maior clareza é "qual será a alíquota" (combinada) desses novos tributos. Fala-se em 25%, mas fato é que a regulamentação virá, não se sabe quando, por meio de resolução do Senado, que fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, devendo, ainda, observar os termos da tal lei complementar sobre o tema. Vale lembrar que os estados e municípios manterão a autonomia para definição das suas próprias alíquotas, respeitado, é claro, os parâmetros definidos tanto em lei complementar quanto nas resoluções do Senado.

Muito tem se especulado que o setor de serviços é quem "pagará a conta", ao mesmo tempo em que ecoam vozes do próprio governo ou dos mentores da Reforma de que não haverá aumento da carga tributária. Como calibrar a definição da alíquota com setores econômicos cujo maior gasto se concentra na mão de obra, ou seja, com pessoas? Nesses casos, prevalecerá o princípio da neutralidade? Não é tarefa fácil calibrar simplificação com justiça fiscal, mas é imprescindível que todos esses aspectos seja debatidos com profundidade com a sociedade.

Outro exemplo é o chamado "Imposto Seletivo", chamado por muitos como "imposto do pecado" por associá-lo à tributação sobre cigarro ou bebidas alcoólicas. Nesse caso, a regulamentação virá via lei ordinária, que, estima-se, irá detalhar quais são os bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente que devam ser objeto de uma tributação seletiva, diga-se, mais pesada.

Mesmo que aguardada há décadas, com os projetos de emenda à Constituição já de longa data por nós conhecidos, o que se viu nas últimas horas que antecederam sua aprovação final foi uma verdadeira correria. Não faltaram vozes no sentido de que a votação foi às pressas. Exemplo disso é a inclusão, de última hora, sob forte pressão de deputados e alguns governadores, da concessão de imunidades para templos religiosos ou mesmo de uma nova contribuição que poderá ser instituída pelos estados e pelo Distrito Federal sobre produtos primários ou semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação. Como se deu a discussão desses pontos em tão pouco tempo?

Longe de ser o discurso do autor, não se nega, a partir do que se viu no desenrolar de sua votação, o real desconhecimento de larga parcela dos deputados no que diz respeito ao texto final submetido à aprovação. Diante de uma reforma estruturante dessa envergadura, que certamente irá promover profundas alterações no dia a dia, e no bolso, de muitos brasileiros, é importante questionar se a sociedade está sendo devidamente representada nos debates.

Ainda há muito trabalho a ser feito. Com o encaminhamento da proposta para o Senado, espera-se que essa instância faça jus ao seu papel de "casa revisora" de forma a melhorar o texto, eliminar distorções, evitar aumento da carga tributária especialmente para setores que mais empregam e buscar uma maior simplificação. Ideal mesmo seria, juntamente com a votação no Senado, que já estivessem preparadas e prontas as minutas de leis complementares, leis ordinárias e resoluções, para aí sim, termos clareza ampla do que vem pela frente e evitar o efeito surpresa, um gosto amargo que nos acostumamos a engolir em não raras vezes, seja via Legislativo, seja via Judiciário.

Mesmo não sendo o texto perfeito e apesar das mudanças relevantes ocorridas durante o processo de discussão e votação, a nova legislação esperada representa um passo significativo rumo à simplificação do sistema tributário, redução da burocracia fiscal e promoção do crescimento econômico. As mudanças nos impostos sobre o consumo e a introdução do IVA Dual visam criar uma estrutura tributária mais justa, transparente e eficiente. Embora o processo de implementação possa enfrentar desafios, o foco do governo em melhorar a administração tributária e estimular a economia demonstra um compromisso com reformas de longo prazo.

A aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados é, sim, motivo de alegria e vitória, mas é de igual importância termos clareza de como o tema será regulamentado no pós reforma.

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