Grandes temas, grandes nomes do Direito

CP não comporta uso da teoria da cegueira deliberada contra lavagem, diz Bottini

14 de julho de 2023, 9h45

Quando se trata de lavagem de dinheiro, a lei brasileira exige que, para ser punida, a conduta deve ter sido praticada de forma dolosa. No entanto, é possível aplicar a lei substituindo o dolo pela teoria da cegueira deliberada? O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini defende que não.

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No Brasil, tipo penal de lavagem de capitais exige um ato de ocultação, destacou Bottini

Livre docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP, Bottini falou sobre os conceitos de dolo e culpa no âmbito da Lei de Lavagem de Capitais em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde a última semana. Nela, algumas das mais influentes personalidades do Direito falam sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Inicialmente, Bottini destacou o peso do fator dolo no tipo penal de lavagem brasileiro. Para ilustrar a ideia, ele comparou a legislação local com os diplomas similares criados em países europeus.

"Nós vemos que a redação do nosso tipo penal de lavagem de dinheiro é bastante diferente. No Brasil, a lavagem de dinheiro exige um ato de ocultação, de esconder, mascarar aqueles bens provenientes do delito. Na Europa, não. Lá, o mero recebimento do produto do crime, a mera aquisição, já é caracterizada como lavagem de dinheiro. O tipo 'lavagem de dinheiro' na Europa é muito mais amplo, muito mais abrangente do que no Brasil. Lá não é necessário haver a ocultação."

Diante disso, prosseguiu Bottini, a prática de lavagem de dinheiro "por imprudência, por negligência, por imperícia" — ou seja, a prática culposa — não é uma forma prevista como crime na legislação brasileira, ao contrário da maior parte dos países europeus.

Esse cenário, por sua vez, levanta outra questão: é possível, no ordenamento brasileiro, substituir o dolo pela teoria da cegueira deliberada para imputar o crime a uma pessoa que se coloca em posição de ignorância sobre a origem dos valores que ela oculta?

"Eu entendo que não. O artigo 20 do nosso Código Penal prevê que uma pessoa que desconhece um dos elementos do tipo penal — por exemplo, a origem dos bens, no caso da lavagem de dinheiro — não pode responder pela prática dolosa. A não ser que existam indícios claros, e que ela conheça esses indícios, que façam com que ela suspeite da origem dos bens", explicou ele.

"Nesse caso, então, haveria o dolo eventual, que é admitido, pela maior parte da jurisprudência, como elemento da lavagem de dinheiro. Mas a cegueira deliberada — aquela que não sabe da origem daqueles bens porque eventualmente se colocou numa posição de cegueira deliberada — não pode substituir o dolo no nosso ordenamento jurídico", disse Bottini.

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:

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