Opinião

​​​​​​​Serviço militar obrigatório: até quando?

Autor

6 de julho de 2023, 16h18

Numa manhã de domingo de dezembro de 1969, no âmbito da Comissão Presidencial sobre Forças Armadas Totalmente Voluntárias, conhecida como Comissão Gates, constituída pelo então presidente Nixon, o general William Westmoreland, então chefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, fora convidado para reunir-se com a mencionada comissão, embora a encarasse como um atentado ao Exército, oportunidade na qual dissera que não apreciava a perspectiva de comandar um exército de mercenários, na medida em que havia a proposta de extinguir o serviço militar obrigatório, tornando-o profissional e remunerado [1].

Reprodução

Milton Friedman, renomado economista norte-americano do século 20, membro da Comissão Gates, retrucou o general, indagando se ele preferia comandar um Exército de escravizados. Respondera Westmoreland, por sua vez, que não gostava de ouvir alistados patriotas serem chamados de escravizados.

Friedman novamente retrucou que também não gostava de ouvir voluntários patriotas serem chamados de mercenários, quando argumentou que, se assim fosse, ele, Friedman, seria um professor mercenário, que cortava cabelo com um barbeiro mercenário, atendido por um médico mercenário e que tratava de assuntos jurídicos com um advogado mercenário. Concluiu Friedman, ainda em sua resposta, que, naquela equivocada linha argumentativa, o general Westmoreland também seria um mercenário [2].

A Comissão Gates, dois meses depois votou à unanimidade pelo fim do alistamento obrigatório e, em 28 de setembro de 1971, Nixon promulgou a lei que findava o serviço militar obrigatório nos EUA [3]. Na Europa, com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o serviço militar obrigatório fora abolido na maioria de seus países e, dos 29 que são membros da Otan, somente 06 mantiveram a imposição, de modo que se pode afirmar que EUA, Reino Unido e mesmo o Canadá têm suas forças armadas exclusivamente profissionais há mais de 50 anos [4].

A Constituição Federal de 1988 ressaltara que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei [5], e a Lei do Serviço Militar, de 1964, dispusera que todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar [6], além de que tal obrigação, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 anos de idade, quando deverá apresentar-se para fins de seleção ao Serviço Militar inicial nas Forças Armadas e eventual posterior convocação [7].

Certo que as mulheres e os eclesiásticos estão isentos em tempo de paz e que cabe às Forças Armadas, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, também, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência [8], bem como, haver diversas hipóteses de dispensa de incorporação [9]. No entanto, aos refratários e insubmissos são previstas especiais sanções [10], sem prejuízo de que nenhum brasileiro entre 19 e 45 anos poderá, sem fazer prova de que está em dia com as suas obrigações militares, obter passaporte, carteira profissional ou mesmo assumir cargo público, dentre outras hipóteses [11].

Quanto ao serviço alternativo, a lei dispusera que será prestado, a rigor, em organizações militares, e que a recusa ou cumprimento incompleto, sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal do convocado, implicará o não-fornecimento do certificado correspondente [12], de maneira que, em última instância, pode-se afirmar, sem hesitação, que a lei mantém o serviço militar obrigatório, mesmo em tempo de paz.

Considerando que a última participação do Brasil em guerras remete à Segunda Guerra Mundial [13], finalizada no ano de 1945, bem como, que as nações ocidentais mais proeminentes já aboliram o serviço militar obrigatório, o que pretende, ainda, o Brasil, oferecendo a seus jovens adultos, numa fase de inserção social e de consolidação de valores humanitários, a empunhadura de um fuzil?

 


[1] APPELBAUM, Binyamin. A Hora dos Economistas: Falsos Profetas, Livre Mercado e a Divisão da Sociedade. Tradução Tereza Dias Carneiro. 1. ed. Rio de Janeiro. Sextante, 2023. E-book.

[2] Idem.

[3] Bisidem.

[5] Artigo 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

[6] Artigo 2º da Lei Federal nº 4.375/1964.

[7] Artigo 13, parágrafo único, 16 e 17, da Lei Federal nº 4.375/1964.

[8] Artigo 143, §§1º e 2º.

[9] Artigo 30 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[10] Artigos 24 a 26 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[11] Artigo 74 da Lei Federal nº 4.375/1964.

[12] Artigo 3º e §§ da Lei Federal nº 8.239/1991.

[13] Aqui. Acesso em 28/06/2023.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!