Opinião

Quebra da coisa julgada em matéria tributária: os limites da decisão do STF

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5 de julho de 2023, 15h24

Como largamente noticiado desde o julgamento dos Recursos Extraordinários 949.297 e 955.227, Temas 881 e 885, o Supremo Tribunal Federal discutiu, à luz dos artigos 3º, IV, 5º, caput, II e XXXVI, 37 e 150, VI, c, da Constituição, o limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese de o contribuinte ter, em seu favor, decisão transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, por sua vez declarado constitucional em momento posterior, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, exercido pelo STF.

Objetivamente o Supremo decidiu que, em se tratando de tributos recolhidos de forma continuada, os efeitos de uma decisão definitiva proferida em favor de um contribuinte cessam quando o tribunal se pronunciar em sentido contrário. 

Ou seja, ainda que o contribuinte possua decisão definitiva, em matéria tributária, desobrigando-o de recolher determinado tributo em decorrência de sua inconstitucionalidade, havendo decisão superveniente do STF em sentido contrário, pela constitucionalidade do tributo, ele passa a ser devido desde a decisão proferida pelo Supremo, se em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade.

Assim, foram fixadas as seguintes teses:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Em razão da grande relevância do tema, as teses firmadas foram largamente debatidas pelos juristas, mas principalmente sob o prisma da inobservância ao princípio constitucional da segurança jurídica. Todavia, pouco se discutiu sobre o alcance dessa decisão, que claramente tem seus limitadores. 

O primeiro balizador que se pode destacar, é a irretroatividade da decisão da corte. 

Conforme estabelecido pelo STF, à exceção dos casos em que o Supremo já tiver se pronunciado sobre a constitucionalidade de um tributo anteriormente declarado inconstitucional em uma decisão interpartes, a Fazenda não poderá cobrar valores não recolhidos, retroativamente, com base na tese da quebra automática da coisa julgada.

Exemplificativamente: na hipótese de um contribuinte possuir uma decisão transitada em julgado, que afasta o recolhimento de determinado tributo pela sua inconstitucionalidade, e em seguida, esse tributo ser declarado constitucional pelo STF, só a partir de então é que a Fazenda Pública poderá exigi-lo, observando além a irretroatividade, as anterioridades nonagesimal e do exercício.

Nesse sentido, a cobrança retroativa de tributos não se dará de forma indiscriminada. 

Além disso, as teses permeiam a possibilidade de que uma decisão de mérito posterior, que consigne a constitucionalidade de um tributo anteriormente declarado inconstitucional, possa gerar a "quebra automática da coisa julgada".

Assim sendo, uma decisão de modulação de efeitos, por exemplo, não está sujeita à quebra automática da coisa julgada.

É o caso da decisão proferida pelo STF nos Embargos de Declaração fazendários, no RE 574.706, Tema 69, que não se equipara a uma decisão definitiva de mérito que envolve relação jurídica de trato continuado, para fins de permitir a quebra automática da coisa julgada formada em processos interpartes. 

Veja-se os seguintes trechos do voto do relator, Edson Fachin:

"Repise-se que a discussão gravita em torno da oponibilidade da dimensão subjetiva de coisa julgada formada em demanda individual em face de processo objetivo com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, quando os conteúdos dos atos decisórios são opostos em relação à constitucionalidade de tributo, fixando a existência ou não de relação jurídico-tributária de trato continuado entre Contribuinte e Estado.
(…)

Ante a natureza continuada da relação jurídico-tributária e a condição implícita traduzível na cláusula rebus sic stantibus, entendo que juízo de constitucionalidade de lei instituidora de tributo em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade possui o condão de modificar o estado de direito, consistindo em ius superveniens, à luz do efeito vinculante e da eficácia erga omnes produzidos pelas decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102, §2º, da Constituição da República), assim como pela função constitutiva do Direito dos precedentes judiciais."

Nesse sentido, caso um contribuinte que tenha ajuizado ação judicial posteriormente a 15 de março de 2017, marco da modulação de efeito no caso da "tese do século", possua uma decisão transitada em julgado que lhe permita excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, inclusive nos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, só poderá ver sua coisa julgada desconstituída por meio de ação revisional.

Isto porque, repise-se, os Temas 881 e 885 só autorizam a quebra automática da coisa julgada quando postas em contraposição decisões de mérito que envolvam relação jurídica de trato continuado, às quais não se equipara a decisão que se cinge a modular efeitos temporais de aplicabilidade de determinado julgado.

Destarte, o julgamento acerca da quebra automática da coisa julgada não se aplica indistintamente a qualquer decisão transitada em julgado. 

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