Regulação concorrencial de plataformas é ponto de inflexão, diz conselheiro do Cade
3 de julho de 2023, 16h45
A regulação concorrencial das plataformas é um ponto de inflexão no debate sobre defesa da concorrência nos mercados digitais no Brasil. E a discussão sobre remuneração de veículos por conteúdos jornalísticos publicados em redes sociais é um dos pontos que merecem destaque nesse tema.

Essa é a avaliação de Victor Fernandes, conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). De acordo com ele, nos últimos anos tem se debatido a suficiência das leis de defesa de concorrência mais tradicionais para lidar com o poder econômico das grandes plataformas digitais.
"Nós temos diversos relatórios elaborados por autoridades de defesa da concorrência, governos, instituições da academia e da sociedade civil mostrando que o direito da concorrência enfrenta desafios muito particulares para lidar com a realidade dos mercados digitais, principalmente porque são serviços que não são baseados em preço e que estão se organizando em torno de ecossistemas. Uma plataforma, hoje, não é mais só mais uma prestadora de um serviço principal, mas organiza um ecossistema de vários serviços em mercados adjacentes. Todos esses fatores estão colocando em questionamento a suficiência das leis de defesa da concorrência", disse ele.
A avaliação do conselheiro do Cade foi feita em entrevista que faz parte da série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde o mês de maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.
Fernandes destacou na conversa a atuação jurídica da União Europeia no tema. Segundo ele, há cinco anos o bloco tem aplicado leis de defesa da concorrência contra as grandes plataformas mirando situações como abuso de posição dominante por autopreferência (quando empresas dão preferência aos seus serviços próprios).
"Isso tem resultado em condenações bilionárias por parte da União Europeia. No ano passado, o bloco aprovou uma nova lei de regulação concorrencial para os mercados digitais, conhecido como Digital Markets Act. O objetivo dessa lei é tentar tornar os mercados digitais mais justos e contestáveis."
Isso envolve, segundo o conselheiro, o reconhecimento de complementadores — agentes econômicos que atuam em mercados secundários, como entidades de produção de notícias. "Elas têm de ser recompensadas na exata medida do valor que elas geram para esse ecossistema digital. Vivemos este momento em que estamos discutindo não mais o direito e a defesa da concorrência, mas uma regulação concorrencial de plataformas. No mundo inteiro, novas legislações estão sendo discutidas. O Brasil está enxergando tudo isso, mas fica claro que esse é um ponto de inflexão no debate sobre defesa da concorrência nos mercados digitais."
A remuneração de conteúdo jornalístico por parte das plataformas é uma discussão "muito importante", segundo Fernandes. O conselheiro destacou que o Projeto de Lei 2.630/2020, que regulamenta as plataformas digitais no país, prevê que o Cade deve fiscalizar o abuso de poder econômico das empresas sobre o tema.
"Na França, inclusive, essa discussão começou a partir da autoridade de defesa da concorrência que condenou uma dessas grandes empresas determinando que fizesse essa remuneração de conteúdo aos editores e produtores jornalísticos. Na Austrália também temos uma lei que foi aprovada com esse mesmo papel e que é aplicada pela autoridade de defesa da concorrência de consumidor. Esse debate aparece no PL 2.630/2020. Claro, é muito difícil saber o que é uma cobrança abusiva. Isso é um debate que precisa ser mais bem discutido, mais bem compreendido, para se saber exatamente qual é o papel de uma autoridade de defesa da concorrência na intermediação dessa relação, desse conflito entre plataformas e produtores de conteúdo."
Para o conselheiro, o tema deve ser discutido considerando-se sua escala global. "Nós não podemos aceitar que em cada país se dê um tratamento jurídico diferente a essa temática, sob pena de comprometermos a prestação desses serviços. O caso do Canadá é muito interessante nesse aspecto, onde uma das empresas, diante de uma determinação de remuneração de conteúdo, decidiu descontinuar o serviço lá. É um debate global, e no qual, de alguma forma, temos de fazer uma medida de convergência nesse assunto."
Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:
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