Paradoxo da Corte

Arbitragem e hipossuficiência num recente precedente do TJ-SP

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

31 de janeiro de 2023, 8h00

Numa obra pouco conhecida nos dias atuais, ressalta Manoel Martins da Costa Cruz que o bom juiz pode ser muito culto e conhecer bem as leis, mas para que ele seja justo nas suas decisões, deve entender a complexidade da condição humana que emerge da dinâmica dos fatos (O Advogado da Roça, Rio de Janeiro, Typ. Fonseca, 1917, pág. 28).

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Cada caso é um caso — como diria Calamandrei (Elogio dei Giudici Scritto da un Avvocato) — e o juiz consciente da dimensão de sua nobre função tem por dever ajustar a lei à situação examinanda, pautando-se pelos princípios gerais e pela razoabilidade na interpretação das normas jurídicas.

Todos sabem que a convenção arbitral, celebrada livremente pelas partes contratantes, produz relevantes efeitos, implicando inclusive, quando arguida pelo requerido, a extinção do processo sem julgamento do mérito, a teor do disposto no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil.

Foi exatamente o que ocorreu, num caso recentemente analisado, pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo, ao ensejo do julgamento do Apelação nº 1006072-45.2021.8.26.0100, com voto condutor do eminente desembargador Cesar Ciampolini.

Em breve síntese, uma empresa franqueada ajuizou ação anulatória de contrato de franquia cumulada com pedido de indenização em face da franqueadora, que arguiu a existência de cláusula compromissória de arbitragem. Tal alegação restou acolhida pelo juiz de primeiro grau, com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito.

A requerente interpôs recurso de apelação contra a sentença, argumentando, como alicerce de suas respectivas razões, que teria dificuldade financeira para suportar os custos do processo arbitral, que não lhe foram devidamente informados ao ensejo da celebração do contrato de franquia.

Pois bem, valendo-se de importante precedente da mesma turma julgadora (Apelação n. 1003513-24.2020.8.26.0271 — relator: desembargador Alexandre Lazzarini), o eminente desembargador Cesar Ciampolini, secundado pelos demais integrantes da turma julgadora, proveu a apelação da franqueada para anular a sentença.

Merecendo todos os encômios, na precisa ratio decidendi do substancioso voto, o eminente desembargador Cesar Ciampolini, invocando os termos do anterior julgado, enfrentou a questão da hipossuficiência econômica da franqueada diante da franqueadora, ainda que aquela tenha manifestado livremente a sua vontade, concordando com a inserção da cláusula arbitral na oportunidade da assinatura do contrato.

Reportando-se ao precedente acórdão, constou do voto condutor a seguinte fundamentação:

"(…) Assim, irrelevante a discussão se o contrato é um contrato de adesão ou é um contrato padrão e as filigranas que os distinguem, inclusive pelo fato de que ninguém é obrigado a ser franqueado. Isso é feito, pois a parte vislumbra uma oportunidade, diante das informações recebidas, de que se trata de um bom negócio empresarial.

Da mesma forma, a própria questão da posição de empresário franqueado.

Por isso, a nova redação do art. 421 e parágrafo único e o novo art. 421A, ambos do Código Civil, conforme a Lei n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) não trazem alteração a questão posta, pois basicamente positivaram o entendimento dos Tribunais a respeito das relações contratuais empresariais (simetria etc.).

Ora, não é possível desconsiderar, independentemente da extensão interpretativa que se dê aos contratos de adesão e/ou padrão, que a ausência adequada da informação e do esclarecimento, que são inerentes ao contrato de franquia (e a razão da Circular de Oferta de Franquia — COF), fulmina o contrato, no que diz respeito a cláusula compromissória, pois inequívoca a sua patologia, da forma que é apresentada.

A informação e o esclarecimento das condições do contrato de franquia, são fatores de validade da própria relação contratual…".

Nessa linha de raciocínio, asseverou o desembargador Cesar Ciampolini que, "por qualquer ângulo que se analise a questão, conclui-se pela evidente violação dos deveres de informação e de transparência da franqueadora, ao que tudo indica com intuito de induzir investidores, muitos deles aplicando todas suas economias no negócio, como sói acontecer, a tornarem-se franqueados, correndo o risco de ver o negócio encerrado, caso reconhecida a apropriação indevida, pela ré, do know-how".

Por fim, a turma julgadora, ressaltando que, ausente a devida informação quanto ao custo de um processo arbitral, a despeito de a cláusula compromissória encontrar-se formalmente hígida, à luz da imperiosidade de transparência e informação, que igualmente deve informar o contrato de franquia, irrompe ela acoimada de inafastável patologia, visto que colide, na situação concreta, com o disposto nos artigos 122, 187 e 422 do Código Civil.

Diante de tais fundamentos, reconhecida a invalidade da cláusula de arbitragem, imposta pela franqueadora à demandante, a apelação foi provida para anular a sentença, determinando-se a remessa dos autos à 1ª Vara Empresarial e de Conflitos relacionados à Arbitragem, para que o processo tramite regulamente perante a justiça estatal.

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