Opinião

Reparação de danos extrapatrimoniais nos contratos de transporte aéreo

Autores

  • Claudia Lima Marques

    é professora e diretora da Faculdade de Direito da UFRGS doutora pela Universidade de Heidelberg mestre em Direito pela Universidade de Tübingen (Alemanha) advogada relatora-geral da Comissão de Juristas e ex-presidente do Brasilcon.

  • Maria Luiza Baillo Targa

    é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e advogada sócia do RMMG Advogados.

24 de janeiro de 2023, 19h16

Em sessão virtual realizada no dia 16 de dezembro de 2022, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada no âmbito do Recurso Extraordinário 1.394.401 (Tema 1.240) [1], qual seja, se, à luz do artigo 178 da Constituição Federal [2], a Convenção de Varsóvia (Decreto 20.704/1931) e suas alterações posteriores, em especial a Convenção de Montreal (Decreto 5.910/2006) teriam prevalência sobre as disposições do Código de Defesa do Consumidor relativamente à reparação de danos de cunho extrapatrimonial em caso de falha na prestação do serviço de transporte aéreo internacional. Na oportunidade, analisando o mérito recursal, o Pleno fixou, por unanimidade, a seguinte tese com repercussão geral: "não se aplicam as Convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional" [3].

Aproximadamente cinco anos antes, em maio de 2017, quando do julgamento conjunto do Recurso Extraordinário 636.331 e do Recurso Extraordinário com Agravo 766.618, ambos leading cases do Tema 210 [4], o Pleno do STF, por maioria, firmou tese com repercussão geral no sentido de que, também com fulcro no artigo 178 da CF/1988, as normas internacionais que limitam a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, em especial as Convenções de Varsóvia e de Montreal, têm prevalência em relação ao CDC.

Apesar de, na ocasião, os ministros terem referido, durante discussão em plenário, que a tese não abarca os danos extrapatrimoniais, a questão ainda suscitava muitas dúvidas, seja quanto à possibilidade ou não de se computar o valor da indenização de cunho extrapatrimonial dentro dos limites previstos nas normas de origem internacional (para os casos de lesão ou morte de passageiro, danos ou extravio de bagagem e atraso), seja quanto a qual o prazo prescricional para se postular a reparação de tais danos (dois anos, nos termos disciplinados pelas convenções, ou cinco anos, nos termos do CDC).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 9 de junho de 2020, quando da apreciação do REsp 1.842.066, a 3ª Turma reputou que os limites indenizatórios previstos nas citadas convenções não englobam danos extrapatrimoniais, sendo a sua reparação disciplinada pelo CDC. Em seu voto, o ministro Relator, Moura Ribeiro, ressaltou que a Convenção de Montreal representa mera atualização da Convenção de Varsóvia, de 1929, período em que sequer se cogitava a possibilidade indenização de danos de cunho extrapatrimonial. Outrossim, os prejuízos de ordem não patrimonial não admitem tabelamento prévio ou tarifação pela sua própria natureza. A partir desta decisão, consolidou-se o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que deve ser observada a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC, consoante edição 164 da Jurisprudência em Teses — Direito do Consumidor VIII [5]. Quanto ao prazo prescricional, as recentes decisões igualmente vêm aplicando o disposto no Código Consumerista (vide exemplificativamente: AgInt no AREsp 1.957.910 e AgInt no REsp 1.921.508) à luz dos mesmos fundamentos.

Por seu turno, no âmbito do STF, embora o Pleno tenha, por unanimidade, no julgamento do AgRg nos EmbDiv no AgRg no RE 1.221.934, realizado no dia 18 de agosto de 2020, afastado in totum a tese de repercussão geral do Tema 210 relativamente aos danos extrapatrimoniais, inclusive no tocante ao prazo bienal, sucederam-lhe decisões que aplicaram o prazo bienal também para casos de danos extrapatrimoniais (vide AgRg nos EmbDecl no RE 1.158.691 e Ag no RE 1.213.708). O fundamento para tal decorre do fato de que, no ARE 766.618, um dos leading cases do tema, discutia-se qual o prazo prescricional aplicável (se do CDC ou das convenções), inexistindo ressalva específica nos acórdãos relativamente ao prazo para reparação de danos não patrimoniais.

A partir da nova decisão, que consolida a inaplicabilidade das Convenções de Varsóvia e de Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional de passageiros, fixando tese de repercussão geral, espera-se que as cortes nacionais, nas instâncias ordinárias e no âmbito das Cortes de Vértice, tanto reconheçam que os danos extrapatrimoniais não estão sujeitos a limites indenizatórios quanto que o prazo para se postular a reparação de tais danos é de cinco anos, tal qual preconizado pelo CDC, pondo fim ao debate.

Outra questão pendente e que, provavelmente, será influenciada por essa decisão e terá de ser logo resolvida, diz respeito aos Embargos de Declaração com efeitos infringentes opostos em face da decisão prolatada no âmbito do ARE 766.618 [6]. Dentre outras questões, os Declaratórios apontam que o pedido indenizatório da passageira, e que foi objeto de discussão no âmbito do STF, tinha cunho exclusivamente moral [7], de modo que contraditório o fato de que, a partir do seu julgamento, ter sido firmado entendimento de que deve ser aplicado o prazo bienal previsto nas convenções, mas que as convenções não regulam danos extrapatrimoniais.

Onze dias antes de ser julgado o RE 1.394.401, o Pleno, em sessão virtual, por maioria, havia rejeitado o recurso. Os ministros Edson Fachin e Luiz Fux, divergindo do relator, Roberto Barroso, votaram por acolher em parte os declaratórios para, "declarando tratar-se de indenização por danos morais, suprir omissão para negar provimento ao recurso extraordinário" [8]. A ministra presidente Rosa Weber, ao final, fez pedido de destaque, o que significa que será realizado um novo julgamento e que este somente poderá ocorrer na modalidade presencial [9].

A partir da nova tese de repercussão geral, ante a peculiaridade de que os fatos subjacentes ao ARE 766.618 dizem respeito a danos morais, espera-se que o Pleno irá evitar contradição entre os Temas 210 e 1.240 e, fundamentadamente, solucionará a questão.

 


[1] "Conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e a Convenção de Varsóvia, no que diz com a reparação por dano moral decorrente da má prestação de serviço de transporte aéreo internacional" (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tema 1.240. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=1240. Acesso em: 21 jan. 2023).

[2] Disciplina o caput do referido artigo que "Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade".

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Convenções internacionais não se aplicam a dano moral em transporte internacional de passageiros. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=500904&ori=1. Acesso em: 21 jan. 2022.

[4] "Limitação de indenizações por danos decorrentes de extravio de bagagem com fundamento na Convenção de Varsóvia" (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tema 210. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4040813&numeroProcesso=636331&classeProcesso=RE&numeroTema=210. Acesso em: 21 jan. 2023).

[5] "As indenizações por danos morais envolvendo transporte aéreo internacional de passageiros não estão submetidas à tarifação prevista nas normas e nos tratados internacionais, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em Teses, Edição nº 164: Direito do Consumidor VIII. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?edicao=EDI%C7%C3O%20N.%20164:%20DIREITO %20DO%20CONSUMIDOR%20-%20VIII. Acesso em 21 jan. 2023).

[6] Íntegra do recurso está disponível em: MARQUES, Claudia Lima; SQUEFF, Tatiana de A.F.R. Cardoso; TARGA, Maria Luiza Baillo. Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 766.618. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 115, p. 561-598, jan./fev. 2018. p. 563-564.

[7] Quando da prolação da sentença pela Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Santo André (processo 1827/09), foram fixados apenas danos morais. Foi afastada a indenização por dano material. O Colégio Recursal da Comarca de Santo André (Recurso 0019563-55.2009.8.26.0554) manteve a sentença por seus próprios fundamentos. Eis a ementa: "Atraso de voo internacional- aplicação ao caso do CDC, sendo objetiva a responsabilidade do transportador – risco da atividade — fortuito interno — danos morais arbitrados em quantia consentânea com o caso concreto — sentença mantida na íntegra por seus próprios fundamentos".

[8] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ata de julgamento nº 40, de 5 dez. 2022, DJE 250, divulgado em 07 dez. 2022. Vide também: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4450343.

[9] Vide artigo 4º da Resolução 642/2019 do STF.

Autores

  • Brave

    é orofessora titular de Direito Internacional Privado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), mestre em Direito (L.L.M.) pela Universidade de Tübingen (Alemanha) e ex-presidente do Brasilcon e da Asadip. Presidente da IACL (International Association of Consumer Law). Professora do PPGD UFRGS e Uninove.

  • Brave

    é doutoranda e mestre em Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université Savoie Mont Blanc, em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela UFRGS e em Direito Público pelo UniCeub e advogada no Rossi, Maffini, Milman & Grando.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!