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Gilmar Mendes e Georges Abboud: 8/1, o dia da infâmia

22 de janeiro de 2023, 11h14

Por Gilmar Ferreira Mendes, Georges Abboud

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Em 8 de janeiro, vivenciamos o dia da infâmia em virtude dos ataques golpistas praticados na praça dos Três Poderes contra as instituições democráticas brasileiras. É crucial que a esfera do debate público nacional compreenda que o movimento advém, em grande parte, de um discurso extremado, recheado de fake news, que objetiva transformar a Suprema Corte em inimigo ficcional da sociedade brasileira.

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O Supremo Tribunal Federal não é um órgão político, mas sim um órgão jurídico e técnico, que é demandado para resolver, juridicamente, questões políticas (e se para isso for provocado), conforme clássica lição de Dieter Grimm.

Nesse contexto de exacerbada judicialização da política, a desinformação e os ataques ao STF não são fruto apenas da ignorância das pessoas acerca da real atuação da corte. Pelo contrário, há um agir estratégico e golpista que fomenta essa ofensiva contra o Judiciário. Trata-se na realidade de uma ferramenta típica de regimes e movimentos autoritários que fustigam as democracias.

Wojciech Sadurski, em sua obra "Poland’s Constitutional Breakdown", demonstra como o Tribunal Constitucional Polonês foi "capturado" pelo autoritarismo, em duas fases distintas. Na primeira, a corte foi paralisada e tornada incapaz de conter o exercício arbitrário do Poder Executivo. Na sequência, foi transformada num "assistente ativo da maioria parlamentar", de modo a ficar impedida de exercer sua atuação contramajoritária no controle dos demais Poderes.

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Para que isso aconteça, é preciso desmoralizar a Suprema Corte no tribunal da opinião pública. Assim, Sadurski lista uma série de pseudoargumentos típicos que, na Polônia e noutros lugares, foram utilizados, de maneira muito eficaz, no ataque populista às Supremas Cortes.

O clichê populista mais usado consiste em acusar a Suprema Corte de ter um viés político incontornável, de estar compromissada com as pautas progressistas e com o politicamente correto. Esse argumento gera, como vimos aqui no Brasil, ressentimento cultural e religioso em parcela significativa da população, que passa a enxergá-la como moralmente corrupta e perigosa. A turba que atacou a democracia no dia 8 foi convencida de que a família tradicional estaria em risco diante de uma pretensa ameaça comunista iminente.

Esses pseudoargumentos são tratados como palavras de ordem, na ignorância de que a jurisdição constitucional deve exercer uma função de controle, correção e até mesmo de supressão de determinadas omissões inconstitucionais dos demais Poderes. Essa visão ignora a constante ação do STF na proteção dos direitos fundamentais da sociedade brasileira como salvaguardas da democracia.

Foi o que o Supremo conquistou, por exemplo, 1 – ao destinar parte dos valores do chamado "Fundo 'lava jato'" ao enfrentamento da pandemia de Covid-19; 2 – ao assegurar competência comum dos entes federativos para a tomada de providencias sanitárias no contexto da Covid-19; 3 – ao prorrogar o prazo de vigência de suspensão das ordens de desocupação e despejo, também no contexto da pandemia; 4 – reconhecendo que certas violações a direitos são complexas a demandar atuação conjunta e coordenada dos três Poderes; 5 – assegurando a constitucionalidade da política de cotas raciais no programa de acesso ao ensino superior; e 6 – ao reconhecer as uniões estáveis homoafetiva como entidades familiares.

É salutar que a sociedade debata cada vez mais a atuação do STF, inclusive realizando críticas para o aperfeiçoamento da instituição. Todavia, esse debate não pode ser feito a partir de posições puramente ideológicas e de paixões políticas momentâneas, porque elas geram desinformação e promovem a vilanização do STF, alimentada, hoje em dia, pelo quase sempre implacável arbítrio da opinião.

*Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo