Opinião

Caso "BTG pactual vs. Americanas S/A" e stay period: "stay" até quando?

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  • é sócio do Archanjo Ramos e Sarmento Advogados LLM em Direito dos Negócios e Governança Corporativa pelo IDP mestre e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) professor do IDP-Online e da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

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  • é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) na graduação e na pós-graduação (mestrado e doutorado) doutor e mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) doutorando em Direito Público pela Humboldt-Universität zu Berlin e mestre em Direito Romano pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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20 de janeiro de 2023, 13h16

O tema stay period da Lei nº 11.101/05 é alvo de grandes debates de ordem nacional, sobretudo sobre seus efeitos e período de extensão. A "estancagem" ou "blindagem" do devedor frente às ações e execuções dos credores em recuperação judicial volta à ordem do dia no caso entre BTG Pactual e companhia Americanas S/A.

Diversamente do instituto automatic stay estabelecido no Chapter 11 da lei norte-americana (U.S.C. § 362[e]), que não possui prazo de duração para a suspensão, a lei brasileira limitou, em primeiro momento, a suspensão pelo prazo improrrogável de 180 dias. Mas sucessivas decisões do Superior Tribunal de Justiça [1] relativizaram a regra empresarial para admitir a prorrogação do referido prazo, em homenagem ao princípio da preservação da empresa (artigo 47 da Lei 11.101/05).

A partir de tal cenário, criou-se considerável insegurança jurídica no setor empresarial, especialmente quanto à dúvida pela aplicação, firme, da lei (improrrogabilidade) ou de sua derrotabilidade, com base nos precedentes não vinculantes do STJ, quando de julgamento de casos concretos pelos Tribunais de Justiça dos estados.

Exemplificando: a depender do Tribunal de Justiça, na vigência da redação original da lei, o credor poderia ficar à espera do transcurso do prazo de 180 dias ou amargar a sua prorrogação de forma indefinida.

Por um lado, o TJ-SP já decidiu pela improrrogabilidade do prazo [2], tendo prevalecido na ocasião que "a eficácia do instituto da recuperação judicial depende da segurança jurídica e, para tanto, observa-se a necessidade de cautela na flexibilização de dispositivos legais concedida no Juízo Recuperacional". Por outro lado, são vários os tribunais que admitem a prorrogação por sucessivos períodos, como acabou por permitir o precedente do STJ.

A Lei 14.112/20 inovou na Lei de Recuperação Judicial para admitir uma única prorrogação excepcional, e desde que o devedor não tenha concorrido para essa prorrogação. Ainda assim, alguns tribunais, na vigência da Lei 14.112/20, têm prorrogado o prazo de forma a tornar indefinida a duração da suspensão das execuções, autorizando, por exemplo, a referida prorrogação até que aconteça a Assembleia Geral de Credores [3], e não pelo mesmo período antes concedido.

A partir de tal cenário, até quando o credor, ainda que sob a Lei 14.112/20, terá seu crédito sobrestado em sede de recuperação judicial? Sem parâmetro, só há dúvidas.

É importante refletir sobre o problema. A reflexão poderá partir por dois caminhos: 1) única prorrogação excepcional (literalidade); ou 2) prorrogação por prazo indefinido no intuito de assegurar a viabilidade, por exemplo, da recuperação judicial da companhia Americanas S/A.

Na aplicação de regra, conforme posta pelo legislador, privilegia-se "segurança jurídica exigida para o bom tráfego econômico" [4] entre os players do mercado, porque se prima pela "elevação da autoridade legislativa como legítima para criar regras no sistema jurídico", bem como porque a "sistemática do Direito Mercantil manifesta sinais ao julgador quando da sua aplicação. Tais sinais são alusivos à primazia da regra, à previsibilidade dos resultados e à referência ao Direito legislado pelo Parlamento" [4].

No caminho da prorrogação, ganha posição de destaque o postulado da função social da empresa e, nas palavras lançadas em voto no STJ, prioriza-se a "geração de empregos, pagamento de impostos e no desenvolvimento das comunidades", ainda que em sacrifício do patrimônio dos credores (prevalência do benefício social).

De toda forma, escolher um dos caminhos é sempre perder. A aplicação da lei assegura previsibilidade de resultado para os casos futuros, mas perde a empresa que alcançaria a viabilidade de aprovação do plano caso a suspensão fosse prorrogada até a assembleia de credores. A prorrogação em descompasso com a legislação beneficia a empresa no caso concreto, contudo enfraquece a segurança jurídica tão exigida no âmbito empresarial. Também desrespeita a opção expressa feita pelo legislador.

Cabe, então, no atual momento, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro definir, em repercussão nacional, se, após o transcurso do prazo de stay period, o BTG Pactual poderá beneficiar-se do vencimento antecipado e imediato de todas as obrigações decorrentes das operações de derivativos, permitindo a compensação de expressa previsão contratual (ordem de resgate/recompra das posições de CDBs e LF da Americanas no Banco), extinguindo, assim, a dívida de R$ 1,2 bilhão.

O debate será longo e de extremo refino. Por ora, ainda que a lei assegure o retorno das execuções, permanece a dúvida: stay até quando? O cenário jurisprudencial revela extrema incerteza de resultado.

Aguardemos, ansiosos, as próximas cenas processuais.

 


Referências:
[1] STJ – CC 79.170/SP, rel. ministro Castro Meira, 1ª Seção, julgado em 10.9.2008, dje 19.9.2008; STJ- AgInt nos EDcl no REsp 1.323.788/DF, Rel. ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 12/12/2016 ; STJ- REsp 1.610.860/PB, rel. ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016; STJ- AgInt no REsp 1.717.939/DF, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 28/8/2018, DJe 6/9/2018; STJ – AgInt no CC 159.480/MT, rel. ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, julgado em 25/9/2019, DJe 30/9/2019.

[2] TJ-SP. Agravo de Instrumento 2282337-33.2020.8.26.0000; relator (a): Ricardo Negrão; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data do julgamento: 31/3/2021; Data de registro: 31/03/2021.

[3] TJ-DF. Agravo de Instrumento nº 0727908-87.2021.8.07.0000182.

[4] OLIVEIRA, Luciano Ramos de.; COSTA-NETO, João. Regras e princípios empresariais: Análise da Lei de Recuperação Judicial à luz dos julgados do STJ e da Suprema Corte dos Estados Unidos. Prefácio de Gilmar Ferreira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, em prelo.

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  • é sócio do Archanjo, Ramos e Sarmento Advogados, LLM em Direito dos Negócios e Governança Corporativa pelo IDP, mestre em Direito pela Universidade de Brasília, professor do IDP-Online e da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

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