Opinião

Padrão OCDE: MP n° 1.152 e os preços de transferência

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20 de janeiro de 2023, 19h16

Ao final do ano de 2022, foi publicada a Medida Provisória nº 1.152, que promoveu profundas alterações na legislação que disciplina o chamado preço de transferência e que interfere na apuração do IRPJ e da CSLL.

Tais alterações eram demandadas, desde a edição da Lei nº 9430/96, a primeira a disciplinar o preço de transferência no Brasil e que deixou a desejar com seus métodos e margens de lucro impostos.

Além disso, fazia-se necessária a adequação das regras brasileiras às normas aplicadas pelos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por se tratar de medida obrigatória para viabilizar a integração do Brasil a essa organização.

Com esse intuito, já no artigo 2º da Medida Provisória nº 1152/22, há a expressa incorporação ao ordenamento pátrio do princípio "Arm’s Length", nos seguintes termos:

"Artigo 2º -Para fins de determinação da base de cálculo dos tributos de que trata o parágrafo único do artigo 1º, os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis".

Apesar de louvável e compreensível a intenção das mudanças, ora realizadas, que ainda dependem da aprovação pelo Congresso Nacional, no prazo de 120 dias, contados da data da sua publicação, prazo que não flui durante o recesso parlamentar, é assustadora a complexidade das novas regras, distribuídas em mais de quarenta artigos, que, em sua grande parte, dependem ainda de regulamentação por parte da Receita Federal do Brasil, para a sua aplicação.

Embora as alterações entrem em vigor, se aprovadas, apenas a partir de 1 de janeiro de 2024, o artigo 46 da Medida Provisória nº 1.152 faculta a adoção das novas normas para o ano-calendário de 2023, o que considero totalmente improvável para qualquer empresa, haja vista a já mencionada necessidade de regulamentação de boa parte das novas normas pela Receita Federal do Brasil e o tempo que será necessário para a compreensão de todo o regramento e consequente viabilização da implantação/adoção de um dos novos métodos de apuração do preço de transferência, previstos na nova MP.

Até mesmo porque, não é mais possível a livre escolha de um dos métodos, mas sim é obrigatória a adoção do método "mais apropriado", conforme estabelecido no artigo 11 da Medida Provisória nº 1152, que assim dispõe:

"Artigo 11. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, será selecionado o método mais apropriado dentre os seguintes:

I – Preço Independente Comparável (PIC), que consiste em comparar o preço ou o valor da contraprestação da transação controlada com os preços ou os valores das contraprestações de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
II – Preço de Revenda menos Lucro (PRL), que consiste em comparar a margem bruta que um adquirente de uma transação controlada obtém na revenda subsequente realizada para partes não relacionadas com as margens brutas obtidas em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
III – Custo mais Lucro (MCL), que consiste em comparar a margem de lucro bruto obtida sobre os custos do fornecedor em uma transação controlada com as margens de lucro bruto obtidas sobre os custos em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;
IV – Margem Líquida da Transação (MLT), que consiste em comparar a margem líquida da transação controlada com as margens líquidas de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, ambas calculadas com base em indicador de rentabilidade apropriado;
V – Divisão do Lucro (MDL), que consiste na divisão dos lucros ou das perdas, ou de parte deles, em uma transação controlada de acordo com o que seria estabelecido entre partes não relacionadas em uma transação comparável, consideradas as contribuições relevantes fornecidas na forma de funções desempenhadas, ativos utilizados e riscos assumidos pelas partes envolvidas na transação; e
VI – outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.
§1º. Considera-se o método mais apropriado aquele que forneça a determinação mais confiável dos termos e das condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável, considerados inclusive os seguintes aspectos:
I – os fatos e as circunstâncias da transação controlada e a adequação do método em relação à natureza da transação, determinada especialmente a partir da análise das funções desempenhadas, dos riscos assumidos e dos ativos utilizados pelas partes envolvidas na transação controlada conforme previsto no inciso II do caput do artigo 7º;
II – a disponibilidade de informações confiáveis de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas necessárias à aplicação consistente do método; e
III – o grau de comparabilidade entre a transação controlada e as transações realizadas entre partes não relacionadas, incluídas a necessidade e a confiabilidade de se efetuar ajustes para eliminar os efeitos de eventuais diferenças entre as transações comparadas.
§2º.  O método PIC será considerado o mais apropriado quando houver informações confiáveis de preços ou valores de contraprestações decorrentes de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, a menos que se possa estabelecer que outro método previsto no caput seja aplicável de forma mais apropriada com vistas a se observar o princípio previsto no artigo 2º.
§3º. Quando o contribuinte selecionar outros métodos a que se refere o inciso VI do caput para aplicação em hipóteses distintas daquelas previstas pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, deverá ser demonstrado pela documentação de preços de transferência a que se refere o artigo 35 que os métodos previstos nos incisos I a V do caput não são aplicáveis à transação controlada, ou que não produzem resultados confiáveis, e que o outro método selecionado é considerado mais apropriado, nos termos do disposto no §1º.
§4º. A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia disciplinará o disposto neste artigo, inclusive quanto à possibilidade de combinação de métodos, com vistas a assegurar a aplicação correta do princípio previsto no artigo 2º".

Para a escolha do "método mais apropriado" de apuração do preço de transferência aplicável a determinada transação considerada controlada, faz-se necessária a observância das detalhadas regras estabelecidas nos artigos 6 a 10 da Medida Provisória nº 1.152, no que tange ao "delineamento da transação controlada" e à "análise de comparabilidade da transação controlada".

Apesar de ser possível a escolha de outro método não expressamente previsto na Medida Provisória nº 1.152/22, consoante consta do §3º, do artigo 11, acima reproduzido, será necessária a demonstração documental à Receita Federal do Brasil de que o método eleito é mais apropriado e produz resultado mais confiável do que os métodos legalmente estabelecidos.

Há inovação também com relação aos ajustes decorrentes do preço de transferência na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que se encontram definidos no artigo 17 da Medida Provisória nº 1.152/22, nos seguintes termos:

"Artigo 17. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se:

I – ajuste espontâneo – aquele efetuado pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil diretamente na apuração da base de cálculo dos tributos a que se refere o parágrafo único do artigo 1º com vistas a adicionar o resultado que seria obtido caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio previsto no art. 2º;
II – ajuste compensatório – aquele efetuado pelas partes da transação controlada até o encerramento do ano-calendário em que for realizada a transação com vistas a ajustar o seu valor de tal forma que o resultado obtido seja equivalente ao que seria obtido caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio previsto no artigo 2º;
III – ajuste primário – aquele efetuado pela autoridade fiscal com vistas a adicionar à base de cálculo dos tributos a que se refere o parágrafo único do art. 1º os resultados que seriam obtidos pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil, caso os termos e as condições da transação controlada tivessem sido estabelecidos de acordo com o princípio previsto no artigo 2º; e
IV – ajuste secundário – aquele efetuado em decorrência dos ajustes previstos nos incisos I ou III do caput".

O ajuste espontâneo realizado pelo contribuinte ou o ajuste primário promovido pela Receita Federal do Brasil, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL terão como consequência a realização do ajuste secundário, conforme as regras previstas no artigo 19 da MP.

A Medida Provisória nº 1152/22 traz disciplina detalhada sobre a apuração do preço de transferência para as transações controladas entre partes relacionadas que envolvem: 1) commodities; 2) transações com intangíveis, incluindo intangíveis de difícil valoração: 3) prestação de serviços intragrupo: 4) contratos de compartilhamento de custos: 5) reestruturação de negócios: 6) operações financeiras, divididas pela MP em operação de dívida e operação de capital, a depender "das características economicamente relevantes da transação, as perspectivas das partes e as opções realisticamente disponíveis"; 7) garantias intragrupo; 8) acordos de gestão centralizada de tesouraria; e 9) contratos de seguro.

O Capítulo IV da Medida Provisória nº 1152/22 determina a obrigatoriedade da apresentação pelos contribuintes da documentação e das informações que comprovam que o preço de transferência foi apurado em estrita observância ao princípio "Arm's Lenght", estando previstas no artigo 36 as multas passíveis de serem aplicadas, na hipótese do descumprimento das obrigações acessórias que ainda serão disciplinadas pela Receita Federal do Brasil.

Destaco a autorização, prevista no artigo 37 da MP, para que o contribuinte retifique a declaração e/ou escrituração fiscal no que se refere à apuração do preço de transferência, caso a Receita Federal do Brasil discorde em procedimento fiscal da apuração feita, o que evitará a imposição de penalidades, desde que respeitadas as condições estabelecidas no citado artigo e a retificação seja acompanhada do recolhimento dos valores eventualmente devidos, resultantes das alterações promovidas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.   

Um grande avanço trazido pela MP nº 1.152/22 é a possibilidade da formalização de consulta à Receita Federal do Brasil sobre o método a ser adotado para a apuração do preço de transferência em transações controladas que ainda serão realizadas, de forma a respeitar às normas estabelecidas na MP e consequentemente atender ao princípio "Arm's Lenght".

O processo de consulta ainda será regulamentado pela Receita Federal do Brasil, mas, conforme estabelecido nos parágrafos 2º, 3º e 8º do artigo 39, da MP nº 1.152/22, estará sujeito ao recolhimento de taxa, no valor de R$ 80 mil, e a solução de consulta terá validade de até quatro anos. Para a prorrogação da validade da solução de consulta por mais dois anos, será necessário o recolhimento de taxa adicional, no montante de R$ 20 mil.

No artigo 40 da Medida Provisória nº 1.152/22 é determinada a observação e implementação pela Receita Federal do Brasil do que foi decidido em mecanismo de solução de disputa, previsto no âmbito de acordo ou convenção internacional para eliminar a dupla tributação de que o Brasil seja signatário.

Ressalto, por fim, que as disposições, previstas na Medida Provisória nº 1.152/22, aplicam-se também às transações realizadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil com parte não relacionada, caso a outra parte resida ou esteja domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 17%.

Longe de esgotar o tema, em razão da já mencionada enorme complexidade e do nível de detalhamento, as breves considerações acima feitas prestam-se a uma primeira reflexão, a ser complementada pelas discussões que surgirão e pelas normas que serão editadas em breve pela Receita Federal do Brasil.

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