Opinião

Vagas LGBTQI+, redução da desigualdade e a prática ESG

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16 de janeiro de 2023, 21h13

Com a realização da copa do mundo no Qatar, país árabe e predominantemente islâmico, natural que as discussões afetas à população LGBTQI+ e aos direitos das mulheres emergiriam.

Curiosamente, o maior ato atrelado a tal defesa durante à copa do mundo — a utilização da braçadeira de capitão com a frase "one love" contendo um coração com listras em seis cores e o número 1 — não é específico à defesa dos interesses da comunidade LGBTQI+.

Trata-se de um recorte de um movimento maior — Ons Voetbal Is Van Alles — iniciado na Holanda, em 2020, em resposta à atos racistas sofridos pelo jogador Ahmed Mendes Moreira em novembro de 2019. Trata-se de um movimento de inclusão no futebol combatendo todo o tipo de discriminação seja de raça, origem, identidade de gênero e orientação sexual.

Em que pese a vedação da utilização e tal símbolo na copa do mundo, os efeitos ainda assim foram sentidos, vez que o tema ganhou novo fôlego e discussão pelo mundo reverberou escancarando, uma vez mais, o preconceito socialmente arraigado.

É muito fácil lançar os olhos para um país islâmico, em que a homossexualidade é crime punível, até mesmo com a morte, e externar toda a sua indignação. Mas essa mesma inquietude desaparece quando voltamos os olhos para dentro das nossas nações.

O Brasil, por exemplo, é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo pelo quarto ano consecutivo, conforme dados do Relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIA+. Também figura no lugar mais alto do podium há 13 anos como o país que mais mata pessoas trans conforme relatório da Transgender Europe (TGEU) referente ao ano de 2021. E mesmo diante destes vergonhosos primeiros lugares, não se veem políticas públicas e educacionais efetivas a alterar este resultado.

Porém, o fato de ser o governo inerte ou insuficiente na adoção de medidas efetivas que produzam profundas alterações neste cenário, acaba por produzir uma grande oportunidade para as empresas que, no cumprimento da sua função social, possam assumir esse papel.

As companhias têm papel fundamental na conscientização e redução desse olhar preconceituoso e podem sim adotar medidas que tencionem até mesmo educar seus profissionais para romper com "pré-conceitos" enraizados.

Neste ponto, mais uma vez se chega na possibilidade de adoção de vagas afirmativas e de desenvolvimento de carreira voltados para um público específico — LGBTQI+ — como forma de dar visibilidade e empoderar essas pessoas.

E tal qual já abordado em outros artigos, as medidas direcionadas de recrutamento que visem privilegiar parcelas da população que são reiteradamente preteridas durante os processos de seleção e desenvolvimento interno de carreira, encontram apoio dos órgãos fiscalizadores (como, por exemplo Ministério Público do Trabalho), do Judiciário e da sociedade em geral.

Neste cenário, e ainda que de maneira não consciente, estarão as empresas se aproximando da estrutura de objetivos que visam avaliar o impacto da sustentabilidade e práticas éticas de uma empresa, também conhecido como ESG.

Não há dúvidas de que a adoção de recrutamento direcionado com enfoque na comunidade LGBTQI+, ou mesmo criação de programas de desenvolvimento profissional e sucessão internos é o cumprimento do "ODS" (objetivo de desenvolvimento sustentável) nº 10 da ONU que visa a "redução das desigualdades". É, portanto, uma prática ESG!

E vale lembrar que quanto mais alinhada à atuação empresária às práticas ESG, maior será o seu valor de mercado. 

Isso porque, atualmente, os investidores se preocupam para além dos ganhos financeiros que a empresa os trará, fazendo parte de sua análise também o que é chamado de "valor não financeiro" que pode ser traduzido como sendo uma preocupação com o meio-ambiente, com o aquecimento global e tudo que disso, desse desiquilíbrio, advém.

Passa a ser parte do valuation de uma empresa exatamente os impactos dela no mundo e na sociedade, analisando se sua atuação impacta positivamente na região que está. 

E aqui merece destaque o fato de a CVM (Comissão de Valores Imobiliários) ter incluído em seu plano de supervisão baseada em riscos, biênio 2023-2024, àqueles (riscos) decorrentes de governança em ações ambientais, sociais e de governança (ESG). Isso tudo, claro, já alinhado a Resolução 87 da CVM que alterou sua Resolução 59 para passar a exigir o preenchimento, no formulário de referência, de informações sobre ESG em seu item 1.9.

Voltando ao recrutamento direcionado para a população LGBTQI+, importa salientar que as grandes empresas não estão inertes e já vem debatendo o tema para construir algumas formas de impactar positivamente a sociedade. É dessa mobilização que nascem movimentos interessantes e eficazes no desenvolvimento profissional desta comunidade como, por exemplo, o Fórum Empresas LGBTQIA+

Mais uma vez a atuação coordenada entre as áreas legal e RH das empresas serão decisivas para que essa abordagem, seja durante a seleção, seja durante a própria rotina laboral, sejam experiências exitosas.

Indispensável haver um cuidado em abordar a inaceitável relação de preconceito existente sem que nesse movimento, mais uma vez não sejam ouvidas as vozes dos principais interessados.

E aqui é importante destacar que a legislação trabalhista, em que pese não abordar especificamente a discriminação no ambiente de trabalho pela identidade de gênero ou orientação sexual, é implacável ao punir as empregadoras que, pela omissão, permitam este tipo de prática em suas estruturas.

Tem sido recorrente a presença de notícias, nos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho, sobre condenações em valores elevados por práticas discriminatórias direcionadas aos profissionais LGBTQI+ dentro do ambiente de trabalho. 

Daí se pode concluir que mesmo que não seja uma obrigação legal expressa combater o preconceito contra os profissionais LGBTQI+, a inércia da empresa em fazê-lo, e de maneira efetiva, contribui para a elevação de sua condenação; afinal, não está o empregador ofertando a estes profissionais LGBTQI+ um ambiente saudável de trabalho que, por lei, é sua obrigação! 

Por fim, vale salientar que as empresas que já adotam medidas efetivas direcionadas à comunidade LGBTQI+ vem ganhando destaque. Uma pesquisa divulgada neste ano, indicou as 38 melhores empresas para pessoas LGBTQI+ trabalharem no Brasil considerando políticas e documentos institucionais (de não discriminação), governança em diversidade e inclusão, educação para diversidade LGBTQI+, compromissos públicos assumidos e monitoramento da inclusão LGBTQI+.

E sua empresa, o que tem feito a respeito?

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