Segunda Leitura

Associativismo internacional: um caminho para o aprimoramento da magistratura

Autor

  • Charles Giacomini

    é juiz federal em Itajaí (SC) mestre em Ciência Jurídica (Univali) especialista em Direito Público professor de Direito Econômico Direito Internacional e formação humanística na Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina (Esmafesc) — onde também é membro do Conselho de Ensino — e professor de Direito Tributário em cursos preparatórios e pós-graduações.

15 de janeiro de 2023, 8h00

O associativismo é prática consolidada na cultura jurídica moderna, sendo assegurado e estimulado por constituições e tratados ao redor do mundo. O artigo 5º da Constituição brasileira reservou cinco incisos ao tema (XVII a XXI), garantindo a plenitude do direito à associação.

O associativismo é muito comum entre membros de carreiras jurídicas. Juízes, promotores, procuradores e defensores, por exemplo, costumam aderir às associações de classe desde o princípio da atuação profissional.

No específico caso dos juízes, a filiação pode ocorrer em mais de uma associação: o juiz de direito costuma associar-se à entidade estadual e à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); o juiz federal pode integrar as entidades regionais e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); já o juiz do trabalho pode integrar a entidade regional e a Associação Nacional dos Juízes do Trabalho (Anamatra).

Paralelamente, cada vez mais os juízes têm tido a oportunidade de filiar-se a entidades internacionais. Esta prática tem sido muito facilitada pela possibilidade de acompanhamento virtual das atividades associativas.

Ao participar de trabalhos associativos internacionais, o juiz encontra espaço para expandir a sua compreensão sobre o funcionamento dos sistemas de justiça estrangeiros, passando a conhecer os problemas e desafios enfrentados por magistrados de diferentes países.

Para ilustrar este fenômeno, apresentamos aqui três associações internacionais relacionadas à magistratura, cada uma delas com diferentes características.

a) International Association of Judges (IAJ), também conhecida como União Internacional dos Magistrados (UIM). Fundada em Salzburgo, na Áustria, em 1953, a entidade se autodefine como categoria profissional e não política.

Esta associação tem uma característica singular: ela não admite a filiação individual de magistrados, tratando-se de uma entidade congregadora de outras associações. Os integrantes da IAJ, portanto, são associações nacionais representativas de juízes. A participação do magistrado ocorre de maneira indireta, por meio da entidade nacional à qual é filiado.

Atualmente, a IAJ reúne 94 associações de países diversos, oriundos dos cinco continentes.

Conforme o artigo 3º do seu documento constitutivo, são objetivos da associação [1]:

"(a) salvaguardar a independência da autoridade judiciária, como requisito essencial da função judiciária e garantia dos direitos humanos e da liberdade; (b) salvaguardar a legitimidade constitucional e moral da autoridade judiciária; (c) aumentar e aperfeiçoar o conhecimento e a compreensão dos Juízes, colocando-os em contato com Juízes de outros países […]; e (d) estudar em conjunto os problemas judiciais, sejam eles de interesse regional, nacional ou universal, e chegar a melhores soluções para eles."

O mesmo dispositivo consagra que tais objetivos devem ser alcançados pelos seguintes meios:

(a) pela organização de conferências e reuniões de Comissões de Estudo; (b) pelo estabelecimento de relações culturais; (c) promovendo e aprimorando relações amistosas entre Juízes de diferentes países; (d) promovendo a assistência mútua entre associações e grupos nacionais; incentivando a troca de informações e facilitando visitas profissionais e de férias de Juízes a outros países […]..

Em setembro de 2021, o magistrado português José Igreja Matos foi eleito presidente para o biênio. A vice-presidência é organizada sob a forma de 4 grupos regionais: o grupo iberoamericano (19 países), o grupo europeu (44 países), o grupo africano (20 países) e o grupo da Ásia, América do Norte e Oceania (15 países).

O Desembargador paulista Walter Barone é o atual vice-presidente pelo grupo regional iberoamericano. Barone já exerceu também a função de presidente da Federação Latino-americana de Magistrados (Flam)  — fundada em 1977, no Chile — e atua como secretário-adjunto de relações internacionais da AMB.

b) International Association for Court Administration (Iaca). Com sede nos Estados Unidos, a Iaca é uma entidade que admite magistrados do mundo inteiro, tendo uma presidência e sete vice-presidências regionais.

A entidade é voltada ao aperfeiçoamento da gestão judicial, tendo como enfoque o compartilhamento de experiências e a colaboração internacional. Seu documento constitutivo estabelece como missões [2]:

A. Promover a administração e gestão profissional dos tribunais em democracias emergentes e em outros países que buscam o Estado de Direito;

B. Patrocinar conferências internacionais, fóruns e programas de educação e treinamento sobre administração e gestão de tribunais;

C. Servir como um recurso para juízes, administradores e gerentes de tribunais e outros funcionários do governo em busca de maneiras de avaliar e melhorar os sistemas judiciais.

A agenda da instituição costuma ter a previsão de uma conferência anual, com alternância do país anfitrião, além de outros eventos temáticos ao longo do ano, sempre voltados para a troca de experiências relacionadas à gestão administrativa e processual.

A Iaca também concretiza seus propósitos institucionais executando ações coordenadas com o Poder Judiciário dos países associados. Em 2020, diante da situação de emergência decorrente da pandemia Covid-19, a Iaca atuou em colaboração com o Laboratório de Inovação da Justiça Federal de Primeiro Grau em São Paulo (iJuspLab), colhendo dados para uma pesquisa internacional sobre o impacto da pandemia em diferentes sistemas judiciais.

Um dos integrantes da equipe responsável pela análise dos dados relativos à pesquisa foi o ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, dr. Vladimir Passos de Freitas. O ilustre magistrado brasileiro foi presidente da Iaca no biênio 2017-2018, tendo promovido a conferência anual da organização em Foz do Iguaçu (PR), em setembro de 2018.

c) União Internacional de Juízes da Língua Portuguesa (UIJLP). Esta entidade foi criada em 2010 e tem como objetivos, entre outros, estudar os problemas jurídicos comuns; protagonizar a pesquisa e a permuta de conhecimentos; promover a cooperação e a solidariedade; organizar congressos e reuniões de comissões de estudo; promover as relações culturais entre os países; incentivar e promover a participação dos membros associados no associativismo judiciário internacional [3].

A entidade já teve representantes brasileiros em sua gestão, como o magistrado Antônio Rulli Júnior, então Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o juiz pernambucano Rafael de Menezes e a juíza paranaense Flávia da Costa Viana, que sucedeu na presidência o português Nuno Coelho, magistrado com declarada afinidade pela internacionalização do diálogo institucional relacionado ao exercício da magistratura, em sua perspectiva administrativa ou jurisdicional.

Autores

  • Brave

    é juiz federal substituto na 3º Vara Federal de Itajaí (SC), professor da Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina (Esmafesc), mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), coordenador do Centro de Solução de Conflitos (Cejuscon) na Justiça Federal de Itajaí e ex-defensor público do estado de SC.

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