Opinião

A textura aberta como natureza intrínseca das normas regras e normas princípios

Autor

  • Otto Manoel Rufino Pereira

    é acadêmico do curso de Direito em Recife/PE pesquisador de Iniciação Científica e autor de textos nas áreas de epistemologia jurídica Filosofia do Direito Estudos Clássicos entre outros temas.

15 de janeiro de 2023, 7h17

Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais [1], Robert Alexy desenvolve sua definição da estrutura das normas jurídicas de Direitos Fundamentais, elencando os critérios para a distinção entre as normas regras e as normas princípios. A proposta do jurista alemão contribui bastante para o aperfeiçoamento das teorias da interpretação e argumentação jurídicas, tendo em vista que este consegue propagar modelos mecânicos eficientes para as atividades dos juízes, principalmente no tocante ao conflito entre regras e à colisão de princípios.

Para Alexy (2015, p. 85), a distinção entre regras e princípios é uma das mais importantes da ciência do Direito, sendo "um elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de liberdade e de igualdade, mas também dos direitos a proteção, a organização e procedimento e a prestações em sentido estrito". A contribuição do autor possui uma relevância pragmática intensa, não sendo uma mera formulação de caráter abstrato, ajudando em problemáticas, por exemplo, que versem sobre "os efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros e a repartição de competências entre tribunal constitucional e parlamento" (2015, p. 85).

Robert Alexy, no primeiro subtópico de seu terceiro capítulo da obra, diz que as normas jurídicas podem ser entendidas como Normas Regras ou como Normas Princípios; ambas são normas jurídicas, haja vista que tratam do dever ser, como afirmara Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito [2]. Entretanto, mesmo possuindo uma natureza idêntica, sendo formuladas "por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição" (ALEXY, 2015, p. 87), estas possuem uma distinção, sendo espécies de normas jurídicas.

Mas, afinal, do que trata esta distinção? Resumidamente, Alexy informa que inúmeros são os critérios de distinção entre as regras e os princípios, mas que o mais frequente destes seria o critério de generalidade. De acordo com este critério, as normas princípios são mais genéricas, em comparação com as normas regras; segundo as palavras do próprio autor, estas "são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de general idade das regras é relativamente baixo" (2015, p. 87). Em outras palavras, os princípios se distinguem das regras por um fundamento de linguagem, tendo uma carga semântica bem mais complexa, no que se refere à sua descrição. Por outro lado, as normas regras são mais objetivas, categóricas, descrevem de forma mais específica a sua significação. Esta é a principal distinção entre as normas regras e normas princípios, segundo Alexy.

Exemplificando a teoria, como norma regra, pode-se observar o caput do artigo cinquenta e três do Código Civil, que diz: "Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos", ou, também, o artigo sessenta e dois da referida codificação, que afirma, em seu caput: "Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la". Com os exemplos anteriores, consegue-se notar o grau de especificidade dos dispositivos, não levando a um nível de generalização intenso.

Contudo, ao observar os exemplos dos princípios, nota-se com mais facilidade este elemento, sendo estas normas mais vagas, ambíguas ou porosas, como no caso do artigo primeiro da Constituição da República, ao tratar da dignidade da pessoa humana. A carta magna prevê expressamente que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado de Direito Brasileiro, mas não traz a definição deste termo. Em verdade, o que significa "dignidade da pessoa humana"? É preciso de um grande embate hermenêutico para a busca desta significação, como ainda ocorre hoje em dia nas disputas argumentativas do Supremo Tribunal Federal. Com isso, compreende-se o nível de generalidade da norma princípio, e a extrema dificuldade de entendê-lo e descrevê-lo [3].

A partir das construções teoréticas anteriores, utilizando-se de todo o aparato desenvolvido por Alexy, é possível criar um nexo entre a teoria do jurista alemão com fundamentos de um outro autor, este, para muitos, o maior jusfilósofo do século XX, o inglês Herbert L. A. Hart. Hart afirma, em sua obra O Conceito de direito [4], que um dos elementos estruturantes do Direito é a sua textura aberta e o poder discricionário do juiz (este elemento em específico gerou um dos maiores debates acadêmicos da história da ciência e filosofia do Direito, ocasionado entre Herbert Hart e o jurista norte-americano Ronald Dworkin, defensor das teses do Juiz Hercules e do Direito como um romance em cadeia). Aqui, o que importará aos fins metodológicos do presente artigo é a definição de Hart sobre a textura aberta do Direito.

A textura aberta do Direito pode ser observada, segundo o magistrado britânico, tanto sob a legislação quanto nas decisões judiciais. Deixar-se-á de lado o aspecto que envolve as decisões judiciais, delimitando as explicações em torno da textura aberta do Direito quanto à legislação, sendo esta a Textura Aberta da Norma Jurídica.

Para Hart, a textura aberta da norma ocorre por conta de dois fatores: 1) a indeterminação linguística; e 2) a impossibilidade humana de fixar regras específicas prévias para a integralidade das ações e paixões [5] humanas. Segundo o jusfilósofo, "em todos os campos da experiência, e não só no das regras, há um limite, inerente à linguagem humana, quanto à orientação que a linguagem geral pode oferecer" (2009, p. 139); então, por conta desta circunstância lecionada por Hart, a textura aberta constitui essência, sendo uma natureza intrínseca da norma jurídica, seja ela regra ou princípio.

Sendo assim, segundo a teoria hartiana, entende-se que a norma jurídica é, por definição, uma manifestação de textura aberta, sendo vaga, ambígua ou porosa. Além disso, sabe-se que tanto a norma regra como a norma princípio possuem esta textura aberta, mas, como assim expresso por Alexy, o princípio é mais vago, ambíguo ou poroso que a norma regra, por conta do elevado grau de generalidade que este possui. Então, juntando as duas conclusões, afirma-se, novamente, que a textura aberta corresponde a uma natureza intrínseca das normas regras e das normas princípios.

Posteriormente, visa-se estudar os efeitos práticos desta conclusão conjunta na realidade jurisdicional brasileira, em um novo texto, buscando criar um nexo de concretude (ou, na linguagem kelseniana, de "ser") das fundamentações teóricas apresentadas neste texto.

 


[1] ALEXY, Robert. Teoria Dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.

[2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[3] Ainda, em sua obra, Alexy traz outros critérios de distinção, mas que não são tão frequentes quanto o critério de generalidade, sendo estes "a determinabilidade dos casos de aplicação, a forma de seu surgimento — por exemplo, por meio da diferenciação entre normas 'criadas' e normas 'desenvolvidas' —, o caráter explícito de seu conteúdo axiológico, a referência à idéia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídica" (2015, p. 88).

[4] HART, Herbert L. A.. O Conceito de Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

[5] Aqui, o termo "paixão" segue a linha aristotélica: a paixão como categoria, como predicado. A paixão deve ser entendida como a antítese da ação, seu inverso; ou seja, a paixão é o predicado que nomeia aquele quem sofreu/recebeu alguma ação.

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    é acadêmico do curso de Direito em Recife/PE, pesquisador de Iniciação Científica e autor de textos nas áreas de epistemologia jurídica, Filosofia do Direito, Estudos Clássicos, entre outros temas.

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