Opinião

"Pejotização" e desregulamentação do trabalho pelo STF

Autores

  • Rosangela Rodrigues Lacerda

    é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região professora-adjunta da Universidade Federal da Bahia mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito Cers Ucsal Unifacs e das escolas judiciais do TRT da 5ª 6ª 7ª e 16ª Regiões.

  • Silvia Teixeira do Vale

    é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região mestra em Direito pela UFBA doutora pela PUC-SP pós-doutora pela Universidade de Salamanca professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito Ematra5 Cers Cejas Ucsal e da Escola Judicial do TRT da 5ª 6ª 10ª 13º e 16ª Regiões e diretora da Ematra5 (biênio 2019-2021).

15 de janeiro de 2023, 15h18

Após a fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal liberando a terceirização em toda e qualquer atividade, houve decisões na Justiça do Trabalho reconhecendo a ilicitude da prestação de serviços pela via do que se denominou chamar de "pejotização". Em um caso emblemático julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, decidiu-se pela ilicitude na contratação de médicos por meio de pessoa jurídica, reconhecendo-se, assim, o vínculo de emprego firmado entre os profissionais da área de saúde e a entidade social acionada pelo Ministério Público do Trabalho em ação civil pública.

A partir da decisão do referido Regional, o empregador ingressou com a Reclamação Constitucional nº 47.843, negada monocraticamente pela ministra Carmém Lúcia, ao argumento de não ter havido descompasso, nem estrita aderência entre os atos impugnados e o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324/DF e do Recurso Extraordinário nº 958.252, Tema 725 da repercussão geral.

A instituição social empregadora ingressou, então, com agravo em face da decisão monocrática e o STF assim decidiu por maioria:

"CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (relator ministro ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, relator ministro LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: 'É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante' 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por 'pejotização', não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; relatora ministra ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento" [1].

 É de chamar a atenção o voto proferido pelo ministro Barroso, que não só questiona a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para defender interesses de trabalhadores médicos, como também afirma que estes detêm tanta autonomia, são dotados de intelectualidade e patamar salarial diferenciados, que não podem ser enquadrados como hipossuficientes, realidade que, nas palavras de sua excelência, também é observada em relação aos "professores, artistas, locutores", tão frequentemente contratados dessa forma.

Igualmente, na Reclamação nº 53.899, o ministro Dias Toffoli liminarmente suspendeu os efeitos de uma reclamação trabalhista em fase de execução e anulou as decisões proferidas no processo, utilizando como argumento que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a licitude da "pejotização", pontuando que esta é uma forma válida de terceirização de serviços, conforme estabelecido nas teses firmadas na ADPF nº 324 e RE nº 958.252. No caso concreto, uma advogada, que figurou como sócia quotista da sociedade de advogados, obteve sucesso no seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com a referida sociedade.

Sorte semelhante teve outra advogada, que igualmente logrou o reconhecimento do vínculo de emprego para com o escritório onde atuava como sócia cotista, obteve o trânsito em julgado da decisão e viu a decisão da Justiça trabalhista ser cassada por ordem do ministro Barroso [2], que utilizou como argumento o fato de Em 15 de abril de 2020, no julgamento conjunto da ADC 48 e da ADI 3.961, o STF, por maioria, ter reconhecido a constitucionalidade da Lei nº 11.442/2007 e firmado a seguinte tese: "1 – A Lei nº 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 – O prazo prescricional estabelecido no artigo 18 da Lei nº 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o artigo 7º, XXIX, CF. 3 – Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista".

Outro argumento utilizado por Sua Excelência foi o fato de no julgamento da ADI 5.625, em sessão realizada em 28/10/2021, o Plenário do STF, por maioria, ter julgado improcedente o pedido, fixando a seguinte tese: "1) É constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei n. 13.352, de 27 de outubro de 2016; 2) É nulo o contrato civil de parceria referido, quando utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente, a ser reconhecida sempre que se fizerem presentes seus elementos caracterizadores".

O Supremo Tribunal Federal parece caminhar no sentido de considerar válida a fixação de contrato de trabalho por meio de pessoa jurídica, desde que o trabalhador preste serviços intelectuais e detenha patamar salarial mais elevado, conclusão, com todo o respeito, absolutamente equivocada, pois a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XXXII, proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.

Ademais, a tese fixada na ADPF nº 324 prevê que "a terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador", deixando claro que o seu exercício abusivo poderia acarretar tal violação. Ou seja, o próprio STF admitiu na tese a possibilidade de distinção, quando a realidade dos fatos demonstrar a existência de fraude na contratação.

Ora, a "pejotização" é prática fraudulenta, que serve para mascarar a relação de emprego travestida de contratação por meio de pessoa jurídica, não se confundindo, dessa forma, com a terceirização, já que a própria ideia deste instituto é a existência de uma terceira pessoa, intermediando a relação de trabalho que deveria ser linear. No caso da "pejotização", a pessoa jurídica permite o afastamento do vínculo de emprego pela via artificial da existência de uma pessoa jurídica, que vem a ser a própria pessoa física prestando serviços como uma espécie de "eu LTDA".

Como afirmam Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes, "se a 'pejotização' implica, na prática, que o trabalhador seja, a um só tempo, a empresa contratante e o prestador de serviços, naturalmente o conceito basilar da própria terceirização cai por terra", pois, "essa pressupõe na essência uma especialidade na execução daquele serviço contratado, em autêntica triangulação de atividades entre contratante, empresa contratada e o empregado prestador de serviço. Logo, é impossível equiparar a 'pejotização' com a regular terceirização" [3].

Na prática, o que a Corte Suprema vem admitindo, é a superação do artigo 9º da CLT, ao não admitir sequer a possibilidade de fraude quando há contratação de trabalho por meio de pessoa jurídica, além do menoscabo ao princípio da primazia da realidade, mesmo que não se tenha revogado os artigos 3º e 442 da CLT. Ao decidir nessa direção, a Corte Suprema igualmente retira da Justiça do Trabalho, a possibilidade de dizer o que pode ou não configurar relação de emprego e, por via transversa, limita a competência material desta Justiça Especializada, quando a lide tratar sobre caso envolvendo "pejotização", inclusive a decorrente da figura prevista na Lei nº 11.442/2007 (TAC agregado).

 


[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo na Reclamação nº 47.843. Redator do acórdão: ministro Alexandre de Moraes, Órgão julgador: Primeira Turma, data de publicação do acórdão: 07 abr. 2022.

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 56.285. Relator do acórdão: ministro Luiz Roberto Barroso, data da decisão: 6 dez. 2022.

[3] CALCINI, Ricardo; MORAES, Leandro Bocchi de. STF e a pejotização de profissionais liberais: terceirização ou fraude?. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-07/pratica-trabalhista-pejotizacao-profissionais-liberais-terceirizacao-ou-fraude. Acesso em: 2 jan. 2023.

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    é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Cers, Ucsal, Unifacs e das escolas judiciais do TRT da 5ª, 6ª, 7ª e 16ª Regiões.

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    é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região, mestra em Direito pela UFBA, doutora pela PUC-SP, pós-doutora pela Universidade de Salamanca, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Ematra5, Cers, Cejas, Ucsal e da Escola Judicial do TRT da 5ª, 6ª, 10ª, 13º e 16ª Regiões, autora de livros e artigos jurídicos e ex-professora substituta da UFRN.

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