Opinião

Diligência ambiental exigida pelos europeus para produtos do agronegócio

Autores

  • Rafael Ferreira Filippin

    é advogado doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento e fundador da NFC Advogados.

  • Alessandro Casagrande

    é engenheiro agrônomo pós-doutorando em desenvolvimento regional pela Furb doutor em tecnologia pela UTFPR mestre em meio ambiente e desenvolvimento pela UFPR especialista em ciência de solos pela UFPR e servidor de carreira da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).

14 de janeiro de 2023, 9h16

O ano de 2023 já começa com muitos desafios na área ambiental para o agronegócio brasileiro. Enquanto todas as atenções estavam voltadas para a Copa do Mundo e para o processo de transição no governo federal em dezembro de 2022, a União Europeia aprovou algumas inovações legislativas para o combate ao desmatamento, como forma de conter as mudanças climáticas.

A mais recente foi a que exige dos seus próprios agentes de mercado o cumprimento de metas cada vez mais rígidas de neutralização de emissões, assim como a imposição de taxas de carbono para os produtos importados (dentre eles o aço, o cimento e os fertilizantes).

Mas, sem sombra de dúvida, a nova legislação que veda a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento é a que tem o maior potencial de causar impacto no agronegócio brasileiro. Não é por outro motivo que a aprovação desse Projeto de Resolução Legislativa pelo Parlamento Europeu, amplamente noticiada desde setembro de 2022, já vem causando muita polêmica dentre as entidades representativas do agronegócio no Brasil.

Enquanto Aprosoja vem criticando veementemente a iniciativa desde 2021, considerando-a um protecionismo disfarçado de proteção ambiental, a Confederação Nacional da Agricultura tem adotado um tom mais moderado, ponderando que não é contra a diligência ambiental exigida pelos europeus, mas adverte que a nova norma também pode gerar efeitos adversos ao comércio e à oferta de alimentos.

Da mesma forma, a Frente Parlamentar da Agropecuária entende que a exigência deve se restringir a produtos oriundos de locais onde houve desmatamento ilegal, sem abranger aqueles que foram produzidos em áreas permitidas segundo o Código Florestal Brasileiro, mesmo após 31 de dezembro de 2020. Por sua vez, a Abiove aponta que haverá um aumento nos custos dos exportadores brasileiros, dada a maior complexidade que a logística terá que vencer diante da necessidade de se ter rastreabilidade dos produtos.

Mas o fato é que, apesar das críticas, já há um acordo entre os representantes dos países que integram a União Europeia para, enfim, adotar o texto aprovado em setembro no Parlamento, que deve entrar em vigor em breve e já deve surtir efeitos a partir da safra 2023/2024.

Aliás, a decisão europeia não é uma surpresa diante das recentes mudanças políticas ocorridas no mundo todo e inclusive no Brasil, muitas delas ocasionadas pela urgência no cumprimento das metas de redução de emissões adotadas como forma de conter as mudanças climáticas.

Mas, no que consiste a principal exigência contida nessa nova norma europeia, para que o Brasil possa manter o acesso a esse importante mercado? A resposta é adotar a chamada "diligência devida", que é uma diligência ambiental por meio da qual os exportadores de produtos de base e derivados poderão demonstrar a rastreabilidade dos seus produtos desde a sua origem.

Com efeito, o Artigo 3º da nova norma europeia cria uma proibição na importação de produtos (de base ou derivados) de madeira, carne bovina, óleo de palma, soja, cacau e café que não sejam capazes de demonstrar, por meio de documentos confiáveis, que não estão associados ao desmatamento ilegal ou o ocorrido após 31 de dezembro de 2020, além de terem sido produzidos em conformidade com a legislação aplicável, o que permitirá que os importadores emitam uma declaração de que foi realizada a diligência devida, a qual verificou todos esses aspectos, segundo o Artigo 8º da nova norma europeia.

Esta diligência devida inclui informações, documentos e dados verificáveis, os quais devem ser mantidos por cinco anos, conforme o artigo 11º da nova norma, para que possam ser auditados a qualquer momento pelas autoridades europeias e, que são necessários para cumprir os requisitos estabelecidos no Artigo 9º, quais sejam: a descrição dos produtos, a quantidade, o país de origem, as coordenadas de geolocalização do imóvel de origem dos, bem como a data (ou período) de produção, o nome e endereço (postal e eletrônico) dos produtores na origem, bem como outras informações adequadas e verificáveis que demonstrem os produtos não estão associados ao desmatamento e que forma produzidos em conformidade com a legislação aplicável do país, incluindo disposições sobre o direito de uso da terra.

A imprensa divulgou opiniões no sentido de que a falta de indicação de critérios de validação e verificação das informações que devem compor a diligência poderia ser um problema. No entanto, na falta de indicações expressas, os importadores e as autoridades europeias devem reconhecer os métodos aceitos pela legislação brasileira que, aliás, também têm correspondência com padrões internacionais. Da mesma forma, devem ser aceitos os documentos que demonstram a regularidade fundiária de uma área: a matrícula no registro de imóveis, o CCIR emitido pelo Incra, o Cafir da Receita Federal e o CAR realizado perante o órgão ambiental. E, no caso da carne, é certo que deve ser aceita a rastreabilidade feita com base nas normas do Sisbov, por exemplo.

A verdade é que a tecnologia e a expertise de como elaborar as diligências já estão disponíveis ao agronegócio brasileiro para vencer esse desafio, como mostram os relatórios anuais da Moratória da Soja na Amazônia, em prática já há 14 anos, por exemplo. A propósito, o agronegócio vem incorporando muita tecnologia com o objetivo de melhorar a gestão e agregar valor aos seus produtos, como é o caso do uso de drones para sensoriamento remoto, rastreamento por satélite e a adoção de blockchain para comprovar a confiabilidade dos dados da rastreabilidade.

A diligência devida também deve abranger medidas de avaliação e atenuação do risco, de periodicidade anual, segundo o artigo 10º da nova norma europeia, o que consiste em um parecer periódico que deve analisar as informações recolhidas, verificar a sua veracidade e realizar um juízo de valor no sentido de que não existe risco de os produtos exportados estarem em desconformidade com os requisitos. Esse parecer de avaliação periódica do risco deve levar em conta o grau de risco atribuído ao país de origem, a presença de florestas ou a prevalência de degradação florestal na zona de produção, assim como a origem, a fiabilidade e a validade das informações recolhidas, além de outras preocupações, como o nível de corrupção, a prevalência de falsificação de documentos e de dados, a falta de fiscalização, a complexidade da cadeia logística, dada a probabilidade de mistura com produtos de origem desconhecida ou produzidos em zonas afetadas pelo desmatamento.

Caso o parecer de avaliação de risco chegue à conclusão de que o risco não é nulo ou negligenciável, devem ser adotadas, antes da colocação dos produtos no mercado da União Europeia, medidas de atenuação, o que consiste no fornecimento de informações, dados ou documentos suplementares e a realização de auditorias independentes, dentre outras medidas relacionadas.

Por outro lado, a nova norma aceita que essa diligência devida seja suprida por sistemas de certificação ou outros sistemas de verificação por terceiros, nomeadamente regimes voluntários reconhecidos pela União Europeia e, no caso dos produtos de madeira, que são abrangidos pelo Regulamento (CE) nº 2173/2005 do Conselho, pela licença Flegt. E, por fim, o artigo 11º da nova norma exige que a metodologia adotada para a elaboração das diligências devidas seja divulgada anualmente pelos exportadores ao público em geral, inclusive pela Internet.

Com efeito, o sistema de controle exigido pelos europeus é eminentemente declaratório, cuja confiabilidade está lastreada não somente em decisões ou autorizações estatais, mas também e principalmente em um minucioso trabalho de gestão da informação, o que é positivo, pois depende principalmente da iniciativa dos próprios agentes privados do agronegócio e não da agilidade da burocracia estatal. Ou seja, a acuracidade das informações e juízos de valor podem ser confirmados pela emissão de Anotações de Responsabilidade Técnica de profissionais devidamente inscritos em seus respectivos conselhos profissionais, assim como a regularidade jurídica dos imóveis e das operações pode ser atestada por parecer de advogado(a) devidamente inscrito(a) na Ordem dos Advogados do Brasil, que pode organizar os documentos e informações segundo o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB (inclusive em blockchain). Mas, por outro lado, é certo que a violação ou fraude nas informações fornecidas pode acarretar não só sanções comerciais, mas também levar à responsabilização civil e criminal dos envolvidos.

Em síntese, as novas exigências da União Europeia vão demandar novos investimentos em tecnologia e em compliance por parte dos exportadores brasileiros, mas é inegável que o arcabouço institucional e tecnológico necessário está totalmente disponível, o qual permite que o agronegócio brasileiro siga aproveitando as oportunidades de negócios nessa nova economia de baixo carbono que está surgindo.

Autores

  • é advogado, doutor em meio ambiente e desenvolvimento pela UFPR, vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR, listado na revista Análise 500 da Advocacia desde 2014 e sócio fundador da NFC Advogados.

  • é engenheiro agrônomo, pós-doutorando em desenvolvimento regional pela Furb, doutor em tecnologia pela UTFPR, mestre em meio ambiente e desenvolvimento pela UFPR, especialista em ciência de solos pela UFPR e servidor de carreira da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).

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