Opinião

PLP nº 17 amadurece regra de responsabilidade solidária

Autores

  • Flávio de Haro Sanches

    é sócio tributário do CSMV Advogados. Eespecialista em Direito Tributário pelo IBET e em Imposto de Renda de Empresas pela APET. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria de Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo.

  • Livia Ricciotti

    é advogada sênior em contencioso e consultoria tributária do escritório CSMV Advogados mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

13 de janeiro de 2023, 17h16

Desde o último dia 16 de novembro, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar n° 17/2022 ("PLP 17"), de autoria do deputado federal Felipe Rigoni e denominado de Código de Defesa do Contribuinte, já aprovado na Câmara dos Deputados.

O referido PLP 17 estabelece normas gerais de direitos, garantias e deveres do contribuinte, chamando a atenção a proposta da alteração da redação do inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN), que, se aprovados, tendem a conferir maior clareza ao alcance da responsabilidade solidária por interesse comum nos negócios jurídicos usualmente questionados nas fiscalizações federais, assimilando os precedentes administrativos e judiciais sobre a matéria.

O acompanhamento da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais revela que passou a ser praxe a inclusão de responsáveis solidários em lançamentos tributários com base na argumentação genérica de suposto "interesse comum", com fundamento no artigo 124, I, do CTN. Felizmente esta prática presente nas autuações é rechaçada pelos órgãos de Julgamento.

Exemplos destas autuações são observados em diversos setores da economia, tais como em Construtoras em questões envolvendo o Regime Especial de Tributação (RET), e muito na desconsideração de pessoas jurídicas que exploram imagem de artistas e atletas, em que se autua solidariamente diretores das construtoras e contratantes das tais pessoas jurídicas desconsideradas, respectivamente.

Na seara desportiva da referida exploração do direito de imagem de atletas, o que se vê é que os clubes de futebol não eram arrolados como sujeitos passivos solidários à cobrança fiscal nas autuações fiscais lavradas até 2020 [1]. No entanto, observamos alteração da estratégia da fiscalização, cujas autuações vêm sendo revisadas com afastamento da solidariedade até mesmo nas delegacias de julgamento (primeira instância).

Já no âmbito empresarial, e indistintamente quanto ao setor envolvido, temos nos deparado com a sistematização da responsabilização pessoal de diretoria e sócios de empresas, sem qualquer individualização de conduta e preenchimento dos critérios aqui tratados. Isso causa inúmeros transtornos (i.e., arrolamento de bens, eventualmente) que afligem desnecessariamente a pessoa física, e leva ao incremento de custos, como uso de seguro D&O.

Especificamente em relação à caracterização do "interesse comum", o que se percebe é que o Fisco se utiliza desse fundamento sob a perspectiva de um "interesse econômico", isto é, a partir de uma vantagem tributária obtida em razão de atos jurídicos praticados entre contribuintes. Por sua vez, a jurisprudência administrativa predominante parece considerar que "interesse comum" se caracteriza pelo interesse jurídico entre contribuintes envolvidos no negócio jurídico, a partir de direitos e obrigações comuns, assumidos por partes situadas em um mesmo lado da relação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação tributária, desde que comprovado o nexo de causalidade entre a participação comissiva ou omissiva consciente do responsabilizado, e o ato ilícito arguido.

Nesse contexto, foi editado o Parecer Normativo Cosit/RFB n° 4, em 10 de dezembro de 2018 (PN 04), visando à delimitação jurídica do termo "interesse comum", no qual a Administração Federal se distanciou das duas correntes, concluindo que o "interesse comum" seria configurado pela demonstração de relação direta e pessoal na prática de atos no contexto da relação jurídico tributária reputada ilícita, ainda que as partes estejam em lados opostos do negócio.

Com efeito, a aplicação do artigo 124, I, do CTN pressupõe a existência de interesse comum entre as pessoas "na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal". Partindo-se da análise da estrutura do Código Tributário Nacional, é de se destacar que o referido dispositivo legal se insere no Capítulo IV, que disciplina o sujeito passivo da obrigação tributária.

Consta no Capítulo IV o artigo 121 do CTN, que dispõe que o devedor da obrigação tributária (sujeito passivo) abrange duas espécies, contribuinte ou responsável, a depender do liame que ele mantenha com o fato gerador dessa obrigação. Denomina-se "contribuinte" o sujeito passivo da obrigação tributária obrigado ao pagamento de tributo, ou da penalidade pecuniária, quando detiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Já o "responsável tributário" é aquele que, sem revestir a condição de contribuinte, possui obrigação tributária decorrente de disposição expressa de lei.

Ou seja, segundo o Código Tributário Nacional, o sujeito passivo  seja contribuinte, seja responsável , é quem possui o dever de recolher o tributo aos cofres públicos. No caso do responsável tributário, cujo vínculo obrigacional foi previsto no Capítulo V do CTN, a lei tributária pode atribuir-lhe a responsabilidade em caráter exclusivo, afastando a do contribuinte, ou não, atribuindo a este em caráter supletivo (artigo 128).

É nesse contexto que deve ser compreendido o artigo 124 do CTN, que não traz em seu bojo hipótese autônoma de responsabilidade tributária, tal qual vem sendo aplicado nos lançamentos tributários de modo geral, mas apenas regula as situações em que duas ou mais pessoas, enquanto contribuintes ou responsáveis, respondem solidariamente pelo crédito tributário [2].

Se aprovada a alteração proposta no PLP 17, o texto do inciso I do artigo 124 do CTN passará a dispor, expressamente, a evidência do "interesse jurídico comum" e do nexo causal na "situação que constitua o fato gerador da obrigação principal", conferindo maior segurança jurídica aos contribuintes em geral, participantes de negócios usualmente questionados pelo Fisco [3], incluindo as transações dos mais variados setores da economia.

 


[1] Conforme consulta à jurisprudência sobre o tema no Carf nos últimos cinco anos: acórdãos 2301-009.628; 2201-009.242; 2301-009.375; 2301-007.138; 2202-005.709; 2301-007.047; 2402-007.978; 2401-007.199; 2301-006.578; 2401-005.938; 9202-004.548; 2202-004.087; 2202-004.008; 2201-003.748; 2402-005.703; 2202-003.682.

[2] Nesse sentido: Acórdão CSRF n° 9202-010.012, de 29 de outubro de 2021.

[3] Redação atual do artigo 124, I, do CTN: "Artigo 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;".

Redação disposta no PLP 17 pendente de aprovação no Senado: "Artigo 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse jurídico comum e que tenham atuado na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;".

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    é sócio tributário do CSMV Advogados. Eespecialista em Direito Tributário pelo IBET e em Imposto de Renda de Empresas pela APET. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria de Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo.

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    é advogada sênior em contencioso e consultoria tributária do escritório CSMV Advogados, mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

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