Opinião

A precipitada prisão do ex-comandante-geral da PM-DF

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12 de janeiro de 2023, 6h14

A data de 8/1/2023 entrou para a história do Brasil em virtude de acontecimentos lamentáveis e afrontosos ao Estado Democrático de Direito, sendo marcada por depredações às sedes dos três Poderes federais do país causadas por manifestantes submersos em ideais antidemocráticos e essencialmente golpistas.

Dezenas de milhares de manifestantes participaram do ato, o qual resultou em pichamentos, destruição e dano significativo às dependências físicas, patrimônio histórico, cultural e artístico do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal [1].

Vídeos demonstram a tentativa da polícia de impedir o avanço dos manifestantes extremistas [2], que, logo após furarem o cordão de contenção da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF), partiram para o Congresso Nacional (não foram freados pela Polícia Legislativa da Câmara e do Senado) [3], depois para o Palácio do Planalto (igualmente não foram impedidos pelo Exército/GSI) e para o Supremo Tribunal Federal (não encontraram resistência da Polícia Judiciária) [4].

Em verdade, toda a segurança montada ao redor da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes não estava contando com a quantidade de radicais presentes no ato e menos ainda com a agressividade imposta na destruição do patrimônio público e violência aos próprios agentes de segurança pública, incluindo um cavalo da PM-DF [5].

No entanto, para a surpresa de muitos, após a representação do diretor-geral da Polícia Federal, foi decretada a prisão preventiva do ex-comandante-geral da PM-DF, Fábio Augusto Vieira, no mesmo dia do acontecimento dos atos golpistas vivenciados na capital federal.

Ao decretar a prisão preventiva do ex-comandante-geral, o ministro Alexandre de Moraes enfatizou os requisitos indispensáveis à segregação cautelar — fumus commissi delicti (indícios de autoria e materialidade) e periculum libertatis (perigo da liberdade). Ao argumentar pela existência do fumus commissi delicti, o ilustre ministro destacou a "aparente conivência de parcela da corporação com os atos terroristas ocorridos, inclusive com escolta dos criminosos” e a “previsibilidade da conduta dos grupos criminosos e pela falta de segurança que possibilitou a invasão dos prédios públicos".

No tocante ao periculum libertatis, o ínclito julgador apontou que "a manutenção do agente público no respectivo cargo poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos".

Inobstante a argumentação despendida pela distinta autoridade, não estão suficientemente preenchidos os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Um dos motivos ensejadores da prisão, mormente no aspecto do periculum libertatis, foi a possibilidade de o ex-comandante da PM-DF "dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal", tendo o julgador, portanto, frisado a conveniência da instrução criminal como a premissa central para a restrição cautelar da liberdade do investigado.

Sobrevém que, com a intervenção federal na segurança pública do DF, o interventor nomeado, Ricardo Capelli, anunciou no dia seguinte (9/1) aos ataques à democracia a nomeação do coronel Klepter Rosa Gonçalves para o cargo de comandante-geral da PM-DF, substituindo Fabio Augusto antes mesmo que o mandado de prisão preventiva fosse cumprido — foi cumprido apenas em 10/1 — ou sequer fosse de conhecimento público, visto que a requisição do Diretor-Geral da PF tramitava em sigilo.

Aliás, suficientemente seria a imposição de medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319, do CPP, especialmente a prevista no inciso VI, que viabiliza o afastamento do agente da função pública (determinação aplicada ao governador do DF) e definitivamente restringiria a obstrução da instrução pelo investigado ou ainda a reiteração dos crimes em apuração. Diante disso, de plano, insubsiste um dos requisitos indispensáveis à decretação da segregação cautelar, qual seja o periculum libertatis do acusado.

Quanto ao fumus commissi delicti, segundo Aury Lopes Jr., a sua existência pressupõe sinais externos, com suporte fático real, extraídos dos atos de investigação levados a cabo, em que por meio de um raciocínio lógico, sério e desapaixonado, permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito [6].

Nos ensinamentos do premiado autor, é indispensável a persistência de um juízo de probabilidade e não apenas de possibilidade. O juízo de probabilidade reveste-se de um predomínio de razões positivas, de atributos da tipicidade, ilicitude e culpabilidade, e do dolo, uma vez que a imputação de crime culposo não é compatível com o cárcere processo-instrumental.

Todavia, a decisão em comento não destaca com precisão o tipo penal incidido pelo ex-comandante-geral (há menção abstrata aos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º, da Lei nº 13.260 — Lei antiterrorismo; aos artigos 163 — dano, 288 — associação criminosa, 359-L — abolição violenta do Estado Democrático de Direito e 359-M — golpe de Estado, todos do CP) e nem especifica as condutas criminosas incididas, mas apenas alerta para a sua potencialidade, evidenciando um distanciamento do juízo de probabilidade e aproximando-se do de possibilidade.

No decorrer da fundamentação, por algumas vezes, há menção de conivência da PM-DF com os atos antidemocráticos, sendo citada a escolta da polícia aos criminosos e a inércia quanto aos acampamentos instalados na frente do QG do Exército. Acontece que a Polícia Militar é órgão executor de políticas, projetos e ações atinentes à segurança pública propostos pela Secretaria de Estado de Segurança Pública do DF.

Em que pese a missão constitucional de preservação da ordem pública, a PM-DF é órgão subordinado ao governador do Distrito Federal, não detendo autonomia administrativa e gerencial. A coordenação e supervisão das ações da PM-DF é exercida pelo governo do Distrito Federal, o qual organicamente se materializa através da Secretaria de Segurança Pública.

De outro modo, indispensável anotar a segurança proporcionada pela PM-DF para a posse do presidente Lula, o esforço da PM-DF para desmobilizar o acampamento em frente ao QG e o atrito com o Exército [7], os registros da tentativa de contenção dos manifestantes por parte dos policiais — com registro de feridos, inclusive o ex-comandante-geral [8] — e, por fim, a efetiva prisão de mais de uma centena de criminosos na Praça dos Três Poderes, mesmo diante de conflito com o Exército [9].

Aliás, informações preliminares emitidas pelo próprio interventor nomeado para assumir a segurança pública do DF durante o mês de janeiro dão conta de que a Secretaria de Segurança Pública teve mudanças profundas no comando durante a última semana e de que o então secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, estava em viagem pelos Estados Unidos, o que teria dificultado a coordenação dos órgãos da pasta. O interventor defendeu veementemente que "o problema não estava nos oficiais da Policia Militar e na corporação" [10].

A governadora interina do Distrito Federal igualmente indicou uma falha dentro da Secretaria de Segurança Pública, pois mudou o planejamento e sequer informou a Casa Civil [11], reforçando a ausência de elementos ínsitos à PM-DF que pudessem pressupor omissão dolosa por parte do comandante da corporação à época.

O instituto da prisão cautelar é demasiadamente excepcional e somente pode ser imposta quando vislumbrado elementos mínimos de autoria e materialidade e o periculum libertatis em concreto e não por conjecturas, nem mesmo a gravidade abstrata [12], o que não está claramente delineado no caso sub examine.

As responsabilidades penais, civis e administrativas devem ser minunciosamente apuradas a partir do procedimento adequado, contudo o recolhimento preventivo não pode ser adotado como uma ferramenta genérica e desmedida do Judiciário para a elucidação de crimes, sejam eles quais forem, sob pena de dar vida ao conhecido dilema de "prender primeiro para depois apurar a presença de conduta criminosa" [13].

A privação da liberdade, ainda que aplicada provisoriamente, carrega consigo inúmeras consequências, tanto de caráter social quanto de natureza processual. Logo, para a sua adequada implementação, o magistrado deve equilibrar o impacto da medida para o investigado com os elementos coligidos na investigação aptos à sugerirem o cárcere antecipado.

Por toda a explanação grafada alhures, a prisão preventiva do ex-comandante-geral da PM-DF poderia ter sido postergada, ou substituída por medidas cautelares diversas à prisão, até a elucidação mais objetiva das circunstâncias em que se deram as investidas criminosas dos extremistas aos prédios públicos, com o intuito de evitar uma prisão deficiente de indícios de autoria e materialidade. Paralelamente, o decreto prisional teve a sua função de preservação da instrução processual esvaziada pela troca política no comando-geral da corporação, situação que poderia ter sido judicialmente imposta por medidas diversas da prisão (artigo 319, VI, do CPP), em sintonia com o afastamento determinado ao governador eleito do Distrito Federal.

 


[6] Lopes Jr., Aury. Prisões cautelares / Aury Lopes Jr. – 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2017. Pág. 61/62

Autores

  • é estudante de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal, estagiário no escritório Amin Ferraz, Coelho e Thompson Flores Advogados e no escritório Azevedo e Carvalho Advogados Associados e pesquisador nas Áreas de Direito Penal, Processual Penal e Constitucional.

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