Opinião

Contra o terror, a lei. Contra o abuso, há lei

Autor

  • é advogado doutorando mestre em Processo Penal pela PUC-SP especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC-MG professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

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11 de janeiro de 2023, 20h45

É estarrecedor e lamentável o episódio de violência e de destruição amplamente noticiado pela mídia brasileira — e pelo mundo — quanto aos ataques sofridos pelos três Poderes da República no último dia 8 de janeiro de 2023.

Em virtude de tamanha delinquência generalizada, agentes das polícias militar e federal procederam à prisão em flagrante de suspeitos de ações criminosas, atribuindo-lhes a prática dos crimes de dano ao patrimônio público e cultural, vandalismo, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático e outros.

Vale dizer, os agentes policiais entenderam que os indivíduos conduzidos às autoridades teriam sido surpreendidos praticando crimes ou imediatamente após praticá-los.

Ocorre que, uma vez realizada a prisão em flagrante, o investigado tem direito a se entrevistar com seu advogado e ser conduzido à presença da autoridade judicial no prazo máximo de 24 horas, a fim de que 1) examine se houve alguma violação de direitos; 2) avalie a necessidade da prisão ou o cabimento de medidas cautelares diversas da privação da liberdade.

É dizer, não se pode prender ninguém em flagrante — e nessa condição mantê-lo — sem que se tenha uma mínima presunção fática quanto à autoria do delito que se imputa, cabendo ao juiz, logo em seguida, avaliar a legalidade do flagrante.

Quanto ao episódio já retratado como sendo um dos piores ataques à democracia pós-período militar, nota-se o uso abusivo de prisões (em flagrante) para averiguações. Ou seja, prende-se para buscar revelar a participação delitiva dos autores sem que exista uma clareza ou ao menos uma presunção da prática de determinado fato criminoso e a necessária individualização da conduta.

Ora, não estando clara a participação individualizada em atos criminosos, a autoridade policial deve imediatamente colocar em liberdade tais indivíduos, sem prejuízo de que sejam posteriormente chamados a prestar esclarecimentos com o surgimento de novos elementos de prova.

Nas hipóteses de definição e descrição clara da prática delitiva, cabe ao Poder Judiciário avaliar, no prazo legal, a necessidade da prisão preventiva.

Dito de outra maneira, não se pode postergar o exame da imprescindibilidade da prisão a pretexto de se apurar a prática de crimes (graves ou não). O instituto da audiência de custódia, inserido na legislação processual brasileira a duras penas, é garantia fundamental inafastável de todo e qualquer cidadão. É antídoto necessário para rechaçar medidas ilegais e abusivas, bem como para fixar condições essenciais de cautelaridade.

Respeitar e velar pelos direitos fundamentais de investigados/acusados é tão importante quanto apurar e punir autores de crimes bárbaros, como aqueles ocorridos no coração da República brasileira. Afinal, é assim que se revelam — e confirmam — os regimes democráticos.

Autores

  • é advogado criminal, mestre em Processo Penal pela PUC-SP, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

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