Licitações e contratos

O mandado de segurança e a homologação do processo licitatório

Autores

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

  • Raphael Guimarães

    é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados com larga experiência na área de contratação pública.

6 de janeiro de 2023, 8h00

Entre os mais diversos participantes e atores envolvidos em processos licitatórios, independentemente da experiência ou vivência na área, paira acentuada imprecisão no que se refere aos efeitos da homologação da licitação, designadamente quanto à viabilidade da utilização do mandado de segurança.

Spacca
Para o Superior Tribunal de Justiça, uma vez impetrado mandado de segurança, eventual homologação de licitação não prejudicará o trâmite deste lenitivo processual, a saber:

"10) A superveniente homologação/adjudicação do objeto licitado não implica a perda do interesse processual na ação em que se alegam nulidades no procedimento licitatório".

É interessante esclarecer que o sobredito entendimento integra a Edição nº 97 da Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, cujo intento é conferir maior segurança jurídica ao jurisdicionado, na medida em que tal posicionamento deriva de inúmeras decisões convergentes, solidificando a jurisprudência da corte em tal direção.

Em que pese a existência de Jurisprudência em Tese, alguns tribunais de jurisdição ordinária, nomeadamente os Tribunais de Justiça brasileiros, ousam adotar posicionamento refratário ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a homologação de licitação não prejudica o trâmite do mandado de segurança, senão vejamos:

"APELAÇÃO MANDADO DE SEGURANÇA LICITAÇÃO HOMOLOGADA E ADJUDICADA PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. Perda superveniente do objeto do mandamus em razão da homologação e adjudicação da licitação Eventuais prejuízos deverão ser resolvidos em ação de perdas e danos" (TJ-MG – AC: 10000191583178002 MG, Relator: Juliana Campos Horta, Data de Julgamento: 11/11/2020, Câmaras Cíveis/12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/11/2020).

Divergir da jurisprudência construída pelo Superior Tribunal de Justiça é possível e, mais que isso, salutar para a dinâmica própria ao ordenamento jurídico. No entanto, a autonomia institucional dos Tribunais de Justiça não deve ser utilizada como privilégio ou salvaguarda para a prática de arbitrariedades, consistentes em decisões não fundamentadas, que em nada justificam o posicionamento refratário ao adotado pela corte superior.

Superando o esboço de crítica aos Tribunais de Justiça que promovem insegurança jurídica ao divergirem (sem a observância da devida lealdade processual, decorrente do dever positivado no artigo 926, caput, do CPC/2015, referente à estabilidade, integridade e coesão jurisprudencial, sem prejuízo de outros dispositivos) do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, o fato é que a homologação ou mesmo a adjudicação do processo licitatório não configura perda superveniente do objeto do mandado de segurança anteriormente impetrado.

Isso porque, havendo ilegalidade, ainda que homologada a licitação, deverá ter prosseguimento e devido trâmite o já impetrado mandado de segurança para que a higidez do procedimento licitatório seja reestabelecida. Logo, a homologação da licitação, nos termos do artigo 71 da Lei nº 14.133/2021, não fulmina o objeto do mandado de segurança.

Em verdade, mesmo inexistindo um dispositivo legal que determine a paralisação do processo licitatório eis que o artigo 71 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (antes mencionado) não contempla tal hipótese , cabe à autoridade superior, não sendo o caso das disposições contidas nos incisos I, II e III do caput, ponderar se, antes de proceder à adjudicação do objeto e consequente homologação da licitação (inciso IV), não é prudente aguardar a apreciação do mérito do mandamus impetrado.

Nessa senda, é plenamente defensável, por iguais razões, que o mandado de segurança pode ser impetrado após a homologação e/ou adjudicação do processo licitatório, desde que observado o prazo decadencial de 120 dias, a contar da prática do ato ilegal que se pretende desfazer. Este não é, porém, o entendimento que vem sendo adotado pela maioria dos Tribunais de Justiça do país.

Ocorre que a homologação e/ou adjudicação não convalida eventual ilegalidade cometida no processo licitatório. Se irregular a habilitação ou inepta a proposta do licitante declarado vencedor, por exemplo, o contrato com ele firmado deve ser anulado pela própria Administração Pública ou, se devidamente provocado, pelo Poder Judiciário. Do contrário, conferir-se-ia "à Administração Pública meio ardil para convalidar nulidades ocorridas na licitação; evitando, com isso, que a parte prejudicada viesse a se valer da tutela jurisdicional" [1].

Dito de outro modo, em sendo admitida a possibilidade de a Administração convalidar processo licitatório pela mera homologação e/ou adjudicação (conjecturável incidência contida no inciso IV do artigo 71 da Lei nº 14.133/2021), ao licitante não será garantido qualquer meio processual apto ao desfazimento do ato eivado de ilegalidade e, o que é mais grave, sendo prejudicado pela prática de deliberados atropelos procedimentais.

Com efeito, tolher dos licitantes a garantia constitucional insculpida no artigo 5º, LXIXI, da Constituição Federal Brasileira de 1988, alusiva ao mandado de segurança, impedindo o exercício deste remédio constitucional, somente atenderá a desígnios não republicanos, o que não deve e nem pode ser tolerado, sobremais em processos de contratação pública, os quais, por fiel escopo normativo, têm de, fielmente, obedecer aos princípios que vertem do artigo 5º da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

 


[1] TJ-GO – MS: 01428690920138090000 GOIANIA, Relator: DES. OLAVO JUNQUEIRA DE ANDRADE, Data de Julgamento: 27/11/2014, 5A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 1685 de 5/12/2014.

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    é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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    é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados, com larga experiência na área de contratação pública.

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