Opinião

Decisões recentes do STF e a "pejotização": tendência ou risco?

Autor

  • Thiago Dória

    é advogado professor consultor sócio fundador de FND Advogados mestre em Direito governança e políticas públicas e membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

5 de janeiro de 2023, 18h16

Algumas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal chamaram a atenção da imprensa e despertaram reflexões acerca do fenômeno da "pejotização", com destaque para publicações do Valor Econômico (em 29 de novembro [1], 5 de dezembro [2] e 21 de dezembro [3]). Muitos empresários leitores entenderam que a repercussão do assunto poderia apontar uma tendência, mas a questão é muito mais complexa.

É fato que, nos últimos meses, algumas Reclamações Constitucionais obtiveram êxito na impugnação de decisões da Justiça do Trabalho que, em tese, contrariaram a jurisprudência do STF firmada no Tema 725 de Repercussão Geral, que diz: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Vale notar, porém, que a tese acima não fala nada sobre a contratação de uma pessoa física mediante a interposição de uma pessoa jurídica, e apenas reconhece que não há impedimento legal para que duas pessoas jurídicas contratem serviços umas das outras, seja qual for o objeto da contratação (atividade-meio ou atividade-fim).

Um olhar mais atento sobre as seis reclamações noticiadas na imprensa mostra o cerne da questão no Supremo. As reclamações RCL 39.351 e RCL 53.899, principais precedentes da matéria no STF, não examinam decisões em ações individuais, mas em Ações Civis Públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho para impedir que hospitais ou clínicas contratassem médicos terceirizados e organizados em pessoas jurídicas, sob o argumento de se tratar de atividade-fim dos contratantes. Na RCL 56.499, oposta pela CBF contra decisão favorável a um ex-diretor da entidade (que ganhava mais de 80 mil reais através de uma pessoa jurídica), o STF afastou a configuração de vínculo por reconhecer o dirigente como "trabalhador hipersuficiente". E nas RCLs 53.899, 55.607 e 56.132, a discussão envolve decisões que reconheceram vínculo de emprego de pessoas que firmaram contratos (de sociedade, de autônomo, e de parceria imobiliária) presumidos pela Justiça do Trabalho como fraudulentos.

É justamente esta presunção (e somente ela) que contraria o entendimento do STF, o que foi reconhecido nas reclamações. Em duas delas, relatadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, constam decisões bastante similares, cuja transcrição é valiosa:

Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.

Note-se: a grande mudança na jurisprudência sobre o tema ocorreu em 2018, e a partir da fixação do Tema 725 a terceirização de atividade-fim deixou de ser presumida como fraudulenta. O julgamento recente das Reclamações Constitucionais com base nesta jurisprudência não constitui em absoluto uma "nova" tendência, mas apenas reforçam a necessária observância ao entendimento do STF. Aliás, outros julgados do Supremo já caminhavam nesse sentido, como na ADI 5.625, que confirmou a licitude dos contratos de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor.

Todavia, todas as decisões acerca do tema invariavelmente ressalvam a nulidade de qualquer contrato firmado "para dissimular relação de emprego de fato existente". Assim, se é possível afirmar que qualquer tipo de contrato é lícito para regular relações de trabalho e serviço, também é necessário perceber que todo e qualquer contrato, sem exceção, poderá ser desconsiderado e anulado, caso haja demonstração de que estavam presentes os elementos constitutivos do contrato de emprego previstos no Artigo 3º da CLT.

De outro lado, também é certo que a disciplina das relações de trabalho passará por novas transformações nos próximos anos, e que até mesmo a aparente vantagem tributária da pejotização pode sofrer mudanças. Antes mesmo da posse, o próximo Secretário Especial para a Reforma Tributária do Ministério da Economia, Bernard Appy, expressou preocupação com a atual sistemática da contribuição previdenciária e dos regimes tributários especiais que, a seu ver, agravam a tributação dos profissionais assalariados, em comparação com os trabalhadores "pejotizados". Já o recém-empossado Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, fez expressa menção à desvirtuação da figura do Microempreendedor Individual (MEI).

Em suma, assumir como tendência a adoção de uma "pejotização" ampla e indiscriminada pode custar caro. Por ora, parece mais prudente reforçar a recomendação de plena atenção aos gestores para que não normalizem a "contratação de trabalhadores por pessoa jurídica" — pois isso, a rigor, não existe. A jurisprudência do STF dá uma boa margem de segurança às empresas para que aproveitem de todos os tipos e formatos de contratação possíveis, mas sem descuidar da indispensável e minuciosa análise quanto à existência dos requisitos da relação de emprego. Em especial, onde houver pessoas prestando serviços com pessoalidade ou subordinação, mesmo que parcialmente, haverá relevante risco trabalhista, independentemente do modelo de contrato formalmente assinado.

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    é advogado, professor, consultor, sócio fundador de FND Advogados, mestre em Direito, governança e políticas públicas e membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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