Prática Trabalhista

Apresentação de atestado médico falso e as suas consequências jurídicas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

5 de janeiro de 2023, 8h00

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) disciplina, em seu artigo 473 [1], as situações em que o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário. Em tais situações, estar-se-á diante das faltas justificadas.

Contudo, uma das situações mais recorrentes e habituais de faltas ao trabalho são aquelas provenientes de enfermidades. Dessa maneira, para que tal ausência ao trabalho seja considerada uma falta justificada, se faz imprescindível a apresentação do respectivo atestado médico.

De acordo com o artigo 6º, §1º, alínea "f", da Lei nº 605/1949 [2], a ausência justificada ao trabalho, por motivo de doença, é um direito do(a) trabalhador(a). Todavia, se não houver a correspondente justificativa, o(a) trabalhador(a) poderá perder o direito ao descanso semanal remunerado.

Ocorre que, na prática, com o intuito de justificar uma falta ao serviço, o(a) trabalhador(a), por vezes, apresenta ao seu empregador um atestado médico falso. E aqui ficam as dúvidas: quais são as consequências jurídicas neste cenário? Tal conduta pode ser considerada criminosa? E, ainda, seria possível a aplicação de justa causa se comprovada tal situação?

Spacca
De início, impende destacar que o atestado médico poderá ser considerado falso (1) em razão da sua natureza material, em que é elaborado por uma pessoa que não possui habilitação para a emissão do documento; (2) em razão da natureza ideológica, pois, ainda que subscrito por profissional habilitado, o seu conteúdo não é verdadeiro; e (3) quando embora o atestado seja legítimo, fica comprovado que o documento foi adulterado.

De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) [3], todo e qualquer médico(a) que possua a sua inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM) poderá emitir um atestado, sendo que este documento não poderá conter nenhuma rasura.

Além disso, não se faz necessário que o atestado emitido pelo(a) médico(a) seja, obrigatoriamente, a sua área de especialização. Por isso, a empresa não poderá recusar o atestado apresentado sob esse fundamento.

No entanto, para a sua elaboração, de acordo com a Resolução CFM nº1.658/202 [4], o atestado médico deve: (1) especificar o tempo concedido de dispensa à atividade necessário para a recuperação do(a) paciente; (2) estabelecer o diagnóstico quando expressamente autorizado pelo(a) paciente; (3) registrar os dados de maneira legível; (4) identificar o(a) emissor(a) mediante assinatura e carimbo ou número de registro no CRM.

Entrementes, uma dúvida comum entre os profissionais se refere à obrigatoriedade de incluir no atestado a Classificação Internacional de Doenças (CID) para dar validade ao documento.

Sobre o assunto, o Código de Ética da Medicina [5] dispõe ser vedado ao(à) médico(a), em seu artigo 73, "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente"; de outro lado, a Constituição Federal, em seu artigo 5, inciso X [6], preceitua como um direito e uma garantia fundamental de todas as pessoas a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

A respeito de tal problemática, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se pronunciou no sentido de não ser necessário a indicação da CID para a validade do atestado médico (RO – 213-66.2017.5.08.0000) [7]. Em seu voto, a ministra relatora asseverou "que a emissão de atestado médico com a identificação do diagnóstico codificado, sem a autorização expressa do paciente, constitui procedimento antiético do profissional de medicina. Ademais, o atestado médico emitido por profissional legalmente habilitado possui presunção de veracidade de seu conteúdo, sendo válido para a comprovação a que se designa". Portanto, observa-se que a indicação da CID não se revela imprescindível para a validade do atestado.

Se, por um lado, não faz necessária a indicação da CID para a legitimidade do atestado médico; por outro, o atestado falsificado poderá trazer implicações tanto no contrato de trabalho, quanto na esfera penal.

Com efeito, o Código Penal dispõe, em seus artigos 296 a 305, as penalidades previstas para o crime de falsificação documental [8]. Já o artigo 80 do Código de Ética da Medicina [9] traz as implicações éticas ao(à) médico(a) que expedir o atestado em desacordo com a verdade.

Nesse panorama, a imprensa noticiou um caso de um trabalhador que foi indiciado por apresentar atestado médico falso, com o intuito de faltar ao trabalho na época do Ano Novo, e, por isso, foi processado pelo crime de uso de documento público falso [10]. Em nova matéria jornalística, outro trabalhador foi preso por utilizar documento falso para faltar ao serviço, na qual simulava um atendimento médico num posto de saúde municipal [11].

Esse último caso chamou a atenção da mídia, pois o trabalhador apresentou, inicialmente, o atestado falso por WhatsApp, e, ao exibir o documento original, foi detido em flagrante. Isto porque a empresa, ao desconfiar da veracidade do atestado médico, entrou em contato com a Vigilância Sanitária, que confirmou tratar-se de um documento falso.

Houve também o caso emblemático de duas ex-funcionárias que, ao apresentarem atestados médicos falsos, foram condenadas à pena de 2 anos e 9 meses de reclusão e a 30 dias multa [12].

Além da repercussão criminal, o uso de atestado médico falso impacta outrossim no contrato de trabalho, de sorte que é importante relembrar que o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho [13] traz as hipóteses de aplicação da justa causa, sendo oportunos aqui os ensinamentos de Henrique Correa [14]:

"Na resolução, o contrato é extinto em razão do ato faltoso de uma das partes. Assim sendo, por motivo de falta praticada pelo empregado (dispensa por justa causa), ou pelo empregador (rescisão indireta) ou por ambas (culpa recíproca), ocorrerá o fim do contrato de trabalho.

Para que ocorra o término do contrato de trabalho em razão da falta grave, é necessário que o ato praticado esteja previsto em lei como justa causa, isto é, tipificado como hipótese de justa causa (arts. 482, 483 e 484 da CLT).

(…) Constituem justa causa para o término do contrato de trabalho pelo empregador: 1. Ato de improbidade. Atenta contra o patrimônio do empregador ou de terceiro. Exemplos: falsificação de documentos para receber horas extras, falsificação de certidão de nascimento para percepção de salário família ou ainda apropriação indébita e furto. O que leva à dispensa é a quebra de confiança e não o valor furtado ou desviado da empresa".

Nesse diapasão, uma funcionária do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Detro-RJ) foi afastada de suas atividades após ser constatada a fraude de um atestado médico pelo núcleo da inteligência do órgão. O motivo do golpe era para não ter que trabalhar no Carnaval [15].

Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho também já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre esta temática, de forma que, na ocasião, o TST concluiu pela validade da justa causa imputada, por ato de improbidade [16]. Em seu voto, o ministro relator ponderou:

"A meu ver, o empregado que entrega atestado médico falsificado comete, na esfera trabalhista, ato de improbidade (CLT, art. 482, 'a') e prática, no âmbito penal, os crimes previstos nos arts. 298 e 304 do Código Penal.

Contrariamente ao entendimento adotado pela Turma, a prática desse delito não é suscetível de ensejar, tão somente, a pena de advertência, como posto no acórdão embargado, uma vez que não há dúvida acerca da caracterização de falta grave, dando ensejo à dispensa por justa causa".

Destarte, no caso julgado pela Justiça do Trabalho, não só foi reconhecida a dispensa por justa causa, como houve sobretudo determinação e remessa dos autos para o Ministério Público para o oferecimento da denúncia, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Civil [17].

Frise-se, por oportuno, que nem sempre é uma tarefa fácil reconhecer um atestado médico falso, e, sendo assim, é forçoso que sejam adotadas algumas cautelas, para que não haja nenhuma conduta equivocada. Para isso, é essencial a instauração de um procedimento interno para apuração do fato, inclusive, contactando o hospital e o(a) médico(a) responsável pela expedição do atestado. De igual modo, a empresa pode enviar ofício para a unidade de saúde e/ou médico(a) para obtenção dos esclarecimentos necessários.

De mais a mais, as empresas poderão, igualmente, através dos seus regimentos internos, estipularem as diretrizes para a apresentação do atestado médico de seus trabalhadores, como, por exemplo, o prazo e procedimentos de exibição do documento.

Em arremate, conquanto a justa causa seja a penalidade mais severa aplicada ao contrato de trabalho, o uso de atestado falso poderá ensejar a ruptura do contrato de trabalho imediatamente. Aliás, dada a gravidade do ato, capaz de quebrar a confiança entre as partes, e, por conseguinte, inviabilizar a manutenção do contrato de trabalho, pode-se concluir que a justa causa deve ser aplicada imediatamente, não se exigindo a gradação de penalidades.

 


[2] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm. Acesso em 26/12/2022.

[9] Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade.

[14] Curso de Direito do Trabalho. 6ª revista atualizada ampliada. Editora JusPodivm. 2021. Página 1227 e 1228.

[17] Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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