Opinião

O dilema em torno do aumento da alíquota do ICMS em Sergipe

Autor

  • Jorge Flávio Santana Cruz

    é advogado e sócio da Carvalho Cruz Advocacia doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet-BA) e membro titular do Conselho de Contribuintes da Secretaria da Fazenda do Estado de Sergipe (Sefaz/SE).

3 de janeiro de 2023, 9h17

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o constituinte outorgou aos estados e ao Distrito Federal a instituição do imposto estadual ICMS e possibilitou, por meio da norma do artigo 155, §2º inciso III da CF/88, que esse imposto fosse seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Os estados e o Distrito Federal, com base na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 86/96 (Lei Kandir), criaram as respectivas leis estaduais e as diferentes as hipóteses de alíquotas. Desse modo, para a maioria dos produtos comercializados nas operações internas foi instituído o percentual de 17%; e para energia elétrica, serviços de comunicação e combustíveis, considerados à época bens não essenciais, fixaram alíquotas a partir de 25%.

Em 2015, como a maioria dos estados começou a ter problemas de caixa, muitos com grandes déficits orçamentários e visando o equilíbrio financeiro, eles necessitaram ajustar as contas públicas por meio do aumento das alíquotas do ICMS. No caso do estado de Sergipe, a alíquota interna, em regra, passou de 17% para 18% (para a maioria das mercadorias), a alíquota de energia elétrica passou de 25% para 28%, e serviços de comunicação de 18% para 25%.

A guerra entre a Ucrânia e a Rússia, no início de 2022, impactou os preços das transações comerciais entre os países, especialmente as commodities. De repente o mundo viu os preços dos derivados de petróleo dispararem e, com isso, o governo brasileiro, no sentido de conter o aumento dos preços dos combustíveis e a inflação, utilizou uma política de redução de tributos, especialmente sobre os combustíveis, e encaminhou para o Congresso Nacional projetos de lei que deram origem à Lei Complementar nº 192/2022 e à Lei Complementar n° 194/2022.

A Lei Complementar nº 192/2022 trouxe a previsão para que o ICMS incidisse sobre os combustíveis uma única vez, já a Lei Complementar nº 194/2022 alterou a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo.

Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal, em 14/3/2022, reconheceu no julgamento do RE 714139/SC  Tema 745, em sede de Repercussão Geral, a essencialidade da energia elétrica, independentemente de quem seja o seu consumidor ou mesmo a quantidade consumida, não podendo "ela", em razão da seletividade, ser submetida a alíquota de ICMS superior às das demais operações em geral. Nesse mesmo julgamento, foi reconhecida a essencialidade dos serviços de telecomunicação, que no passado eram contratados por pessoas com grande capacidade econômica, mas foram se popularizando de tal forma que as pessoas com menor capacidade contributiva também passaram a contratá-los, por isso, a lei editada no passado, a qual não se ateve a essa evolução econômico-social para efeito do dimensionamento do ICMS, se tornou, com o tempo, inconstitucional. No entanto, o Supremo Tribunal modulou os efeitos da decisão para que ela produzisse efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/02/21).

O acordo firmado entre os estados, o Distrito Federal e a União acerca do ICMS sobre combustíveis foi homologado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, em 14/12/2022,. Segundo o termo homologado, a União encaminhará ao Congresso Nacional propostas de aperfeiçoamento legislativo da Lei Complementar 194/2022, que passou a considerar essenciais bens e serviços relativos aos combustíveis, e da Lei Complementar 192/2022, que uniformizou as alíquotas do ICMS sobre combustíveis em todo o país.

No entanto, o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), antes da homologação do acordo, em nome do reequilíbrio fiscal e socioeconômico dos Estados, noticiou que os Estados e o Distrito Federal estão terminando o ano de 2022 com orçamentos impactados por medidas advindas da esfera federal, alheias às suas gestões, que reduziram as receitas e aumentaram as despesas e como forma de compensação encaminharam para os respectivos órgãos legislativos projetos de leis para aumentar as alíquotas do ICMS.

Esse aumento não ocorreu de forma uniforme nos demais estados. Em Sergipe, o projeto de lei foi aprovado sem uma discussão aprofundada e o aumento da alíquota interna passou de 18% para 22%. Alguns estados anunciaram que o aumento da alíquota seria de 18% para 19%, enquanto em Sergipe a alíquota foi para 22%. Os empresários e os consumidores lotados em Sergipe quando adquirirem produtos de outros estados da federação, por força de imposição legal, devem arcar com a diferença entre as alíquotas de origem e destino. Aqui reside um aprofundamento da desigualdade tributária, pois com a nova alíquota de 22%, empresários e consumidores de Sergipe serão onerados com um imposto maior nos preços das mercadorias do que os empresários e consumidores lotados nos estados da Bahia e de Alagoas. Se nada for feito, a concorrência nas transações comerciais entre os contribuintes desses estados, por causa de uma alíquota maior, será desvantajosa para os sergipanos. O problema é que os preços dos produtos na vizinhança serão menores.

Pode-se dizer a título exemplificativo o caso de duas empresas que exercem uma mesma atividade que são optantes pelo regime de tributação do Simples Nacional só que uma delas está lotada no estado da Bahia que terá nova alíquota interna de 19%, e outra lotada no estado de Sergipe com a nova alíquota de 22%, todas adquirindo produtos em São Paulo com alíquota interestadual de 7%, nesse caso, é possível concluir que a empresa sergipana perderá competitividade, pois terá que arcar com uma carga tributária maior.

Neste cenário de aumento da tributação para as empresas optante pelo Simples Nacional apresentam-se algumas inconstitucionalidades, e o tratamento diferenciado previsto na Constituição Federal de 1988 deixará de existir. Infelizmente, o aumento da tributação ocorrerá para os consumidores, e para as empresas, independentemente do regime de tributação e os efeitos serão maiores que para suas concorrentes lotadas nos estados vizinhos, o que contribuirá para aumentar a desigualdade regional.

Ao que parece, a aprovação do aumento da alíquota foi embasada apenas nos argumentos fazendários e sem a certeza de que a arrecadação será recomposta na mesma proporção do que foi a redução. É preciso uma discussão maior com o envolvimento de todo o setor produtivo visando preservar o pacto federativo (equilíbrio fiscal entre os estados e o Distrito Federal), a segurança jurídica, evitar o tratamento tributário desigual e a capacidade contributiva. Portanto, se o aumento das alíquotas não for revisto poderá trazer efeitos nocivos para a economia.

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  • é advogado e sócio da Carvalho Cruz Advocacia, doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet-BA) e membro titular do Conselho de Contribuintes da Secretaria da Fazenda do Estado de Sergipe (Sefaz/SE).

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