Opinião

O licenciamento ambiental na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

Autores

  • Caio Felipe Caminha de Albuquerque

    é mestre em Direito pelo Unipê procurador do estado de Mato Grosso advogado e autor de publicações na área de Direito Administrativo.

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

3 de janeiro de 2023, 6h16

O licenciamento ambiental é o instrumento mediante o qual a administração pública procura controlar as atividades econômicas que degradam ou podem degradar o meio ambiente. A função de controlar tais atividades está expressamente estabelecida pelo inciso V do §1º do artigo 225 da Constituição Federal, que reza que, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado, incumbe ao poder público "controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente".

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O sistema de licenciamento ambiental, que foi instituído pela Lei 6.938/1981 (Lei da Polícia Nacional do Meio Ambiente), tem por finalidade assegurar que os padrões de qualidade ambiental sejam respeitados quando do planejamento, da instalação e do funcionamento das atividades consideradas como efetiva ou potencialmente poluidoras. Daí a importância do tema no que diz respeito aos contratos administrativos, uma vez que as obras e serviços de engenharia causam ou podem causar impactos ambientais, estando, assim, sujeitas à prévia exigência de licenças ambientais nos termos do artigo 10 da lei mencionada [1]. Vale a pena ressalvar que inexiste isenção de controle ambiental pelo fato de serem obras públicas, pois o que é levado em consideração são os impactos ambientai gerados.

O TCU tem pacificado o entendimento de que o procedimento licitatório somente pode ser iniciado após a obtenção da licença ambiental prévia, de forma que o lançamento do certame sem sua presença é um erro grave [2]. Como se cuida de um instrumento de análise de viabilidade ambiental, é possível que o órgão ambiental constate a necessidade de adequações ou mesmo a inviabilidade da proposta, o que comprometeria a licitação. É o caso de um projeto cuja construção não se enquadra nas hipóteses legais de intervenção em área de preservação permanente ou no bioma mata atlântica, o que vai resultar na nulidade do certamente, gerando atraso na prestação dos serviços públicos e perda de recursos do erário.

O artigo 19 do Decreto 99.274/90 e o artigo 8º da Resolução 237/97 do Conama definem a Licença Prévia como a licença ambiental concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação e operação [3]. Logo, essa fase do licenciamento deve aprova a localização e a concepção da atividade, constituindo-se uma espécie de atestado de viabilidade ambiental, pois qualquer estudo ou planejamento anterior é suscetível de modificação.

Tal entendimento continua válido nos casos em que a administração assumir a responsabilidade pelo licenciamento, de modo que a Licença Prévia deve ser obtida antes da divulgação do edital, nos termos do artigo 115, §4º, da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Por outro lado, caso o edital traga a previsão de que caberá ao contratado a obtenção da licença, o entendimento do TCU não terá aplicabilidade por uma questão lógica, mas não isenta dos riscos citados anteriormente. Na redação original da lei citada havia a previsão de que a licença seria obtida antes da divulgação do edital, esse dispositivo (§4º do artigo 115) foi vetado pelo Poder Executivo, mas o veto foi derrubado e a redação original foi mantida.

Nesse contexto, é importante asseverar que a decisão acerca da responsabilidade pela obtenção da licença ambiental precisa mesmo ser vista com maior seriedade, já que pode afetar os prazos de conclusão do projeto e a alocação dos riscos contratuais, ou até mesmo a viabilidade de todo o objeto do contrato. Cabe citar como exemplo a experiência internacional condensada na Ferramenta de Alocação de Riscos de PPP criada pelo Global Infrastructure Hub (Gihub) [4] no que tange às rodovias. Em relação à alocação dos riscos ambientais vinculados aos atos administrativos ambientais pertinentes para o funcionamento da obra, é possível haver variação de acordo com a relevância do projeto.

Para os projetos estruturantes é mais adequado que a administração pública, antes da assinatura do contrato, assuma a obrigação de obter essas chancelas ambientais. Isso porque, como afirmado na matriz de alocação de riscos citada, "em muitos projetos importantes, as autorizações ambientais são um componente fundamental do projeto e podem legar um tempo significativo para serem preparadas e aprovadas". Para evitar contratempos e atrasos, o que tem mais possibilidade de ocorrer caso estejam envolvidos diferentes níveis de governo, é recomendável a assunção da responsabilidade pela contratante somente até certo ponto, mormente quando o projeto guardar maior relevância em termos de políticas públicas.

Após a assinatura do contrato, a regra é o contratado assumir a obrigação de obter e de cumprir as licenças ambientais exigidas para o projeto. No entanto, a matriz de alocação de riscos do Gihub alerta para o fato de que o poder público acabará de certa forma compartilhando esse risco na hipótese de o responsável deixar de atuar corretamente ou de cumprir os prazos cabíveis. Nesse caso, o risco que pode restar configurado é o de ação governamental adversa (MAGA [5]), o que é alocado no parceiro público. Embora o licenciamento passe a ser de responsabilidade da empresa contratada, que é quem deverá ser punida em caso de irregularidade, a obra continua sendo pública, e qualquer atraso decorrente de ausência de licença ou de descumprimento de condicionantes vai gerar um prejuízo na prestação do serviço público.

Nesse sentido, é perceptível que a norma prevista no artigo 25, §5º, I, da Lei 14.133/2021 demanda planejamento e um conhecimento adequado do projeto e de suas peculiaridades ambientais. Uma solução interessante para a mitigação dos riscos envolvidos na obtenção das licenças ambientais após a assinatura do contrato é a previsão do artigo 25, §6º, da Lei 14.133/2021. De acordo com a norma, os processos de licenciamento ambiental de obras e serviços de engenharia licitados e contratados terão prioridade de tramitação nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama [6], sendo orientados pelos princípios da celeridade, da cooperação, da economicidade e da eficiência. Esse é um reconhecimento da relevância da infraestrutura para o desenvolvimento do país, pois é evidente que um projeto estruturante, dada o seu caráter estratégico em termos sociais, econômicos e políticos, não deve se submeter a mesma ordem cronológica de qualquer outro empreendimento.

Resta saber se será de fácil aplicação na prática, já que se trata de uma norma ainda recente. Uma auditoria realizada pelo TCU em 2019 [7] acerca do licenciamento ambiental revelou que a atuação do Ibama na análise de estudos de impacto ambiental foi tempestiva em 67% dos processos examinados. Na fase de concessão de Licença Prévia, considerando-se o somatório dos prazos de todas as etapas envolvidas, a atuação do Ibama foi tempestiva para 75% dos processos da tipologia linhas de transmissão. No entanto, a tempestividade cai para 25% nos licenciamentos de rodovias. E cumpre dizer que, de maneira geral, é provável que nos estados e municípios essa performance seja ainda menos eficiente. Por conta disso, a previsão contida no artigo 25, §6º, da Lei 14.133/2021 pode acabar sendo inócua caso os órgãos e entidades integrantes do Sisnama não detenham estrutura para a implementação da regra de prioridade, seja em termos de recursos materiais e de quantidade e qualidade de recursos humanos.

No ponto, vale lembrar que o artigo 124, §2º, da Lei 14.133/2021 já antecipou a problemática dos atrasos na obtenção de licenciamento ambiental, prevendo que, caso a execução da obra ou serviço de engenharia seja obstada, será cabível a aplicação do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, até porque muitas vezes as adequações e compensações impostas pelo órgão ambiental poderão trazer impactos econômicos substanciais. Nesse caso, as regras relativas à alocação dos riscos entre os contratantes ganham alta relevância. Inclusive, caso o poder público assuma a responsabilidade pela obtenção das licenças ambientais, o atraso no cumprimento da obrigação pode ensejar o direito do contratado à extinção do contrato, nos termos do artigo 137, §2º, V, da Lei 14.133/2021.

Por todo o exposto, é notável que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou racionalizar as normas relativas à obtenção das licenças ambientais, especialmente da Licença Prévia. No entanto, há riscos relacionados à inadequada alocação de responsabilidades entre os contratantes, devendo haver cuidadoso estudo do projeto e de seus potenciais desdobramentos para que sejam evitados problemas.

 


[1] Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

[2] Acórdão 1.140/2005-Plenário

[3] "(…) 3. A Licença Prévia é expedida na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação (art. 19, I, do Decreto 99.274/1990)" (TRF-1. AGRSLT 0037123-76.2014.4.01.0000/MT. Rel. des. Cândido Ribeiro, j. 15/1/2015. e-DJF1, 30 jan. 2015).

[5] Material Adverse Government Action Risk.

[6] O Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente), que foi instituído pela Lei 6.938/1981 e regulamentada pelo Decreto 99.274/1990, é constituído pelos órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e pelas fundações instituídas pelo poder público responsáveis pelo controle ambiental. A estrutura do Sisnama está prevista no art. 6º da lei citada.

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